O Senado argentino aprovou, na noite de ontem [quinta-feira, 22/12], por 41 votos a favor e 26 contra e 1 abstenção, o projeto de lei que declara de “interesse público” o papel-jornal, abrindo caminho para a expropriação da única fábrica deste insumo instalada na Argentina, a Papel Prensa. A lei representa um duro golpe contra os jornais Clarín e La Nación que possuem participação acionária de 49% e 22,49%, respectivamente. O Estado tem 27,6%, mas com a polêmica lei poderia chegar a ser sócio majoritário.
Na semana passada, a medida já tinha sido aprovada na Câmara Baixa com 134 votos a favor, 93 contra e 12 abstenções. A iniciativa da presidente Cristina Kirchner declara de interesse público o papel-jornal com o argumento de que é necessário regular sua atividade para que deixe de ser manipulado pelos princípios do mercado. Entre outras disposições, a nova lei estabelece a criação de uma comissão bicameral no Congresso para verificar seu cumprimento e fixa um preço igualitário para todos os meios.
A produção da empresa Papel Prensa é de 170 mil toneladas anuais e abastece cerca de 130 gráficas, mas como a demanda total é de 230 mil toneladas alguns meios têm de importar o insumo. Uma das normas mais questionadas da controvertida lei estabelece que a Papel Prensa deve funcionar de forma integral para abastecer o mercado e, se não o fizer, o Estado pode aumentar sua participação acionária na empresa e reduzir a de outros sócios.
Embargo
Paralelamente aos debates no Senado, um juiz embargou ontem os bens do La Nación, estimados em 160 bilhões de pesos (US$ 37 bilhões). O embargo foi feito a pedido da Administração Federal de Renda Pública, equivalente à Receita Federal. O organismo ignorou sentença da Corte Suprema de Justiça, que autoriza o La Nación e outros jornais ao benefício de um regime tributário especial criado durante a crise econômica de 2001.
O vice-presidente da República, Amado Boudou, afirmou ontem que a lei que torna o papel-jornal de interesse público vai “melhorar a qualidade da informação e a pluralidade de opiniões na Argentina”. Ele fez duras críticas ao Clarín e ao La Nación. Segundo Boudou, os dois jornais “estão fazendo um ataque feroz, por meio de suas linhas editoriais, contra a liberdade de acesso ao papel que todos os meios de comunicação necessitam e, definitivamente, contra a democracia”.
O Clarín tinha publicado ontem [22/12] um anúncio pago no qual destacava que “diante do avanço do projeto para controlar a produção e importação do papel-jornal, as principais organizações jornalísticas da Argentina e América Latina expressaram sua categórica rejeição”. A Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) assegurou, por meio do presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, Gustavo Mohme, que a lei “é uma manobra do governo para controlar a mídia”.
Ainda ontem [quinta, 22/12], o chefe da Unidade de Investigações Financeiras, o organismo criado para combater a lavagem de dinheiro, José Sbattella, advertiu que os meios de comunicação poderão ser enquadrados na nova lei antiterrorista, aprovada na madrugada de ontem pelo Senado. A lei duplica as penas para crimes de terrorismo e fortalece a fiscalização contra lavagem de dinheiro.
Ao explicar quais delitos econômicos poderiam ser enquadrados sob a figura de terrorismo, disse que seriam, por exemplo, as especulações econômicas ou cambiárias que afetem a governabilidade. Ele disse que a lei inclui delitos econômicos e os meios de comunicação, a fim de “prevenir a possibilidade de que um grupo de pessoas com um grande poder econômico possa organizar uma política que esvazie as reservas ou aterrorize a população de tal maneira que a induza a sacar os depósitos dos bancos, que é o que tem acontecido historicamente nos golpes de mercados”. /
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[Marina Guimarães é da Agência Estado, em Buenos Aires]