Não é a primeira vez e, com certeza, não será a última. Mas sempre surpreende a reação violenta e o grau de manipulação que demonstram os próceres que controlam a mídia, e seus cães de aluguel, quando têm algum interesse contrariado. A atual cobertura das propostas de regulação dos meios de comunicação, qualquer regulação, é exemplo perfeito dessa anomalia editorial.
A decisão do Senado de aprovar em primeiro turno a emenda à Constituição que resgata a exigência do diploma de curso superior para o exercício da profissão de jornalista ofereceu mais uma oportunidade para um desfile de meias verdades, mentiras inteiras e muita, mas muita manipulação. Ou seja, uma boa aula de mau jornalismo.
A história já é conhecida: em 2009, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que para exercer o jornalismo não deve ser exigida qualquer habilitação ou documento legal. Basta se autodenominar jornalista, contar com um patrão amigo, e conquistar um lugar no disputado espaço dos jornais, rádios, TVs, revistas e portais de notícias no Brasil. Para a Suprema Corte do país, para ser jornalista não é necessário nem provar a alfabetização. Aliás, uma exigência desse tipo, para uma parte dos ministros, é uma séria ameaça ao Estado democrático de direito. O curioso é que esse processo tramitou por uma década sem merecer qualquer menção da parte dos meios. Mas o julgamento do STF ganhou as manchetes e causou tamanha estranheza e surpresa na sociedade, que os históricos opositores do diploma se abstiveram de comemorar.
Inconformadas com a decisão do STF, vamos dizer assim, equivocada, para manter o nível (o que faltou ao senador Fernando Collor), as lideranças sindicais dos jornalistas, com o apoio de diversos parlamentares, buscaram, no Congresso Nacional, deixar claro, no texto da Constituição, que não há contradição nenhuma entre exigir que jornalistas estudem e o direito de expressão da cidadania.
Dignidade e respeito
Enquanto durou, por mais de 40 anos, a exigência jamais impediu qualquer cidadão de expressar-se de forma livre nos jornais, rádios ou TVs. Muito pelo contrário, o jornalismo ética e tecnicamente qualificado é um dos principais instrumentos de defesa das liberdades democráticas, em especial à de expressão, e de enfrentamento das vilanias provocadas pela lógica do mercado e a concentração da propriedade dos meios.
Pois bem. Depois de mais de dois anos e de muita mobilização da categoria, estudantes e professores em todo Brasil, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que resgata a formação específica. O placar é inquestionável: 65 a favor e sete, contra. E quem ganha destaque exagerado na cobertura? Os sete que votaram contra, é claro! É uma inversão brutal dos preceitos elementares do jornalismo. Omitiu-se, inclusive, que entre os sete, há donos de empresas de comunicação, predadores de mão-de-obra e interessados diretos no aviltamento da profissão. Esqueçam o cachorro e entrevistem o rabo. Mas o que esperar desse tipo de “jornalismo” quando a substituição de uma apresentadora de um telejornal ganha o destaque de um acontecimento de repercussão internacional – um vergonhoso espetáculo de autoelogio e metajornalismo?
As agressões e distorções vão continuar, e até aumentar, com o propósito de bloquear o andamento da PEC no Senado e depois na Câmara. A melhor resposta é não desistir da denúncia – embora já se saiba do desequilíbrio de forças e da limitação da audiência – e seguir mobilizando a categoria e a sociedade pelo direito de ter uma profissão regulamentada e respeitada. Porque no final apenas buscamos o mesmo que várias gerações de jornalistas que nos antecederam já reivindicaram: dignidade e respeito.
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[Sérgio Murillo de Andrade é diretor de Relações Institucionais da Fenaj]