“Os juízes brasileiros, em todas as instâncias e em todos os ramos, devem atentar para uma realidade que lhes tem escapado: o Poder Judiciário na era da comunicação geral e instantânea não é o mesmo dos tempos de Pedro Lessa ou mesmo de Orozimbo Nonato, mas passa pela avaliação nova (posto que não a havia) da grande massa da população brasileira, na qual está sua clientela” (O Judiciário e a Constituição, obra coordenada pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 1994, para a Saraiva, na qual escrevi o capítulo “Afastamento entre o Judiciário e o Povo: uma reavaliação”, de que extraí o trecho acima). Concentrei a avaliação nos efeitos, já evidentes ao tempo, do noticiário no rádio e na televisão e nos comentários e notícias diárias.
Desencontros de opinião resultantes de feitos submetidos ao Supremo Tribunal Federal agitaram a mídia no curso da semana. Mostram que subsiste a situação, apontada há 18 anos, agora que se discute a conduta disciplinadora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Neste, embora sua chefia caiba ao presidente do STF (Cezar Peluso), o principal impulso dos trabalhos ali desenvolvidos é a ministra Eliana Calmon, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), na qualidade de corregedora-geral (parágrafo 5º do art. 103-B da Carta). Eliana Calmon já apontara dificuldades encontradas em processos administrativos contra magistrados dos Estados, em face da lentidão apuradora, proverbial nos tribunais locais. Foi candente sua invocação da eterna perseguição do Zorro pelo sargento Garcia.
A lentidão dos processos contra gente importante justifica as desconfianças. No caso do mensalão, submetido à relatoria do ministro Joaquim Barbosa, as denúncias contra elevado número de acusados detonaram opiniões de que facilitariam a prescrição criminal. Quando o presidente Peluso tornou pública sua preocupação com a demora do julgamento, no processo, o relator replicou referindo casos muito mais simples, em mãos de outros ministros do STF, que não chegaram ao fim sem chamarem a atenção de Peluso.
Não basta ser honesto
Antes, o ministro Marco Aurélio concedera liminar, a poucas horas das férias, proibindo o CNJ de abrir novos processos contra membros de tribunais inferiores, nos Estados e nas Regiões, antes que os próprios tribunais envolvidos averiguassem as eventuais responsabilidades. A referência ao sargento Garcia e ao Zorro voltou à tona.
Último lance, relativo à essa indenização paga aos desembargadores, referiu-se ao ministro Ricardo Lewandowsky, ao conceder liminar para sustar o processo sobre os pagamentos de atrasados na corte paulista, da qual é oriundo, em que é pessoalmente interessado. Lewandowsky esclareceu que concedeu a liminar, dado o caráter apenas temporário desta, sem que daí lhe resultasse vantagem pessoal.
Voltando ao início: não basta, para o ocupante de uma das cadeiras do STF, que seja honesto. Para o povo, titular de todo direito, até o mais leve deslize pode chamar a atenção dos meios de comunicação. Isso se estende, por exemplo, ao desrespeito da razoável duração do processo, direito essencial do cidadão, no art. 5º, inciso LXXIII da Carta Magna. Até sob esse aspecto a eclosão destes casos sucessivos é ruim para o país. Muito ruim.
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[Walter Ceneviva é advogado e colunista da Folha de S.Paulo]