Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Conspiradores tramam o fim da liberdade na rede

Governos autoritários não suportam o cavalo doido da Internet porque a rede oferece amplos horizontes de liberdade. Assim, tratam de domá-la com todo tipo de restrições e controles judiciais nem sempre legítimos. Em defesa dos direitos dos internautas, a ONG Repórteres sem Fronteiras sustenta, desde o início do mês de novembro, campanha de denúncia e mobilização mundial contra os ataques à liberdade de expressão na Internet. ‘Se todas as burocracias e grupos de pressão do planeta conseguissem impor seus próprios valores e suas próprias regras ao conjunto da rede, a Internet deixaria de existir como um lugar de livre expressão’, justifica a RSF que, no caso, atua em parceria com Transfert, sociedade de informação.

E mais: ‘A Internet constitui um instrumento ideal para driblar a censura que a organização combate desde há 15 anos no mundo inteiro. Quando ‘se solta’ um texto na rede, é quase impossível poder capturá-lo: graças à solidariedade na rede, à militância libertária de certos internautas, o texto será recuperado, protegido e potenciado através de sítios, espelhos partidos em todos os continentes’.

Entretanto, em plena revolução da informação, quando uma mensagem proibida pode ser reproduzida instantaneamente, aumentam os perigos que ameaçam a liberdade da ciberdissidência. Exemplos extremos são fáceis de verificar na Coréia do Norte, onde não são permitidos servidores e conexões. É um deserto! Os sites existentes, que fazem propaganda do regime do camarada atômico Kim Jong-II, estão hospedados no Japão. Também a Arábia Saudita e a China tomam medidas cada vez mais violentas contra a rede. Em Cuba, onde 23 jornalistas estão encarcerados, os orejas ainda perseguem pessoas e palavras ‘subversivas’, mas a lista é bem maior: Egito, Irã, Uzbequistão, Síria, Tunísia, Turcomenistão, entre outros.

Do outro lado da linha

Em países como Alemanha, França e Estados Unidos (mesmo com a proteção da primeira emenda da Constituição) a conspiração contra a ciberliberdade corre solta. ‘Nas democracias ocidentais, o temor a uma Internet incontrolável, administrada em parte por entidades supranacionais, se traduz em repetidas tentativas de instauração de um marco legislativo’, afirma RSF.

Diante da ausência de claras normas jurídicas (como ocorre no Brasil), o combate à pornografia pode se transformar na justificativa que faltava para o encaminhamento de medidas restritivas. O perigo, cada vez mais presente, é que juízes possam, por sua iniciativa, instaurar jurisprudência que vire arma de ataque à liberdade de expressão e informação.

Em um mundo onde 105 jornalistas foram mortos nos últimos 11 meses, de acordo com a World Association of Newspapers, sendo que 71 deles na segunda etapa de 2006, não é de estranhar que a internet seja vista como alvo a enquadrar e destruir. Os dados das mortes no Iraque são assustadores: desde junho, 23 perderam a vida na cobertura jornalística de mais uma guerra sem final próximo, mas que tem contribuído para manter a economia americana em rumo relativamente seguro, embora com solavancos e percalços.

No quadro pessimista, chama a atenção a denúncia do prolongamento da detenção de Fredy Muñoz Altamiranda [ver ‘Outros pesos, outras medidas‘], correspondente colombiano do canal internacional Telesur, a tevê do coronel-presidente Hugo Chávez. O jornalista foi detido em Bogotá, em 19 de novembro, acusado de ‘rebelião’ e ‘terrorismo’ por manter relações políticas, desde 2002, com as Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC), hoje a mais ‘tradicional’ organização guerrilheira daquele país. Álvaro Uribe e suas autoridades judiciais deviam ‘tomar juízo’, como dizia minha querida avó em seu sotaque austríaco, e prestar atenção em problemas mais relevantes do que os presumíveis ‘malos amigos’ de Fredy Muñoz Altamiranda. E, quanto a punir Chávez, basta trocar o canal, porque ao nosso Chapolin Colorado só interessa mesmo é a audiência.

O episódio me fez recordar de nossa ditadura, quando usei de artimanha e tom de voz autoritário para obter algumas informações tidas como ‘confidenciais’ junto a um policial do falecido Deops, em Porto Alegre. Ao dar-se conta do engano que cometera ao telefone, dando com a língua nos dentes, o funcionário da ‘repartição’ encarregada da repressão política, à época, resolveu deter-me e processar-me por espionagem! Bons tempos…

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Jornalista, editor do Via Política (Porto Alegre, RS)