À guisa de presente de Natal, vale compartilhar com os colegas de profissão uma pequena preciosidade pouco conhecida (O grande guia dos jornalistas, de apenas 167 páginas) deixada pelo camarada Kim Jong-il. A pequena obra, cujas edições em inglês e francês foram publicadas em 1983 pela Editora de Línguas Estrangeiras de Pyongyang, abre uma janela pouco conhecida sobre o papel de diretor de redação exercido paralelamente pelo Querido Líder.
O livreto em nada alivia os prantos catárticos de uma nação órfã de seu líder e tampouco contribui para a formulação de uma análise sobre o futuro da Coreia do Norte, agora sob nova administração. Trata-se, apenas, de uma recomendação de “leitura de verão”, para ser saboreada entre dois mergulhos no mar.
Mas, mesmo sendo uma clássica peça de propaganda de um regime ranqueado em último lugar no índex de liberdade de imprensa elaborado pela entidade Repórteres Sem Fronteiras, o Grande guia dos jornalistas, elaborado pelo Querido Líder e também “Querido Diretor (de Redação)”, traz alguns ensinamentos bastante sensatos. Basta esquecer o viés.
Aqui vai uma pequena seleta.
Seja breve –“Os textos no jornal do Partido eram demasiadamente longos e de conteúdo fraco, mas graças à orientação do Querido Líder eles entraram nos eixos e agora são mais enxutos e contêm material mais rico.” O exemplo citado é que são elas. Certa vez, em 1981, Kim Jong-il encomendou uma matéria que descrevesse o empenho pessoal de seu pai, o Grande Líder Kim Il-sung, em trazer de volta à linha justa do regime um camarada ideologicamente à deriva. “Entusiasmados”, conta o livro, “os jornalistas se lançaram na apuração e intitularam o artigo ‘Graças à Generosidade do Sol’”. Para o “Querido Diretor”, contudo, era pouco. Ordenou que duas equipes levantassem todos os aspectos humanos desse extraordinário contato homem a homem e alterou o título para “Um afeto extraordinário tornou brilhante a vida de um intelectual da velha guarda”.
O dever do locutor –“Um locutor de rádio não deve pensar que seu ofício consiste em apenas ler os textos escritos por outros. Cada frase que ele pronuncia ao microfone deve poder tocar os corações das massas populares. Uma dicção sem força e ardor será ineficaz.” Kim Jong-il decretou que locutores não deveriam permanecer encastelados nos estúdios e fossem conhecer de perto “os apaixonantes canteiros de obras da construção do socialismo”.
Na televisão – “Repórteres e apresentadores devem usar roupa social coreana durante o noticiário, mas não entendo por que não usam algo mais simples quando lidam com o povo e quiserem encorajá-lo a aumentar a produção. Ao contrário do cinema, a tela de TV é pequena, portanto feche o foco no seu objeto. Isso vale, sobretudo, quando queremos mostrar pessoas – só assim alguém se interessará por assistir ao que é mostrado na TV.”
Leitura é tudo – “O jornalista deve ler mais livros do que qualquer outra pessoa e dedicar-se aos estudos de forma continuada.” O New York Times poderia assinar embaixo, não fosse o propósito final o aprofundamento nas obras conceituais do regime de forma a propagá-las de forma correta e sem desvios.
Fotojornalismo – “A preocupação primeira do fotógrafo ao posicionar sua câmera deve ser a de captar a melhor imagem possível do líder.”
Jornalismo impresso – “Um artigo não deve ser monótono nem duro, mas intercalado por fatos concretos que despertem o interesse do leitor.” Com um senão, apontado pela repórter Liz Cox Barrett, que examinou a versão em inglês para a Columbia Journalism Review: “É correto você levantar todos os detalhes quando coletar material para uma matéria. Mas você não deve afastar-se do Grande Líder quando você estiver cobrindo qualquer evento no qual ele esteja presente. Só assim você conseguirá cobrir de forma ousada a sua capacidade de liderança.”
Livros – No ano de 1974, Kim Jong-il antecipou-se a um desejo de seu pai e decidiu publicar três livros de luxo, fartamente ilustrados, sobre a Coreia do Norte. “O primeiro será dedicado às tradições revolucionárias, o segundo à edificação do socialismo e o terceiro à cultura, artes e paisagens da nação”, anunciou. Os funcionários do setor, convocados à reunião, mostraram-se entusiasmados com projeto tão inovador. “Sorrindo diante da empolgação de seus interlocutores, o camarada Kim Jong-il perguntou quanto tempo levariam para concluir o trabalho”, relata o Grande guia do jornalista à página 26. “Dando prova de coragem, eles se comprometeram a realizar a tarefa em três ou quatro anos. O camarada Kim Jong-il… após um momento de reflexão, contrapropôs que a coisa fosse feita em doze meses. Por sua intrepidez e dinamismo revolucionário, ele era o único a poder tomar essa decisão.”
Essa relíquia de um regime comunista-dinástico-claustrofóbico, porém nada bobo, pode ser comprada na internet por US$ 24,50.
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[Dorrit Harazim é jornalista]