“Um título destacado anunciava, na edição do PÚBLICO do passado dia 8: ‘Um quinto da população portuguesa não tem qualquer nível de ensino’. É um exemplo de informação de má qualidade. A ideia surpreendentemente negativa transmitida na frase escolhida para este título era repetida, sem mais explicações, no texto da notícia, que citava resultados provisórios do último recenseamento da população, apresentados na véspera pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
A leitora Marta Azevedo protestou, com razão: ‘Como intuiria qualquer pessoa minimamente informada e como se pode comprovar pelos números inscritos no gráfico [junto à notícia], esse ‘quinto da população’, ou seja, os 19% dos residentes que não concluíram pelo menos o 4º ano de escolaridade, inclui os bebés e as crianças que, em 21 de Março de 2011, momento censitário, tinham dois dias de vida ou três meses ou oito anos e que ainda não tinham vivido o suficiente para ‘ter qualquer nível de ensino’. Serão bem mais de um milhão de residentes. É por esta razão que estas contas costumam ser feitas para os maiores de 10 ou de 15 ou de 18 anos e não para o total da população’.
De facto, incluir bebés e as crianças mais pequenas na percentagem da população iletrada não é certamente o método mais adequado para avaliar os níveis de escolaridade num país. Fazê-lo, sem o explicar, e apresentar o resultado em título leva qualquer leitor menos atento a conclusões erradas, aliás contrastantes com as ‘boas notícias’ que o mesmo texto referia serem os dados estatísticos revelados pelo INEsobre o significativo crescimento, ao longo da última década, do número de portugueses com estudos de nível secundário e superior.
A autora da notícia, Catarina Gomes, sublinha que, ‘na apresentação sobre os dados provisórios dos Censos 2011 distribuída pelo INE’ no passado dia 7, se lê que ‘a população sem qualquer nível de ensino representa ainda 19%’, e acrescenta ter entendido o termo ‘ainda’ como sendo ‘obviamente um juízo de valor pela negativa’. Explica que se baseou nessa informação oficial, ‘tendo partido do pressuposto de que essa percentagem [arredondada no título para o tal ‘quinto da população’] respeitaria à população portuguesa com idade para poder ter completado pelo menos o ensino básico’. ‘O INE responde-me agora’ — esclarece a jornalista após ter sido confrontada com a crítica de Marta Azevedo — ‘que esse cruzamento com a idade apenas vai ser feito mais tarde, quando forem conhecidos os dados definitivos’. E reconhece que a leitora tem razão, já que, ‘independentemente deste facto, a inclusão de crianças abaixo da idade escolar na percentagem devia ter sido referida’ no texto.
Sendo certo que o universo a considerar para quantificar o nível de escolarização de uma população deve ser, logicamente, o dos que têm idade para estarem escolarizados, é estranho que o comunicado do INEtenha apresentado esse dado como o fez. Mas deve estranhar-se ainda mais que ninguém na redacção do jornal se tenha questionado sobre a verosimilhança de um número que, se por hipótese absurda fosse verdadeiro, representaria uma forte regressão da realidade escolar no país (e justificaria, nesse caso, ser destacado em título). E é igualmente estranho que, tendo os resultados do censo sido apresentados em conferência de imprensa, a ocasião não tenha sido aproveitada para esclarecer o equívoco.
A leitora que chamou a atenção para o erro considera que este teria sido ‘menos grave’ se tivesse sido escolhido para o título outro dos elementos estatísticos então divulgados, que apontam, em geral, para avanços significativos nos níveis de escolarização da população nacional. ‘Mas isso’, comenta, ‘seria contrariar a cultura nacional e uma certa cultura jornalística’ que preferiria sublinhar por norma os aspectos negativos.
A autora da peça, por seu lado, diz ter estado ‘indecisa’ entre destacar a informação sobre o número de pessoas que não completaram qualquer nível de ensino ou o facto de que ‘o número de licenciados quase duplicou numa década’. Até por concordar que ‘muitas vezes, se opta pelo negativo, confundindo-se este ângulo como sendo sinónimo de jornalismo vigilante’. Neste caso, porém, prevaleceu outro critério: ‘Depois de auscultar alguns colegas na redacção, assim como o editor, disseram-me que a realidade do aumento de licenciados era conhecida e que vinha sendo noticiada nos últimos anos. Optei por conjugar as duas ideias no lead, arrancando com o número de licenciados, e contrapondo o dos que não têm qualquer nível de ensino, um valor que me pareceu mais surpreendente’.
A natureza surpreendente de uma notícia é, sem dúvida, um critério editorial relevante e faz todo o sentido privilegiá-lo na escolha de um título. Mas o que jornalistas e editores confrontados com uma informação que lhes causa surpresa devem fazer em primeiro lugar é questioná-la, procurar compreendê-la e, se for o caso, confirmá-la. E, em segundo lugar, contextualizá-la e divulgá-la com rigor e clareza. Se esses cuidados tivessem sido observados neste caso, ter-se-ia certamente descoberto que o número de portugueses sem qualquer habilitação escolar (e que teriam idade para a poder ter) andará provavelmente pela metade do que foi noticiado — o que é substancialmente diferente da imagem que foi dada sobre o panorama da escolarização no país. Ter-se-ia evitado um título enganoso, que aliás não foi objecto de rectificação. Reconhecido o erro, é agora dever do PÚBLICO procurar obter e divulgar os números que permitam, com o grau de precisão possível, retratar a realidade.
Goa independente?
Trata-se de publicidade e não de uma peça noticiosa. Mas nem por isso deveria conter uma informação factualmente errada, especialmente quando se trata, como é o caso, de um anúncio a uma iniciativa do próprio jornal.
Os leitores interessados poderão adquirir amanhã, com o PÚBLICO, um livro cuja publicação tem vindo a ser promovida nas páginas do jornal como uma ‘comemoração das bodas de ouro da separação entre Goa e Portugal’, marcando os ‘50 anos de independência de Goa’. Contra estas frases protestou o leitor Joaquim Rebelo.
Na sua opinião, ‘parece manifestamente, inadequado falar-se em comemoração relativamente à acçãomanu militare levada a efeito pela União Indiana contra os territórios sob administração portuguesa, face ao respeito devido à memória dos mortos em combate, à perda sofrida pelos seus familiares, à angústia dos que padeceram o cativeiro, ao trauma vivido pela geração contemporânea aos acontecimentos, bem como, ainda, aos milhares de naturais que optaram por manter a nacionalidade portuguesa’. E critica também o recurso ao chavão das ‘bodas de ouro’ para assinalar a efeméride.
Pense-se o que se pensar sobre os acontecimentos de 1961— e entre os leitores do PÚBLICO haverá certamente diferenças a esse respeito —, o certo é que é errado evocar os ‘50 anos da independência de Goa’, expressão também contestada pelo leitor. Goa e os outros territórios do chamado Estado português da Índia que foram anexados há meio século pela União Indiana não se tornaram independentes. Passaram a fazer parte da soberania indiana, como o próprio governo português viria a reconhecer tardiamente, em 1974.
Consoante as perspectivas, poder-se-á referir que se tratou de uma ocupação ou de uma libertação. Chamar-lhe independência é um erro crasso. O anúncio, de página inteira, foi publicado várias vezes. Deveria ter sido corrigido.”