Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um soco no estômago

No meu tempo de estudante e de ‘foca’ nos principais jornais do Rio, aprendi com os meus mestres que para garantir que minha matéria ou meu artigo fossem lidos o título teria que ser um soco no estômago do prezado leitor.

Todas as vezes em que vou titular algum texto me vem esta frase à cabeça, e eu sempre me esmero em produzir títulos fortes, contundentes, mas sempre fiéis ao texto que os originou.
Eis que, após 19 anos de estrada, me surpreendo com um título que desmente o texto. Foi o que ocorreu com o artigo assinado pelo vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, e pelo subsecretário de Desenvolvimento Urbano, Sérgio Magalhães, publicado no dia 13 de abril deste ano no jornal O Globo, abordando um tema em voga no momento, que é a violência nas favelas do Rio de Janeiro. Ao trocar o título
original, ‘Favela, limites e violência’, por ‘A saída é cercar a favela’, o jornal mudou a idéia geral do texto, que em nenhum momento defendeu cerco ou isolamento de favela, até porque é assinado por dois arquitetos e urbanistas criadores do projeto Favela-Bairro, adotado como modelo de recuperação de comunidades carentes pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) [ver abaixo o artigo com o título original].

Causou estranheza tal postura do jornal, que nos garantiu, após vários telefonemas, que o artigo seria publicado na íntegra. Artigo que nasceu com o objetivo de esclarecer a proposta de delimitação das comunidades carentes mas que, por causa do título modificado, confundiu e transformou o debate numa bola de neve de repetições de clichês e oportunismo político.

Tudo começou com a matéria do dia 12 do jornal O Globo, que veio acompanhada de uma retranca ‘Barreira no mundo’, induzindo um paralelo com os muros de Berlim, Varsóvia e, por último, o levantado recentemente em Israel, na tentativa de separar os israelenses dos palestinos. Na tentativa de esclarecer sua proposta, além de redigir um artigo em parceria com Sergio Magalhães, Conde concedeu entrevista coletiva na qual reconhecia ter
errado ao usar a palavra muro como forma de separar os trechos remanescentes de Mata Atlântica da Rocinha e outras comunidades carentes da cidade, mas que continuava defendendo a delimitação geográfica das favelas, como forma de inibir-lhes a expansão.

Lições esquecidas

Disse isso ao lado do presidente da Associação de Moradores da Rocinha, William de Oliveira, que disse que os moradores eram favoráveis à proposta.

Após a coletiva, retorno a minha sala com a sensação do dever cumprido e sou surpreendido com um ‘soco no estomago’, desferido por um flash de quatro linhas do Globo On Line, com o seguinte título: ‘Conde troca muro por cerca de arame farpado’.

Ainda tonto com o golpe, leio a pergunta da pesquisa do dia do site: ‘Você acha que cercar as favelas com muro é uma solução para a violência?’. Depois de falar com o repórter que cobriu a entrevista (que negou ter passado esta informação) e com o editor de Cidade,
só duas horas após a nota ir ao ar consegui um flash restabelecendo a verdade.

Achando que o meu estoque de surpresas com a velocidade do jornalismo moderno tinha se esgotado, eis que mais uma vez me surpreendo, vendo um dos principais telejornais do país, o da TV Bandeirantes, assistido por milhões de brasileiros, dar como uma de suas manchetes as quatro linhas do infundado flash, sem sequer dar um telefonema para checar a informação. Imediatamente foi alertado de sua falha, mas, mesmo assim, o telejornal
não voltou atrás.

Esta experiência me levou a recordar do meu mestre Nilson Lage, que dizia que não podemos abandonar duas premissas no jornalismo. A primeira é ser sempre imparcial, e a segunda, checar sempre a informação recebida. Estas
são duas exigências indispensáveis para a prática do bom jornalismo. Pelo visto, no caso relatado acima, os veículos de comunicação optaram por jogar para o alto estas duas premissas e, ao invés de bem informar o cidadão, preferiram dar um soco no estômago dos autores do artigo.

Favelas, limites e violência

Luiz Paulo Conde e Sérgio Magalhães

A Sexta-Feira Santa vestiu de roxo o Rio de Janeiro, com a violência de que foram palco a Rocinha e o Vidigal. O espírito de confiança do carioca ficou mais uma vez atingido. A perplexidade indaga se nossa cidade voltará a ser pacífica, como por gerações nos acostumamos a viver. E, estando os focos de violência identificados com as favelas, muitos se perguntam se não é possível contê-las ou pelos menos isolá-las.

