Se um impressor dos tempos de Gutenberg, em meados do século 15, fosse transplantado através do tempo às oficinas do jornal A Província de São Paulo na noite de 3 de janeiro de 1875, não teria grandes dificuldades para adaptar-se ao equipamento que estava imprimindo o primeiro número. O rústico prelo Alauzet manual, comprado no Rio de Janeiro de segunda mão, não era muito diferente das prensas que o impressor do século 15 conhecia. Era metálico e tinha uma enorme manivela, mas também era acionado à mão, imprimindo, de um lado do papel, a primeira e quarta páginas e depois, do outro lado, a segunda e a terceira. Como no século 15, o texto fora composto manualmente, letra por letra; a oficina estava pobremente iluminada por duas velas de sebo, cujo consumo era controlado com rigor pelo gerente. O que talvez ele achasse diferente seria a falta de preparo dos impressores – “alguns pretos livres”, como disse o paginador do primeiro número, pois o jornal se recusava a utilizar mão de obra escrava –, recrutados às pressas e com alguma dificuldade no Largo da Misericórdia e nas proximidades da Caixa d’Água, e colocados para trabalhar sem praticamente nenhum treinamento. O jornal deveria ter saído no dia 1º do ano, mas as condições do prelo não permitiram.
Esta cena é um bom espelho da precariedade da infraestrutura gráfica da imprensa diária brasileira na maior parte de sua história: equipamentos obsoletos, funcionamento precário, atrasos constantes, falta de mão de obra qualificada e uma gestão preocupada em administrar recursos escassos.
Historicamente, a capacidade do parque gráfico brasileiro tem sido inferior à crescente demanda por seus serviços, além de ter custos consistentemente mais elevados que no exterior.
Equipamentos obsoletos
Isto não significa que a imprensa brasileira não contasse, ocasionalmente, com equipamentos gráficos à altura das publicações mais adiantadas do exterior. Os prelos em que foram impressas as primeiras folhas, por exemplo, eram os mais modernos da época. E as instalações gráficas dos jornais atuais não ficam atrás das utilizadas pela imprensa americana ou europeia. Mas foram períodos de exceção. Como há várias décadas observou o Jornal do Brasil, “os jornais argentinos superam os brasileiros no que se refere à confecção gráfica, por contarem com oficinas melhor aparelhadas”.
A pobreza do parque gráfico afetou negativamente o desempenho da imprensa. A impressão deficiente tornava difícil a leitura dos jornais e afastava os anunciantes; a lentidão dos equipamentos atrasava sua saída, com perda de leitores; a baixa capacidade fazia com que o número de exemplares impressos nem sempre conseguisse atender a demanda potencial.
As insuficiências do parque gráfico dos jornais foram, frequentemente, uma consequência da escassez de divisas do país, que dificultava a renovação dos equipamentos. No século 20, a importação foi problemática, com alguns períodos de exceção, como os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, no governo do presidente Dutra, quando a imprensa conseguiu modernizar-se, depois de um longo período de obsolescência. Mas já na década de 1950 a importação tornou-se mais difícil. Nesse período, o Jornal do Brasil, por exemplo, se caracterizou pelo design gráfico renovador e por uma impressão deficiente, decorrente da longa espera por uma licença para importar uma rotativa. A Última Hora, de Samuel Wainer, foi um modelo de jornalismo moderno, mas seus equipamentos eram obsoletos. Seu concorrente, Carlos Lacerda, que editava a Tribuna da Imprensa, dizia que o jornal era impresso numa máquina de moer cana, tal era sua precariedade.
No fim dos anos 1960, o governo militar isentou de impostos a entrada de materiais para a indústria gráfica, através do Grupo Executivo das Indústrias de Papel e Artes Gráficas (Geipag), permitindo a renovação dos equipamentos dos jornais, extremamente defasados. O período seguinte de modernização do parque gráfico se deu a partir dos anos 1990, depois da abertura dos mercados pelo presidente Collor.
A imprensa brasileira começou bem equipada. A frota que trouxe o príncipe regente d. João e a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, transportou também várias caixas de tipos e dois prelos Stanhope. Haviam sido comprados em Londres para a Secretaria dos Estrangeiros e da Guerra e estavam ainda no cais em Lisboa quando foram embarcados precipitadamente no navio Medusa. Foram a base para a criação da Impressão Régia no Brasil.
Nelson Werneck Sodré afirma que se tratava de “rudimentares impressoras de madeira, compradas na Inglaterra por 100 libras esterlinas”. O preço seria esse mesmo, mas as impressoras não eram nem rudimentares nem feitas de madeira. (Outra versão diz que só veio um prelo e que foi construído outro de madeira, no Rio; não é implausível: um Stanhope custava de 90 a 100 libras, mas a versão mais generalizada é que chegaram dois.) Além dos prelos da Impressão Régia, outro Stanhope entrou em funcionamento na Bahia, em 1811, na tipografia de Silva Serva, que imprimiu o periódico A Idade d’Ouro do Brazil.
