Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Lobby ou tráfico de influência?

A Folha de S. Paulo e a Época deram a palavra ao ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel (10/12). Iniciativa importante, que outros jornais e revistas tiveram em relação a autoridades denunciadas anteriormente: ouvir o acusado.

Na entrevista a Fernando Rodrigues, da Folha, Pimentel dá uma resposta que virou título. É a última da versão impressa do diálogo:

“O sr. informou a presidente sobre os contratos que teve?

“Não. Não havia a menor necessidade de informá-la porque não tem nada irregular. Não tinha nem tem.”

Como Pimentel é ministro, foi nomeado por Dilma Rousseff, há um problema com essa pergunta.

Ela parte da premissa de que os contatos feitos por Pimentel não foram regulares e que, portanto, deveriam ter sido comunicados à presidente eleita. Aceitemos a premissa. Mas permitamo-nos perguntar: e Dilma teria feito o quê? Avaliaria ela mesma o teor de irregularidade dos atos relatados e decidiria nomear Pimentel, ou não o nomear, ou ainda, além de não o nomear, denunciá-lo a autoridades judiciárias?

O que está embutido na pergunta de Rodrigues é que havendo alguma dúvida quanto à lisura das atividades profissionais de Pimentel em 2009-10, ele poderia ter submetido o problema ao julgamento da presidente.

Deseducação cívica

Mas, nesse caso, como cidadão de uma república, ele próprio não deveria ter sido o primeiro a sopesar sua dúvida e evitar problemas para sua amiga, o governo dela e de seu partido? Não estaria, ao transferir a dúvida para sua chefe, forçando uma situação e colocando uma armadilha no caminho do governo?

Esse raciocínio equivale a dizer: “Se alguém tiver dúvida em relação a algum procedimento que pode ser entendido como irregular, descarregue o problema para cima”. Exima-se de seguir sua própria consciência e de assumir suas próprias responsabilidades.

No caso de Pimentel, não apenas ao aceitar cargo na coordenação da campanha presidencial de Dilma, e depois nomeação para o ministério, mas quando as propostas de consultoria lhe foram feitas.

Ter amigo é crime?

Na entrevista à Época, Pimentel afirma que se ter amigos é crime, ele é criminoso.

Ter amigos não é crime. Realizar determinadas atividades, com determinados indivíduos, em determinadas circunstâncias, pode ser. Sejam esses indivíduos amigos, inimigos, conhecidos ou desconhecidos.

O que fica muito claro é que o ministro não vê na consultoria a empresas que têm relações com governos, por parte de alguém que acaba de sair de um cargo no governo, nenhuma incompatibilidade com suas tarefas passadas e pretensões futuras. É a mesma visão de José Dirceu e Antônio Palocci, entre tantos outros.

Caldo de cultura

Em coluna na mesma edição da Folha, Fernando Rodrigues diz que…

“…uma razão simples impede que se faça um juízo claro sobre as atividades de consultor do ministro Fernando Pimentel: inexistem regras claras para a prática do lobby.”

Adiante:

“…ninguém jamais saberá com precisão quais foram os contatos que Pimentel continuou a ter com órgãos públicos de Belo Horizonte depois de ter deixado a cadeira de prefeito daquela cidade. Esse é o ponto. […] O que continua nebuloso – para Pimentel e centenas de outros homens públicos – é a agenda que muitos ainda cumprem de maneira informal dentro de governos dos quais já não participam.”

Uma coisa é lobby, outra é tráfico de influência. Fernando Pimentel, como mostrou material bem-documentado do Estado de S. Paulo no mesmo sábado, tem de se haver com denúncias de tráfico de influência. “Cumprir de maneira informal, dentro de governos dos quais já não participam, determinadas agendas” não é algo que se possa classificar como simples lobby.

A grande questão a discutir não é o exercício do lobby, embora isso também se deva discutir – porque o entendimento nebuloso de hoje é caldo de cultura de corrupção. A grande questão é por que o tráfico de influência persistiu como moeda corrente da política brasileira em governos do PT.