O imaginário popular tem a idéia fixa do jornalismo como o quarto poder. São muitas as pessoas que acreditam que o jornalismo deve mediar os espaços entre os campos instituídos na sociedade. Entretanto, quem pertence ao meio jornalístico sabe que a profissão não é tão simples assim. Talvez, somente os profissionais de notícias compreendam que há dois tipos de jornalistas – um que apenas reproduz os fatos e outro (um tanto marxista, ainda que não saiba disso) que se envolve com ele, que procura explicá-lo e esclarecê-lo ao leitor.
As notícias que preenchem espaço em um jornal diário são, em sua maioria, reproduções de fatos ocorridos. A aparente simplicidade aqui vista esconde dois fatos. Primeiro: a reprodução não é apenas reprodução. Trata-se da interpretação do fato por quem o observou. Segundo: não se deve esquecer de que há no fazer jornalístico uma perícia.
Busca da universalidade
Os jornalistas, ao relatar um fato, interpretam o que observam. É bem verdade que quando lemos uma notícia de um fato simples e puro temos a impressão de que estamos diante do lead e só dele. Na realidade, estamos diante da visão do profissional que escreveu a matéria. Isso é visível na escolha de palavras, na ordem das orações usadas pelo redator. Não temos uma explicação ou uma contextualização do fato. Isso não se pode negar. Contudo, é perfeitamente claro que nunca teremos um acontecimento narrado como ele realmente ocorreu; teremos sempre a segunda visão dele, a visão de quem o presenciou. Há, assim, um tanto de subjetividade na objetividade pregada pelo jornalismo.
Outra perspectiva que se deve ter em mente é que o jornalismo é um sistema perito. Não é qualquer um que tem competência para escrever uma matéria, de relatar um acontecimento. Somente os jornalistas conseguem compreender os critérios de noticiabilidade e, assim, desempenhar a função jornalística. Por mais simples e direto que um relato possa parecer, deve-se lembrar de que são profissionais de ‘carne e osso’, como diria Giddens, e competentes que o escrevem.
Existe outro tipo de jornalista que ultrapassa o ‘apenas relatar’ e que procura contextualizar os fatos. Esses profissionais da notícia entendem o jornalismo como um paradigma interpretativo. Baseados nos ideais de Marx, esses jornalistas acreditam que é preciso sair do esquema da pirâmide invertida. São profissionais que desejam abandonar a superficialidade e a particularidade da notícia e atingir a universalidade dela.
Máquina reprodutora
É fato que esses jornalistas marxistas não têm tanto espaço nos jornais diários. Os jornais não podem dispor de muito espaço para interpretações, pois devem guardá-lo para anúncios (e isso revela o caráter empresarial do jornalismo). Aliás, o jornalismo – em sua lógica capitalista de mercado – nem considera sua função contextualizar um acontecimento. Todavia, esses profissionais encontram lugar em revistas, já que elas têm linha editorial que permite apuração e interpretação do fato.
As revistas e suas grandes reportagens permitem aos jornalistas um maior envolvimento com um acontecimento. Dois fatores geram essa possibilidade: o maior espaço para a reportagem, que amplia o espaço limitadíssimo de um jornal impresso, e a maior disponibilidade de tempo de investigação, de apuração do ocorrido, de contato com os envolvidos, o que vai de encontro ao pouco tempo em uma redação de um jornal impresso.
Embora num campo de atuação limitado, os jornalistas interpretativos mostram que é possível abandonar a mesmice em que o jornalismo se tornou. É possível lutar contra os mitos da ação jornalística, sobretudo contra a objetividade. É possível e, mais ainda, necessário, inserir um pouco de subjetividade nessa máquina reprodutora na qual o jornalista se transforma a cada dia.
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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, 21 anos, Curitiba