Véspera do Natal, ambiente distendido e, não obstante, este inveterado leitor de jornais indignou-se a tal ponto com as edições dos jornalões paulistanos que sentiu vontade de registrar uma queixa junto ao Procon: o Estado de S.Paulo suprimiu o caderno “Sabático” sem sequer pedir desculpas aos leitores e a Folha de S.Paulo, ao anunciar que também suprimira a “Folhinha”, dava a entender que no dia seguinte, domingo, eliminaria igualmente sua pièce de resistence, a “Ilustríssima”. O carioca O Globo ofereceu todas as atrações habituais.
Não é a primeira vez que o leitor paulista-paulistano é enganado por jornais que cobram o mesmo preço por um produto menor e muito piorado em dias em que maior é a sua obrigação de oferecer conteúdo qualificado.
Não será o Procon que obrigará uma indústria arrogante como a dos jornais brasileiros a respeitar o consumidor, o castigo será mais drástico quando for aplicado por uma deusa implacável, infalível, intransigente chamada Competição. Adormecida pelo embalo corporativista, um dia despertará furiosa, cheio de brios.
Ofício e arte
Vinte e quatro horas depois – confirmado o prognóstico da supressão da “Ilustríssima” pelo departamento comercial da Folha – eis que a Folha leva uma tremenda goleada, padrão Barça, driblada pelo primoroso caderno dominical do concorrente Estadão, “Aliás, Travessia 2011/2012” (domingo, 25/12).
Ao invés das rotineiras e mirradas oito páginas, doze robustas e elegantes exibições de bom gosto e sólida informação em textos que vão muito além dos convencionais retrospectos da temporada natalina. Todos instigantes, alguns mais do que isso: surpreendentes.
A corajosa avaliação do Nobel de Economia Joseph Stiglitz contraria frontalmente o otimismo obrigatório da cobertura econômica; a análise do historiador Carlos Guilherme Mota coloca no devido lugar o besteirol mitológico em torno da classe C; a filósofa Olgária Matos desmistifica rebeliões do efêmero que tomam conta das ruas; o historiador Kenneth Serbin desnuda o reacionarismo medieval de Bento 16; Sergio Augusto chuta em cima do complexo de dálmata que substitui nos gramados o velho complexo de vira-lata; Andrew Jennings aciona sua metralhadora contra a máfia da Fifa; Hans Gumbrecht alerta para o perigo de ignorar o day after da revolução tecnológica; e Lúcia Guimarães aponta para o fim da privacidade e o esfacelamento do Estado de Direito. Não menos marcantes são as contribuições de Jotabê Medeiros, Débora Diniz, Zarella Neto e José de Souza Martins.
A imprensa no que ela tem de mais edificante e progressista. Jornalismo de altíssimo nível no dia em que pode ser devidamente apreciado e aproveitado. Por apenas 5 reais um suculento e sofisticado banquete de ideias para o leitor que precisa delas para enfrentar o lugar-comum e a mundanidade.
A editora Laura Greenhalgh e sua equipe (Mônica Manir, Christian Carvalho Cruz, Ivan Marsíglia e Fábio Sales) não apenas cumpriram seu dever profissional: acrescentaram a ele a convicção – hoje tão raramente assumida – de que o jornalismo, além de ofício, é arte.
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Na edição da véspera, o Estadão deveria ter advertido o leitor de que não teria a sua habitual atração cultural. O mais correto, porém, seria antecipar para o “Sabático” o esplêndido material preparado para o “Aliás”. Esta é a estratégia adotada pela Economist, que antecipa para o fim de semana anterior ao Natal a edição dupla de fim de ano: a empresa economiza uma edição, a equipe ganha uma semana de recesso e o leitor não se sente lesado; ao contrário, desfruta ao longo de quinze dias de um rico conteúdo preparado com semanas de antecipação, o que seria impossível no corre-corre das 52 edições do ano.