Impressão Régia passou a fundir tipos de metal
Fabricados a partir de 1800, os prelos Stanhope, os mais modernos da época, representaram o maior avanço das artes gráficas desde Gutenberg. Receberam o nome de seu inventor, lorde Stanhope. Em vez de serem feitos de madeira, como os prelos comuns, foram os primeiros de ferro fundido, com exceção da base, e incorporavam alavancas para aplicar uma pressão maior e mais uniforme sobre o papel, melhorando a qualidade da impressão e exigindo menos esforço do impressor. The Times, de Londres, que usava esses prelos, fazia umas 200 impressões por hora, mas alguns jornais conseguiam uma produção maior. Podiam imprimir também folhas maiores que as habituais. O preço era muito superior ao dos prelos comuns de madeira. Como lorde Stanhope não quis patentear o invento, para estimular seu uso, a prensa passou a ser fabricada em vários países. Foi mencionada por Honoré de Balzac no romance As Ilusões Perdidas. Sobre sua robustez, é suficiente dizer que um prelo Stanhope construído na França em 1847 ainda se encontra em boas condições de funcionamento na Espanha.
O Brasil foi talvez o primeiro país a utilizar esse prelo fora da Inglaterra. O primeiro Stanhope só chegou aos Estados Unidos em 1811, três anos depois do Brasil, e demoraria ainda vários anos para ser utilizado na Europa continental, por causa das Guerras Napoleônicas, que dificultaram o comércio com a Inglaterra. Os países do continente somente tiveram acesso a esse prelo depois da derrota definitiva de Napoleão Bonaparte. A França importou seu primeiro Stanhope em 1814, a Alemanha em 1815 e a Suécia em 1828.
Quando o livreiro e editor francês Pierre Plancher chegou ao Brasil, em 1824, trouxe na bagagem um prelo ainda considerado moderníssimo na época, um Stanhope, que utilizou para imprimir, além de livros, vários periódicos, entre eles o Jornal do Commercio.
Os Stanhopes da Impressão Régia serviram como modelo para fazer prelos de madeira, amplamente utilizados. Em 1810, um desses prelos e caixas de tipos foram remetidos à então Província Cisplatina (Uruguai). Houve uma tentativa de enviar um Stanhope a São Paulo, onde existia uma fundição de ferro em São João de Ipanema, atual Sorocaba, para construir prelos metálicos, mas a remessa foi cancelada. A Impressão Régia passou também a fundir tipos de metal, que eram importados; foi uma iniciativa sem continuidade.
O sucesso das prensas Washington
As parcas informações disponíveis sugerem que as prensas não recebiam manutenção apropriada. Affonso A. de Freitas diz que a junta diretora da Imprensa Nacional, sucessora da Impressão Régia, “separou e encaixotou um velho prelo de ferro fundido do inventor Stanhope e que, na época, seria o que de melhor e mais perfeito existisse no Brasil se não estivesse estragadíssimo pelo uso”. E não era só a Imprensa Nacional quem teria esses problemas. O Jornal do Commercio, estampado por Plancher, não era modelo de qualidade gráfica. Era um periódico “grosseiramente impresso”.
Durante o Primeiro Reinado, o Brasil também importou outros equipamentos gráficos modernos, robustos e fáceis de usar. Segundo Gráfica, obra organizada por Mário de Camargo, o primeiro prelo que chegou a Pernambuco, em 1817, foi um Columbian. Era um equipamento metálico, de boa aparência, com um sistema de manivelas que requeria menos esforço dos impressores; fora inventado por George Clymer, nos Estados Unidos, apenas três anos antes. Tinha uma imponente águia em ferro fundido, com as asas abertas e um ramo de oliveira no bico, pelo que foi também conhecido como eagle (águia, em inglês). Foi o primeiro prelo fabricado em grandes quantidades. O Maranhão importou uma prensa Columbian em 1821. Nesse mesmo ano, a Typographia Nacional de Pernambuco pagou cerca de 3,2 mil-réis para adquirir uma prensa Columbian. Alagoas e a Paraíba receberam uma prensa dessa marca dois anos depois. Laurence Hallewell afirma que o equipamento da Paraíba fora importado da Inglaterra, o que não parece improvável, uma vez que Clymer já estava fabricando o prelo também em Londres.
Uma prensa mais fácil de usar, a Washington, foi desenvolvida nos Estados Unidos por Samuel Rust, que a patenteou em 1821, mas somente começou a ser fabricada vários anos depois. De estrutura muito mais leve que a Stanhope ou a Columbian, estava dotada de uma alavanca articulada em lugar das manivelas desses outros prelos, e de uma mola. Só chegou ao Brasil em 1847, importada por uma tipografia do Maranhão. Mas tal foi sua aceitação que alguns anos depois já havia onze prensas Washington em São Luís. Uma delas fora importada, em 1848, pelo jornal O Progresso, o primeiro diário maranhense.
