“Não faltará rigor nessa apuração!” (ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, a propósito do vazamento de óleo da plataforma da “Chevron”)
Houve-se bem o governo brasileiro em ordenar que sejam interrompidas, por tempo indeterminado, as operações da Chevron no Brasil. A quarta maior petroleira do mundo pisou feio na bola no episódio do vazamento de óleo no Campo do Frade, na Bacia de Campos. Recorreu a trapaças inimagináveis na construção de sua interpretação dos fatos. Foi longe demais da conta na marota tentativa de engazopamento da opinião pública em que se lançou, começando pelo Parlamento e órgãos de fiscalização.
Favorecida pelo incompreensível e, pode-se mesmo dizer, cúmplice comedimento de parte influente da mídia na divulgação da grave ocorrência ambiental, a empresa norte-americana fez de tudo para ocultar as verdadeiras proporções do incidente. Tratava-se, garantiu, de vazamento provocado por “uma rachadura no solo do oceano”. Um “fenômeno perfeitamente natural”, ousou afirmar. A versão pinoquiana foi reduzida a estilhaços em curto espaço de tempo. A alegação, constatou-se, não passava de embuste, deboche puro.
As informações liberadas a respeito de colossal mobilização de recursos extraordinários que estaria promovendo, objetivando conter o vazamento, foram desmentidas, uma a uma. A petroleira sustentou haver requisitado, de imediato, 17 embarcações para as operações de emergência. Mentira. Naquela fase dos trabalhos, deslocou para o local do desastre um único navio. Ao anunciar um plano emergencial de abandono do poço que vinha sendo perfurado, sonegou outro dado fundamental: não dispunha dos equipamentos necessários à execução do plano com a rapidez exigida. O equipamento teve que ser trazido de fora. Só entrou em funcionamento algum tempo depois, sem que os órgãos competentes tivessem sido devidamente notificados de sua chegada. Disso resultou o retardamento de providências consideradas essenciais. As tapeações da Chevron chegaram ao ápice do atrevimento quando mandou confeccionar um vídeo com imagens adulteradas do incidente. A intenção de, uma vez mais, ludibriar a boa fé alheia ficou manifesta. As cenas editadas “provavam” que a dimensão do desastre ambiental havia sido sensivelmente menor.
E se fosse a Petrobras?
Coube a diligentes oficiais da Polícia Federal deixar exposta ainda mais a arrogância e impertinência da empresa. A ação policial comprovou a utilização na área pesquisada, na Bacia de Campos, de uma sonda com capacidade para perfurações além de 7 mil metros. O fato evidenciou que a petroleira infringiu também, clamorosamente, regras pactuadas quanto às suas atribuições na prospecção que lhe foi confiada. Na verdade, as camadas de petróleo na região explorada podem ser alcançadas a profundidades que tornam dispensáveis sondas desse porte. A ação levada a termo escondia o propósito de facilitar à Chevron acesso, de forma ilegal, clandestina, à camada de pré-sal. Acesso esse não cogitado na outorga de prospecção concedida.
Não há, pois, usando de franqueza, como calar a estranheza diante da tonitruante constatação de que essas coisas todas, de suma gravidade, não conseguiram, apesar dos sinais e indícios abundantes e perturbadores, atrair com a intensidade desejável as atenções da grande mídia. Pergunta-se, então, com certa inquietação quanto à natureza das respostas que possam ser colhidas: e se no lugar ocupado pela estrangeira Chevron, como ré que é de crime bem configurado contra o interesse público, contra o interesse nacional, estivesse colocada a brasileiríssima Petrobras? A cobertura das ocorrências gravíssimas na bacia de Campos teria sido tão controlada, tão parcimoniosa, quanto a que foi dada, no tocante à candente questão, por quase todos os nossos grandes veículos de comunicação? Hein?
***
[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]