Este tema foi tema de outros artigos nesta mesma coluna. O jornalismo, assim como o direito e a medicina, sem qualquer comparação acadêmica-profissional, não cabe aqui debater a questão com profissionais destes dois campos; são consideradas profissões estratégicas para a sociedade. O direito na defesa dos direitos do cidadão, a medicina na construção de uma vida saudável e o jornalismo na disseminação e democratização das informações e da vida em sociedade.
Assim como no direito e na medicina é inconcebível profissionais inadequadamente formados, preparados, qualificados; também no jornalismo isso inadmissível. Então se pergunta por que é dispensável a formação universitária específica em jornalismo para o exercício profissional? Todos sabem que um jornalista ou a imprensa de modo geral pode “matar” uma pessoa, pode destruir uma família, causar fortes prejuízos para uma sociedade. O que se pensar então de jornalistas “profissionais” sem formação adequada, em alguns casos, semialfabetizados?
Hoje muitos reclamam que a mídia, a imprensa, os jornalistas não traduzem os fatos de forma verdadeira. Que atuam conforme os interesses das empresas de comunicação e conforme os interesses dos grupos políticos mais expressivos, mais fortes. E por que isso acontece? Acontece por que não há independência editorial. Muitas empresas de comunicação estão diretamente, deve ratificar, diretamente dependentes economicamente do poder público, dos governos, dos políticos. Como haverá independência editorial, um trabalho jornalístico sério, isento com esta dependência?
Trabalho qualificado
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, tornou sem efeito legal somente o inciso V do artigo 4º do Decreto-Lei 972/69, que exigia a apresentação de diploma. Todos os demais artigos da regulamentação, apesar das declarações públicas do ex-ministro presidente do STF, continuam em vigor. Ou seja, a profissão de jornalista continua devidamente regulamentada. Contudo a exigência da formação universitária específica – “diploma de jornalista” – não.
Com essa visão, me pergunto por que precisamos de advogados, que obrigatoriamente precisam de diplomas de faculdades de Direito, geralmente de baixíssima qualidade. Deveríamos também poder defender nossos direitos de cidadãos frente a qualquer arbitrariedade, seja da esfera pública ou da privada, com ou sem advogados, mas sim protegidos por uma vivência democrática, a Constituição Federal e um conjunto de leis conhecidas e respeitadas.
Assim fosse e esse imenso cartório, essa grande reserva de mercado seria menor e menos nociva. Nada contra os advogados, penso que isso vale para muitas outras profissões que poderão ser exercidas sem a obrigatoriedade do diploma universitário específico. Claro que a sofisticação e diversidade das atividades econômicas exigem formação especializada, inclusive bons advogados. Mas insisto: não é apenas a obrigatoriedade do diploma que a possibilita.
O ensino do jornalismo deve ter como referência uma profunda formação humanística e sobre os valores essenciais da profissão. O professor José Marques de Melo destacou certa vez que “é fundamental ouvir a sociedade, porque o jornalismo é o oxigênio da democracia”, afirmou. Eugênio Bucci também defendeu a necessidade de uma sólida formação humanística e em teorias da comunicação, disse ele que “não há jornalismo fora do âmbito das teorias da comunicação”.
As pessoas esquecem que os jornais vão e vêm. O jornalismo, não. As pessoas vão sempre precisar de notícia e informação. Sem informação não se administra um negócio, não se vende ingresso para o teatro, não se divulga uma política externa. Todos os dias, nos jornais das cidades grandes ou pequenas, repórteres vão à rua para fazer o que não é feito por mais ninguém. Com o advento e crescimento da internet os grandes produtores de conteúdo são agora as pessoas e não os editores tradicionais: as pessoas passaram de absorver conteúdos a produzi-los. Cerca de 80% dos conteúdos que existem atualmente na internet foram produzidas pelos próprios internautas, entretanto o conteúdo da internet não é jornalismo, por mais que possa em muitos momentos se constituir em informação cidadã.
Para qualificar, filtrar e organizar esse conteúdo é necessário o trabalho profissional, qualificado do jornalista preparado num curso universitário específico de jornalismo. A quantidade de informações disponíveis na internet é quase incomensurável, somente um profissional da informação, um jornalista qualificado pode organizar esse conteúdo para disponibilizar à sociedade.
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[Gerson Luiz Martins é jornalista, professor e pesquisador do PPGCOM-UFMS e membro da Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas]