Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ano dos tecnocifrões

Mesmo com a fragilizada economia americana e a crise europeia, o setor de tecnologia vem esbanjando ainda mais vitalidade este ano. Não por acaso, as megafusões e aquisições já somam US$ 139,3 bilhões, considerados os negócios anunciados até setembro. A cifra supera em 17% todas as transações do ano passado – que registraram US$ 119 bilhões de janeiro a dezembro – e faz com que especialistas considerem este um ano histórico para o setor, comparável a momentos como o advento da internet comercial ou a migração para o computador pessoal.

Os números, da consultoria Ernst & Young Terco, mostram ainda que as fusões e compras mantêm trajetória crescente. No terceiro trimestre, foram anunciados 759 negócios, movimentando US$ 56,4 bilhões, 22% a mais que os US$ 46,1 bilhões do mesmo período no ano anterior. Em relação ao segundo trimestre deste ano, quando o total chegou a US$ 52,1 bilhões (em 777 negócios), o aumento foi de 8%.

Nesse bolo, não entram só os investimentos das empresas. Os private equities, ou fundos de capital de risco, também apostaram pesado no setor de tecnologia, capitalizando empresas e aumentando seu caixa. Essas apostas quase dobraram no trimestre encerrado em setembro: em relação ao trimestre anterior, o aumento foi de 82%, para US$ 14,6 bilhões. Em comparação com o mesmo trimestre ano passado, a alta foi ainda maior, de 86%.

Processar e interpretar as informações

Se no segundo trimestre a aquisição que puxou o “bonde” dos bilhões em tecnologia foi a compra do Skype pela Microsoft por US$ 8,5 bilhões, seguida pela aquisição da National Semiconductor Company pela Texas Instruments por US$ 6,07 bilhões, no trimestre seguinte a maior transação foi a compra da Motorola Mobility pela Google, por US$ 12,5 bilhões. Outro negócio acima da marca dos US$ 10 bilhões ocorreu no período – quando a Hewlett-Packard (HP) levou a empresa de análise de dados Autonomy por US$ 10,22 bilhões.

De acordo com a pesquisa da Ernst & Young Terco, em 2011, o grande motor dessa exuberância – nada irracional, diga-se de passagem – é a contínua inovação tecnológica que enche os olhos dos investidores de cifrões, prevendo grandes ganhos potenciais em setores como computação em nuvem, mobilidade inteligente, vídeos em streaming online, redes sociais e, sobretudo, o chamado setor de ig data – análise de grandes volumes de dados que tornam a experiência techie de usuários – pessoas físicas e jurídicas – cada vez mais personalizada. No levantamento, esse setor foi responsável por 24 fusões.

“Essa análise de dados permite estruturar a grande quantidade de informações que existe sobre esses usuários na internet e nas redes sociais”, diz Bruno Magrani, professor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas. “As empresas investem cada vez mais em maneiras de processar e interpretar esse volume gigantesco de informações. Daí a aquisção da Autonomy, especializada justamente nisso, pela HP.”

Google compra uma empresa por semana

Segundo Ricardo Reis, executivo líder de Fusões e Aquisi$ções da Ernst & Young Terco, a consolidação das tecnologias mencionadas explica a chuva de transações, já prevista desde o começo do ano. “As fusões e aquisições advêm de uma corrida das grandes empresas para se posicionarem bem nas novas tendências de cloud, mobilidade, redes sociais etc., que apontam para o futuro”, afirma Reis. “E este ano concorreu ainda para isso o fato de as empresas estarem fortemente capitalizadas.”

De fato, no último trimestre as 25 maiores empresas de tecnologia do mundo tinham em caixa o montante de US$ 632 bilhões, contra US$ 486 bilhões no início de 2010. Reis explica que elas começaram a guardar dinheiro a partir da crise no mercado americano em 2008, preparando o terreno para a atual expansão: “As empresas de tecnologia têm essa tendência: não costumam pegar dívidas e vão acumulando capital. Uma espécie de backup, útil justamente para quando surgem as trilhas da inovação.”

A volatilidade da macroeconomia que afeta outras indústrias parece passar ao largo do setor tecnológico. Joseph Steger, executivo líder de Transações Globais de Tecnologia da Ernst & Young Terco, diz no estudo que “nesse período de hiperinovação, o processo de transformar tal inovação em produtos e serviços economicamente viáveis frequentemente envolve fusões e aquisições”. Só a Google fez 57 aquisições no ano, tanto que o presidente do conselho da gigante, Eric Schmidt comentou semana passada num evento em Paris que a empresa “compra uma empresa por semana”.

Oferta de ações do Facebook é aguardada

De tal quadro vem também o apelo da cloud computing e, por tabela, de maiores investimentos em segurança da informação (uma área que nunca sai de moda). “À medida que o tempo passa, as tendências tecnológicas se integram umas às outras,” diz Steger.

“E se junta a tudo isso o aumento no número de IPOs (ofertas públicas de ações) este ano, coisa a que os fundos de capital de risco estão sempre atentos. Eles investem justamente para faturar muito mais num IPO, que paga melhor que o simples retorno de investimento”, conta Reis. “Quando há grandes IPOs, o mercado indica aos fundos que está na hora de investir de novo em dado setor. E isso contribuiu para o maior número de negócios.”

Entre os grandes IPOs do ano, estão o do Groupon (US$ 700 milhões) e o do LinkedIn (US$ 352 milhões). Entre os mais aguardados para 2012 está o do Facebook.

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[André Machado, do Globo.com]