Em homenagem ao governador
O Jornal do Commercio importou em 1836 a primeira impressora automática do Hemisfério Sul. Explicou a seus leitores que, como tinha mais de 2 mil assinantes, os dois prelos de ferro não davam conta da impressão, que só terminava de manhã – e o jornal não era entregue aos assinantes antes das 10 ou 11 da manhã. O prelo mecânico, “o primeiro que passou o Equador”, foi fabricado em Paris pela casa Firmin Didot. Estava equipado com cilindros que distribuíam a tinta sobre as formas. Em lugar das dez horas anteriores, a impressão do jornal demorava apenas duas. Pouco depois, o Jornal do Commercio afirmava possuir o maior parque gráfico do Rio de Janeiro e certamente também do Brasil: três impressoras mecânicas e quatro manuais.
Vários dos primeiros jornais brasileiros foram estampados em equipamentos modernos. Mas houve atraso na renovação. O Brasil demoraria várias décadas para contar com máquinas de impressão cilíndrica, movidas a vapor, como a que The Times, de Londres, introduziu em 1814.
Como a maioria das tipografias não podia pagar o elevado preço de um Stanhope ou de um Columbian, muitos jornais eram impressos em prelos de madeira, feitos no Brasil. Hallewell diz que nove prelos de ferro equivaliam a quase trinta de madeira. Eram equipamentos de modelo muito antigo, de “parafuso”, mais parecidos à prensa de Gutenberg que ao prelo de Stanhope.
Na Vila Rica, o padre José Joaquim Viegas de Menezes, que aprendera artes gráficas na tipografia do Arco do Cego, em Lisboa, gravou em placas de metal um poema em homenagem ao governador de Minas Gerais, em 1807, e o imprimiu numa pequena prensa doméstica, feita por ele. Em 1820, construiu um prelo a pedido de um chapeleiro e sapateiro português, Manuel José Barbosa Pimenta e Sal, a quem ensinou a moldar e fundir tipos metálicos. Estima-se que em 1828 havia seis tipografias em Minas Gerais, todas com prensas de madeira fabricadas no país. No Pará, João Francisco Madureira fabricou um prelo próprio e moldou tipos, também em 1820.
Serviços de terceiros
Antes deles, o português Manuel Antonio da Silva Serva, que publicava A Idade d’Ouro do Brazil na Bahia, o segundo jornal impresso no país, informou ao príncipe regente d. João que, para não precisar recorrer à Europa cada vez que fosse necessária uma nova prensa, ele “se propôs a fazer construir no país os prelos de que se carecessem para ampliar a oficina”, e disse que não foi sem prazer que ele conseguiu fazer acabar o primeiro, “o qual em nada cede aos que mandou vir de Lisboa, mas antes na opinião dos entendedores lhe é muito superior pela perfeição das peças, pelo arranjo e a disposição da máquina e pela maior facilidade de execução, em abono do que tem o suplicante a honra de pôr na augusta presença de V. A. R. o impresso junto, primeiro fruto do novo prelo”. Mas nada aconteceu.
A substituição, no fim do século 19, da máquina plana pela rotativa permitiria aumentar a velocidade de impressão e também um incremento da tiragem dos jornais, com custos muito inferiores. A rotativa imprime pressionando o papel cilindro contra cilindro. Essas rotativas tipográficas, conhecidas como letterpress, começaram a ser introduzidas lentamente no Brasil. O Jornal do Commercio foi o primeiro diário brasileiro a importar uma, mas no começo do século 20 diversos jornais de São Paulo e Rio já dispunham de rotativas modernas.
Um equipamento intermediário entre a impressora plana comum e a rotativa, desenvolvido no século 19, era a máquina rotoplana, mais lenta, pois imprimia o jornal primeiro de um lado e depois do outro, mas de preço muito inferior. Foi muito usada, até recentemente, por jornais diários de pequena circulação no interior do país.
Na segunda metade do século 20, as rotativas tipográficas passaram a ser substituídas por equipamentos off-set, que utilizam o processo litográfico de impressão indireta, que melhora a qualidade e a reprodução da cor.
Os primeiros jornais no Brasil impressos com equipamentos off-set, nos anos 1960, foram o diário em língua japonesa São Paulo Shimbun, de São Paulo, e o NH, de Novo Hamburgo (RS). A Folha de S.Paulo foi um dos primeiros jornais do mundo a utilizar o processo off-set para tiragens superiores a 250 mil exemplares. O Globo seguiu seu exemplo alguns anos depois.
A decisão errada, na hora de renovar os equipamentos, causou sérios transtornos a alguns dos maiores e mais tradicionais diários brasileiros. Quando, nos anos 1970, O Estado de S. Paulo teve que decidir entre encomendar para sua nova sede as tradicionais rotativas tipográficas, para substituir o equipamento importado nos anos 1950, ou as novas rotativas off-set, optou pelo processo antigo. Somente na década de 1990 é que O Estado aderiu ao novo processo, quando já não era mais tão moderno assim. O mesmo erro de avaliação foi cometido pelo Jornal do Brasil, que encomendou rotativas tipográficas, também nos anos 1970, para sua nova sede. Mas, ao contrário de O Estado, nunca teve oportunidade de corrigir seu erro. Nos anos 1990, em meio a uma crise financeira, não tinha mais condições de investir para renovar seu parque gráfico. Preferiu contratar os serviços de terceiros, antes de acabar definitivamente com a edição impressa, em 2010.
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[Matías M. Molina é autor de Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição]