Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O povo não é bobo

“Sim, eu sei o que fazem os editores, eles separam o joio do trigo e publicam o joio.”

A frase clássica de Adlai Stevenson, político americano do pós-guerra, revela muitos aspectos do jornalismo. É verdade, por exemplo, que jornalistas passam o tempo todo separando o que é notícia do que não é. A quantidade de informações que chegam que ao conhecimento de uma redação é muitas vezes maior que o espaço disponível nos jornais, TVs, rádios e mesmo na internet. São duas escolhas, portanto. A primeira, sobre o que se vai apurar. A segunda, depois da apuração, se vale a pena veicular. Muito trabalho e muito dinheiro empregados na busca de uma informação acabam na lata de lixo.

Segundo Stevenson, é lá, na lata, que estão as verdadeiras notícias. Mas verdadeiras para quem? Políticos e membros do governo não fazem parte do público, digamos, normal. Leitores, ouvintes e espectadores não constituem fonte de notícias. Eles sabem do que se passa pela imprensa. Já políticos e membros do governo sabem do que está acontecendo em suas áreas e entregam informações aos jornalistas. Claro que, por isso, têm uma expectativa em relação ao que será veiculado. Não é a mesma expectativa de repórteres e editores.

“Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto é propaganda” – já se dizia na redação do Times, de Londres, 200 anos atrás. Se aplicado de maneira universal, o lema é exagerado. Há notícias que todo mundo quer ver publicadas, como a descoberta de um novo medicamento. No mundo da política e do governo, porém, o princípio do Times funciona muito bem. De certo modo, é o oposto da frase de Stevenson. Uma declaração do governante, nesta acepção, é o joio. O trigo é quando o repórter descobre aquilo que a autoridade classifica como mentira.

Denúncias não afetam o governo

Aqui no Brasil, chamamos de chapa-branca essa imprensa que publica o joio, a versão oficial, a declaração do porta-voz ou a versão da força política dominante – e dá o serviço por encerrado. Mas há aí um problema para a imprensa independente. A versão oficial é parte da história. Não sempre, mas muitas vezes. É preciso contar o que o governo e a oposição pensam disto e daquilo. É correto divulgar o anúncio de planos da administração.

E isso nos leva ao outro lado do jornalismo – a relação direta com o público que não é fonte de informações. O homem público sabe o que gostaria de ver publicado. O jornalista sabe o que ele, político, não quer ver na imprensa. E o público, o que gostaria de saber? Uma declaração do presidente da República é sempre uma notícia? Jornalistas sugeriram uma regra bem interessante para testar a força e o interesse geral de uma declaração. Inverta a frase se ela ficar melhor, como notícia, esqueça a original.

Por exemplo: “Presidente declara que não vai tolerar malfeitos em seu governo”. Ou, pelo outro lado: “Líder da oposição denuncia governo”. É claro que o contrário é mais notícia, logo… Muito simples? Mas funciona. Claro, não se pode esperar que o governante dê uma declaração defendendo os seus corruptos. É preciso considerar o contexto. Ainda recentemente, por exemplo, a presidente Dilma mandou dizer que as denúncias envolvendo o ministro Pimentel não afetam o governo e, assim, não dão motivos para demissão, pois os atos apontados como irregulares aconteceram antes da formação do governo.

Por que a televisão do governo não dá audiência?

Isso teve ampla veiculação, mas de modos diferentes. Veículos do governo e chapa-branca publicaram como resposta a denúncias. Já a imprensa independente elaborou: o que quer dizer isso? Que o malfeito desaparece quando o político se torna ministro? Que só não pode roubar quando já está no governo?

Também foi forte a repercussão de outra declaração da presidente quando afirmou que seu governo é intolerante com a corrupção e com o loteamento de cargos. De novo, a imprensa independente especulou: depois de tantos ministros caídos? E num ambiente em que os partidos da base disputam cargos abertamente e se metem em fogo amigo, como essa brigalhada entre PT e PMDB na Caixa?

Eis uma boa combinação: notícias que muita gente não queria ver publicadas, mas a regra da inversão aplicada implicitamente. Na verdade, essa regra é bastante ampla. Quando um juiz declara que a categoria tem férias de mais, isso é mais notícia do que o contrário. Quando um jornalista ligado ao PT publica um livro denunciando ações dos tucanos… é só fazer as inversões para se ficar no alcance limitado da coisa.

O público, mesmo sem elaborar, sabe aplicar identificar as notícias. Por que a televisão do governo não dá audiência? Por que a imprensa chapa-branca só interessa à sua turma? O público sabe que dali só o vem joio, propaganda e notícia invertida para o lado errado. O que mostra, aliás, o tamanho do desperdício de dinheiro do contribuinte com essas imprensas.

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[Carlos Alberto Sardenberg é jornalista]