Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Processos contra a imprensa

Até onde a mídia pode tratar um escândalo sexual sem ser acusada de sensacionalismo? Onde fica a linha vermelha que separa o jornalismo de investigação do excesso, do jornalismo estilo tabloide à l’anglaise?

O “affaire DSK”, como a imprensa batizou o escândalo sexual em que se envolveu o ex-ministro francês e ex-diretor do FMI em Nova York, em maio, foi um trauma para a França muito maior do que se pode imaginar no estrangeiro. Parte do mundo político francês tinha como favas contadas a eleição de Dominique Strauss-Kahn para a presidência da República, depois de esmagar seus adversários socialistas nas primárias do Partido Socialista.

Ora, havia uma camareira no caminho. E com a camareira, a imprensa descobriu um filão que tende a se esgotar, depois de ter feito as vendas de jornais e revistas estourarem por diversas semanas – um fenômeno só comparável aos grandes dramas nacionais, como catástrofes naturais, ou a morte trágica de uma celebridade com suítes sempre renovadas, como o caso Lady Di.

Depois do hotel Sofitel de Nova York veio o caso da jovem jornalista Tristane Banon, que acusava DSK de tentativa de estupro em 2003. O caso, apesar de antigo, foi levado à Justiça depois do affaire do Sofitel, mas os juízes franceses concluíram que não havia condição de provar um estupro. Ficou estabelecido que houve “agressão sexual”.

Advogados caros

Nova pedra no sapato de Dominique Strauss-Kahn surgiu logo depois, dessa vez envolvendo uma rede de prostituição de alto luxo. Novamente o nome de DSK foi para as primeiras páginas dos jornais e das revistas semanais. Jornais sérios, como Libération e Le Monde, investigaram sob todos os ângulos os affaires que se sucediam. Até os SMS que DSK trocava para marcar noites de libertinagem em grupo vazaram e foram publicados com exclusividade por Libération.

Semana passada, Le Monde mostrou como Nicolas Sarkozy já tinha conhecimento de outras histórias que envolviam DSK, como o controle de polícia no Bois de Boulogne, um lugar conhecido como ponto de prostituição. Segundo relatos policiais, o ex-ministro fora flagrado, no fim de 2006, em situação de cliente surpreso no ato, dentro do carro de uma prostituta. Ao recebê-lo no Eliseu, Sarkozy teria dito a DSK para tomar cuidado nos Estados Unidos pois os anglo-saxões são muito zelosos e puritanos.

Ao processar no fim de novembro um jornal (Le Figaro) e algumas revistas (L’Express, Le Nouvel Observateur, Paris Match e VSD) por capas e reportagens em torno do caso de proxenetismo que ficou conhecido como “affaire do Carlton de Lille” (nome do hotel que centralizava o negócio dos encontros tarifados), Dominique Strauss-Kahn e sua mulher Anne Sinclair quiseram dar um basta ao que consideram “uma inaceitável invasão da vida privada”.

Os advogados parisienses do casal – que não tem problemas para contratar os mais caros de Paris, já que Anne Sinclair é herdeira de Paul Rosenberg, marchand de Picasso, Matisse e Braque, que deixou uma fortuna incalculável – consideram que o que a imprensa vem fazendo é um tipo de “voyeurismo dos mais detestáveis”.

O advogado Henri Leclerc declarou em entrevista que certos artigos da imprensa, que atribuíam a fontes anônimas a pretensa decisão de Dominique Strauss-Kahn de se tratar por ter-se convencido que é dependente sexual, “fazem parte de uma campanha moralista que tem como consequência provocar a morte de um homem já vencido”.

Obcecado sexual

Henri Guaino, conselheiro de Nicolas Sarkozy, também entrou na lista negra e mereceu um processo dos advogados de DSK. Ele declarara numa entrevista que o caso de proxenetismo do Carlton – que envolve o nome de Strauss-Kahn como cliente de noites de libertinagem e sexo grupal com prostitutas (parties fines, em francês) – “não diz respeito à vida privada pois está na confluência do delito, já que na França proxenetismo é crime”. E, segundo os jornais, DSK era cliente e amigo dos responsáveis pela rede de prostituição que atuava em Lille e na Bélgica. Esses amigos, segundo os jornais, visitavam o presidente do FMI em Washington com escort girls.

Os processos podem até diminuir o enxame de páginas escritas sobre um personagem que não tem mais o que perder. O problema é que os advogados de Anne Sinclair e Dominique Strauss-Kahn não podem proibir que o melhor cartunista francês, o genial Plantu, que faz um desenho diário na primeira página de Le Monde, continue a utilizar o personagem de DSK criado depois dos escândalos, em robe de chambre, sentado, dando conselhos sobre economia. Nem podem impedir que os iconoclastas críticos da política e dos costumes franceses, que são os redatores dos guignols do Canal Plus, continuem a fazer rir com o personagem de obcecado sexual que criaram que tem a aparência, a voz e o nome de Dominique Strauss-Kahn.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]