Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por um debate com sotaque brasileiro

Público e notório é o fato de que jornais enfrentam uma das maiores crises de sua história, ao menos nos principais países da Europa e nos Estados Unidos. O declínio da circulação dos títulos nos mais diferentes mercados no mundo desenvolvido coloca em dúvida se os jornais continuarão a existir daqui a 60 anos nesses países. Razões para isso não faltam: em um mundo super-acelerado, tempo é recurso escasso. Como conseqüência, as pessoas dedicam menos tempo à aquisição de informações.


Jornais sempre funcionaram como um ponto obrigatório por meio do qual diferentes comunidades (anunciantes específicos, compradores, pessoas ávidas por notícias, empresas) se relacionavam. Com a internet, tais comunidades podem potencialmente se relacionar diretamente, a um custo muito menor. Sítios da internet não requerem rotativas, bobinas de papel e eletricidade para existir. Devido às novas tecnologias, cada vez mais as pessoas consideram o acesso à informação um bem gratuito. Com o avanço das tecnologias móveis, celulares e palm-tops estão se transformando em centros de entretenimento pessoal em que a notícia pode ser facilmente adquirida em qualquer lugar de forma fácil, rápida e gratuita. Com a proliferação dos meios, cresceram também as formas com que anúncios e propaganda são exibidos, fazendo com que as verbas publicitárias fiquem muito mais dispersas entre os diferentes meios de comunicação.


Embora perdidos, os jornais tentam reagir seguindo o script das organizações em declínio. O primeiro passo é sempre tentar reduzir ao máximo seus custos. Com isso, jornalistas são demitidos. Os que ficam têm de trabalhar mais intensamente e em piores condições, pois recursos de todos os tipos e de todas as formas são cortados. Tudo o que é considerado supêrfluo é podado. Menos jornalistas e recursos significa que os jornais ficam cada vez mais dependentes das agências de notícias. A produção da informação fica presa nas mãos de poucos. Conseqüentemente, as notícias ficam mais padronizadas, mais iguais, e a opção pelo diferente, pelo contraditório é drasticamente reduzida. Outra solução comum é o aumento da pasteurização do conteúdo dos jornais, com a redução dos espaços para articulistas, para a apresentação aprofundada de notícias, o aumento das imagens e de notícias relacionadas a celebridades – nada mais do que o esperado na Sociedade do Espetáculo.


Jornais migraram para a internet e passaram também a oferecer conteúdo online. Porém, diversos estudos mostram que a receita gerada nos sites dos jornais não cobrem os custos de uma migração definitiva. Outra prática comum é o desenvolvimento de sites específicos para segmentos de classificados. The Guardian, na Inglaterra, tem um site sobre carros (auto trader) que atingiu muito sucesso. Com isso, outra solução que as grandes empresas jornalísticas estão tentando é alterar seu foco estratégico – de empresa que produz jornais para provedor de notícias que detêm diversos meios, como sites de internet, jornais impressos, jornais regionais, rádios, TVs etc., com a possível integração das diversas redações em uma só.


A reboque


Este caminho indica a concentração das organizações que produzem notícias em grandes conglomerados midiáticos, que podem auferir lucro pela diversidade de fontes de recursos, como aconteceu no Reino Unido nos últimos 30 anos. Mais uma vez, isso indica concentração da produção da notícia, com possíveis danos para a sociedade. Outra solução comum tem sido o lançamento de jornais gratuitos.


No caso brasileiro, de acordo com dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em 2001 a Folha de S. Paulo, jornal de maior circulação nacional, tinha média de circulação diária de pouco menos de 400 mil exemplares. Em 2005, passou a ser de pouco mais de 300 mil. Declínio semelhante acompanhou os cinco principais títulos de maior circulação nacional. O mercado brasileiro apresenta peculiaridades em relação ao dos países europeus e dos Estados Unidos. Para citar algumas peculiaridades: nossos níveis de circulação de jornais são inferiores; possuímos proporcionalmente menos títulos; assinatura de jornal é fundamental fonte de receita, o que não acontece em muitos dos países centrais; temos poucos títulos com apelo popular; o acesso da população à tecnologia é diferente.


Isso significa que é necessário que o debate sobre o futuro dos jornais no Brasil não aconteça a reboque das discussões internacionais, que estão pautadas pelo que acontece em países desenvolvidos. É preciso explorar as peculiaridades de nosso país e tentar discutir soluções adequadas ao contexto e à realidade brasileira. Associações de jornais, pesquisadores da área de gestão e economia, sindicatos de jornalistas, organizações não-governamentais precisam começar um debate nacional sobre o futuro dos jornais antes que seja tarde demais.

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Pesquisador e doutorando na Manchester Business School e professor da EAESP-FGV