Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma campanha em favor dos “hipossexuais”

Por problemas de burocracia, minha mãe, que persiste em residir no Brasil, não pode viajar para as festas de fim de ano ao país no qual resido e trabalho. Para que além do largo ano separado essa métrica não muito salutar para ambos, discorri o resto de meu já falido crédito restante em meu cartão e em uma promoção milagrosa pude viajar até aqui neste momento torpe de minha vida.

Obviamente, como tenho um certo oitavo sentido, sabia que essa viajem não seria por acaso. Já que a TV digital de fato não chega, ainda não podemos usar dos privilégios de ver a programação midiática de forma não linear… Nos resta a internet.

Vagando na insônia de meu espírito incessante… enquanto vejo o anúncio de “Marley e eu” como filme inédito na TV Paulista, digo, atual Rede Globo. Outro produto da mesmo via YouTube me chamou a atenção. Um filme de 36 segundos estrelado pelos atores Marcos Damigo e Rodrigo Andrade, que interpretaram o casal Eduardo e Hugo de uma novelinha das 8, que repetiu a façanha de polemizar com a “hipossexualidade” e novamente não ter uma demonstração real e verossímil de carinho entre os mesmos. “O fim da intolerância começa em casa”, diz o texto final do vídeo.

Bem vamos usar o termo “hipossexualidade” neste artigo para que não me acusem de apologia às drogas o a alguma outra coisa. E não, não sou um ser irônico, oh pá. Agora fui. Mais além de qualquer coisa, a ironia vem em que este vídeo não é meramente um vídeo institucional da Rede Bobo de televisão. A campanha, que é uma iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Unesco e da Rede Globo, será veiculada por 15 dias.

Tripé interessante

Usemos de tríades, para mantermos uma métrica interessante. E claro devido ao meu nível de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), que se agrava quando volto ao Brasil.

Primeiros três pontos. Estes quanto ao problema de execução do vídeo:

1. Necessitavam-se atores que interpretassem “hipossexuais” para um vídeo institucional para promover o disque-denúncia – nem sei como se chama e não vou pesquisar pela raiva que sinto no momento, não foram felizes na escolha. Sei que a ideia é: disque 100 e assim denuncie casos de preconceito e assédio. As personagens executadas por estes profissionais, e como me custa chamá-los assim, não existem além dos muros do Projac. O casal “hipossexual” da história da TV brasileira será eternamente o protagonizado Luciana Vendramini e Giselle Tigre, na novela Amor e Revolução, do SBT. Com direito ao primeiro beijo na história da TV do país entre pessoas do mesmo sexo. Vale destacar também a bela performance das duas atrizes envolvidas no primeiro beijo entre duas pessoas do mesmo sexo na TV brasileira.

2. Se é uma campanha contra a homofobia, por que usar atores que estamparam esteriótipos de homossexuais e que ademais pertencem a uma emissora historicamente homófoba e conservadora?

3. O texto dito, se fosse por atores que não fossem estereotipados com suas personagens gays, poderia servir até para falar do preconceito contra macacos, javalis ou hipopótamos.

Podemos mudar o vértice da coisa e jogar-nos a um outro tripé interessante:

1. Se a TV foi inaugurada nos anos 50, o videozinho podia ter ao menos 50 segundos, e não 36.

2. Ao invés de 15 dias, poderiam ser 50.

3. Poderíamos usar “hipossexuais” de verdade? Digo, artistas “hipossexuais”. Seria mais conscientizador.

Enquanto isso…

Para não alargar-me muito no tema, vão dizer muitos: “Já está batido”. Faço uma última tríade, essa sugerindo algumas frases possíveis para uma nova campanha institucional:

1. Não importa com quem eu me deite na vida real, na sua TV sempre estarei beijando a mulher que o seu marido sonha e nunca vai ter.

2. Olá, querido telespectador. Em casa você deve ter um armário… Mas agora eu estou saindo do meu.

3. Sabe quantos “hipossexuais” apenas neste ano mataram um heterossexual, pelo simples fato de ele ser um heterossexual? Nenhum… Pense nisso.

E as 3 terminariam com a seguinte frase:

“Quando você vê alguém sofrendo preconceito, ou quando isso acontecer com você, denuncie. Disque 100, acabe com o preconceito e com as mortes que ele causa.”

Bem, enquanto isso, na sala de justiça…

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[Fernando Schweitzer é ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista]