A impressão que ficou ao assistir ao especial Eye on Brazil na CNN International, série de programas e reportagens gravadas no país e exibida durante toda a semana passada na planetária rede americana de TV por assinatura, oscilou entre uma desconfortável decepção e um certo constrangimento.
Apesar da competência técnica das imagens e da qualidade de algumas matérias, como a referente à alternativa energética do biodiesel, foco de recente interesse mundial, a maioria das reportagens, no entanto, inspiradas na estética do premiado filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, revelou-se superficial em seu conteúdo, acentuando sobretudo nossas mazelas e profundas diferenças sociais, como se fossem só uma realidade local, de responsabilidade regional, sem levar em conta as raízes de nossas seculares equações originárias também da geopolítica de poder concentrado e absoluto a longamente favorecer interesses internacionais que sempre relegaram nosso continente a uma condição de dependência e subordinação.
Sabemos que nossos problemas maiores advêm, entre tantos outros, das extraordinárias dívidas, tanto monetárias como humanas, que se acumularam ao longo de muitos anos, além das políticas econômicas protecionistas dos chamados países ricos que têm nos impedido de realizar um comércio mais justo, competitivo, em condições mais equilibradas, enquanto nossas riquezas naturais, nossa biodiversidade, o nosso solo e subsolo vêm sendo historicamente explorados sem a contrapartida, sem o reconhecimento de patentes, por exemplo, ou sem que nunca tenha existido uma política séria de investimentos internacionais que ajudasse a alavancar o desenvolvimento e crescimento socioeconômicos em nosso país.
O Brasil reconhecidamente é uma das maiores potências ecológicas do mundo, e tem um papel cada vez mais influente a desempenhar num mundo globalizado e corporativo que, de forma progressiva e inconseqüente, tem se utilizado perigosa e malversadamente dos recursos naturais renováveis e não-renováveis ainda disponíveis no planeta, representando uma séria ameaça para os destinos de nossa biosfera. Mas, ao contrario, somos percebidos e durante muitos anos atuamos fundamentalmente como quintal, celeiro e provedor, agindo de forma subjugada, ao sabor dos mercados financeiros internacionais, especulativos ou não. Essas são as questões de fundo, questões da soberania nacional.
Mas a decepção maior ocorreu no único painel de debate de quase uma hora, reprisado várias vezes ao longo da semana e mediado por Jim Clancy, no qual o Brasil foi inconsistente e superficialmente discutido e debatido por Ildo Sauer, vice-presidente da Petrobras, Ivone Bezerra de Mello, criadora de uma associação que se dedica a menores carentes no Rio de Janeiro, além da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy e do ministro e cantor Gilberto Gil.
Aquele abraço
Independente do fato de o painel ter sido constituído por respeitáveis e ilibados cidadãos brasileiros de louvável currículo, ao optarem por se expressar num inglês pobre de gramática e conteúdo, acredito que se perdeu aí uma oportunidade valiosa de oferecer ao espectador, nessa arena midiática de visibilidade global, um debate rico e articulado que poderia ter sido produzido com mais inteligência e profundidade, com mais conhecimento de causa na abordagem da realidade do nosso país. Pergunto: por que não se buscou na sociedade civil brasileira as melhores cabeças pensantes tanto na área cultural e empresarial como científica, pessoas que sem dúvida melhor contribuição teriam dado a esse importante painel? E por que não se falou português, como o fez Oscar Niemeyer, o único participante que inteligentemente escapou de um comportamento colonizado, preferindo expressar-se em nossa bela e rica língua pátria?
Perdemos assim outra oportunidade rara de divulgar, de difundir a língua de Camões, Guimarães Rosa, Drummond, Chico Buarque, Gilberto Gil. Teria sido mais bonito, nobre e soberano se tivessem usado tradutores e legendas. Tenho certeza que as exposições teriam sido mais claras, menos confusas. O português também foi mal utilizado numa participação especial de um desconhecido músico que, permeando o programa a título de trilha ilustrativa, tocou desconhecidos sambas de elevador. Numa das canções ele cantou para o mundo que precisava tomar ‘mais uma’, que só queria ‘tomar mais uma’.
Em compensação, para fechar com chave de ouro o programa, com a simultânea exibição na tela de legendas relativas a números de sua carreira musical, nosso ministro da Cultura nos presenteou com uma interpretação ao violão de sua cultuada composição Aquele abraço, que acabou se constituindo de fato na mensagem ‘bottom line’ do Eye on Brasil para o mundo: ‘Do Brasil pobre, violento, injusto e dependente, aquele abraço!’
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Músico