Construir limites é uma providência indispensável para que as favelas não cresçam além da área urbanizada. Quando elas recebem infra-estrutura, é importante que se evite a expansão da área ocupada, sob pena dos investimentos ficarem prejudicados. Por isso o programa Favela-Bairro construiu limites claramente definidos em cada comunidade, de modo a evidenciar a área urbanizada, além da qual não se toleraria construir novas moradias.

Essa tarefa de controle é responsabilidade pública, tal como ocorre nos bairros da cidade. O governo precisa contar com a participação dos moradores mas sobretudo com disposição para agir contra interesses privados que forçarem a transposição desses limites. Falta de controle implica na perda de qualidade ambiental, que prejudica a favela e a cidade. A favela de Santa Marta, em Botafogo, está limitada por muros altos, assim como Cerro-Corá, no Cosme Velho. Vigário Geral é também limitada por muro junto à via férrea.

Todas, tristemente, são focos recorrentes de violência, provocada pelo banditismo de traficantes. Já Mata Machado, no Alto da Boa Vista, é uma comunidade pacífica, como também o são a Benjamin Constant, na Urca, e a Vila das Canoas, em São Conrado, todas contidas com muros. Muros altos não causam nem combatem a violência. Urbanizar as favelas, limitá-las e impedir a sua expansão é uma responsabilidade governamental, que se ajusta às outras funções de Estado em garantia da vida cidadã e democrática.

Entre elas, encontram-se a segurança e o provimento da Justiça para o cumprimento das leis – inclusive a lei do Inquilinato. (Os aluguéis nas favelas obedecem apenas à lei do mais poderoso, seja ele o senhorio cada vez mais selvagemente capitalizado, seja o seu braço armado, a impor restrições e constrangimentos absurdos ).

A situação inaceitável de desprezo pela vida – tal como presenciamos na Semana Santa – está construída em décadas de violência e de desconsideração pela habitação dos pobres. Políticas de absenteísmo, de remoção compulsória, de clientelismo explícito, promoveram um século de favelas e loteamentos periféricos onde faltam serviços, infra-estrutura, justiça, segurança e cidadania.

Mas elas não são causas remotas, apenas localizadas na História. Ainda hoje continuamos sem política urbana e sem política habitacional no Brasil. Não há investimentos nacionais para a urbanização das áreas pobres, para o saneamento e para o transporte público; não há crédito para as famílias terem acesso à moradia, nas condições em que a vida moderna exige e permite.

O Brasil financiou na última década apenas 10% das habitações construídas! Uma política democrática precisa fazer da família a receptora do financiamento (em alguns casos subsidiado), ela decidindo onde e o que comprar – ou construir. Obtendo o crédito, como ocorre no mundo desenvolvido e capitalista, as famílias estarão comprometidas com os ônus de construir na legalidade. Casa financiada é condição para a família dispor de melhor saúde, de mais tempo para o estudo e para o trabalho.

As favelas são o lugar que a família pobre dispõe para permitir sua inserção na sociedade e no trabalho. As favelas cariocas não fabricam armamentos, tampouco plantam ou refinam cocaína. Armas e drogas chegam ao Rio pelas fronteiras nacionais desprotegidas, terrestres ou marítimas, assim como também chegam nas outras grandes cidades brasileiras, também elas palco da insegurança.

É preciso reconhecer que a violência instalada na cidade, mas especialmente nas áreas faveladas, resulta de causas amplas e complexas, e que seu combate não se dará por mágica. O governo do estado está cumprindo a sua parte. Todavia, precisamos reconhecer que os três níveis de governo – municipal, estadual e federal – têm papéis insubstituíveis a cumprir. O fraquejo de um deles compromete o resultado da construção de uma sociedade democrática.

A ressurreição do espírito de confiança e de paz é a grande esperança do carioca. Ela só resultará da união de esforços dos três níveis de governo, e contará com o apoio da sociedade. (Vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano; subsecretário de Desenvolvimento Urbano)

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Assessor de imprensa da Vice-Governadoria e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano