Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Editoras travam “guerra do e-book” com bibliotecas

No ano passado, o Natal foi o maior dia isolado para as vendas de e-books (livros eletrônicos) da editora HarperCollins, e tudo indica que isso tenha se repetido agora, por causa da forte demanda por e-readers (leitores eletrônicos) como o Kindle e o Nook. A Amazon anunciou, no último dia 15, que tinha vendido 1 milhão de Kindles em cada uma das três semanas anteriores.

Mas é possível também que o número de visitantes nas seções de e-book de sites de bibliotecas públicas deva também estabelecer um recorde. E isso é uma fonte de grande preocupação para as editoras. Para elas, tomar emprestado um e-book de uma biblioteca ficou fácil demais.

Preocupadas com que as pessoas cliquem para emprestar um e-book de uma biblioteca em vez de comprá-lo, todas as grandes editoras dos Estados Unidos agora bloqueiam o acesso de bibliotecas à forma eletrônica, ou a todos os seus títulos ou aos publicados mais recentemente.

Emprestar um livro impresso de uma biblioteca impõe um inconveniente a seus clientes. “É preciso ir até a biblioteca para pegar um livro emprestado e para devolvê-lo”, diz Maja Thomas, vice-presidente sênior encarregada da divisão digital do Hachette Book Group.

E cópias impressas não duram para sempre; as que são mais procuradas, em geral, têm de ser trocadas. “Vender um exemplar que poderia ser emprestado infinitas vezes sem nenhum atrito não é um modelo de negócio sustentável para nós”, disse Thomas. A Hachette parou de fornecer seus e-books a bibliotecas em 2009.

Restrições

O e-lending (empréstimo eletrônico) não ocorre sem atritos. O software garante que somente um cliente possa ler um exemplar de e-book de cada vez, e as pessoas que encontram uma lista de espera por um certo título podem se decidir por comprá-lo.

Ao explicar a política da Simon & Schuster, que nunca tornou seus e-books acessíveis a bibliotecas, Elinor Hirschborn, vice-presidente executiva e diretora digital, diz: “Estamos preocupados em evitar que autores e editoras sejam prejudicados pelo e-lending.” Hirschborn diz que a razão para as editoras não se preocuparem com as perdas de vendas com os empréstimos de livros impressos por bibliotecas é que comprar um livro é mais fácil – não exige uma viagem de volta da livraria – e o comprador tem um objeto físico colecionável depois de o ler.

Para impedir que sua receita sofra um golpe de vendas perdidas para indivíduos, as editoras precisam de alguma forma dificultar a vida de quem quer emprestar livros digitais ou aumentar os preços cobrados das bibliotecas. Embora cobrar mais das bibliotecas pareça uma ideia perversa, é preciso considerar que a edição em brochura de um livro provê uma experiência custosa para seus compradores também em termos de tempo de espera. O atraso da disponibilidade da cópia em papel permite que a editora separe aqueles compradores de livros dispostos a pagar um prêmio para ler o livro mais cedo dos que estão dispostos a esperar para gastar menos.

Thomas, da Hachette, diz: “Conversamos com as bibliotecas sobre as várias saídas disponíveis”, como limitar o número de empréstimos permitidos ou excluir títulos recentemente publicados. Ela acrescenta que, por enquanto, não há nenhum acordo.

Limite

A HarperCollins é uma grande editora que deu o passo de mudar os acordos tradicionais com bibliotecas. Desde março, parou de vender e-books a bibliotecas para uso ilimitado, o que vinha fazendo desde 2001. Agora, começou a usar um licenciamento do uso de cada exemplar de e-book para um máximo de 26 empréstimos. Isso afeta apenas os títulos mais populares e não tem nenhum efeito prático nos outros. Após o limite ser atingido, a biblioteca pode recomprar direitos de acesso.

A medida foi promovida, segundo a empresa, por temores de que continuar a vender e-books nos termos ilimitados levaria a uma diminuição das vendas de livros e dos royalties pagos a autores. A HarperCollins teve mexeu com a ideia de que uma biblioteca pode fazer o que quiser com um livro. A ação da editora muito provavelmente beneficia a maioria das partes porque dá aos clientes da biblioteca acesso aos últimos títulos na forma e-book enquanto protege os interesses financeiros de editoras, autores e livrarias.

Robin Nesbitt, diretora de serviços técnicos da biblioteca metropolitana de Columbus, Ohio, diz que não faz objeção ao limite da HarperCollins. “Não me importo de comprar um título e depois ter de comprá-lo de novo – faço isso agora com os livros impressos”, diz. “Sei que muitas bibliotecas estão possessas por achar que 26 empréstimos é muito pouco – mas como saber se 26 é pouco sem testar?”

Nesbitt acrescenta, porém, que muitos clientes de bibliotecas não sabem que há editoras que simplesmente não vendem e-books para empréstimo. Ela diz que é difícil “explicar a nossos clientes por que não temos tudo”.

As editoras que estão restringindo esperam a consolidação de uma abordagem comum a todo o setor. Mas um acordo não parece iminente. David Young, presidente executivo da Hachette, afirma que as editoras não podem se reunir para discutir padrões por causa das preocupações antitrustes. “Isso acaba por dificultar a busca de um consenso”, ressalta.

Enquanto muitas grandes editoras entraram efetivamente em greve, mais de mil editoras menores, que não têm vendas de best-sellers que precisam de proteção, ficam felizes de vender e-books a bibliotecas.

Isso significa que a biblioteca pública tem muitos e-books disponíveis para os interessados – sem espera. Tornar esses livros menos conhecidos acessíveis a clientes renova a função primordial das bibliotecas: oferecer aos leitores um lugar para descobertas.

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[Randall Stross escreveu para The New York Times]