O regime de Augusto Pinochet não foi uma ditadura, pretendem agora o presidente Sebastián Piñera e o ministro da Educação do Chile, Harald Beyer. Decidiram substituir nos livros escolares a palavra “ditadura” pela expressão “regime militar”.
Num dos livros importantes publicados recentemente sobre a história chilena, Historia de Chile – Desde la invasión incaica hasta nuestros días (1500-2000) [Santiago, 2003], o falecido Armando de Ramón usa os termos “regime ou governo militar”, “ditador Augusto Pinochet” e “ditadura”.
O que é mais importante: compara os poderes absolutos que Pinochet se outorgou para governar durante dezesseis anos e meio com os poderes de todos os governantes que o antecederam na história do país, inclusive sob o domínio colonial da Coroa espanhola, e constata que nunca houve nada parecido no Chile.
“Os governantes espanhóis sabiam que a monarquia absoluta era limitada pela ética, pelo direito natural, pelo direito divino e também pela própria legislação vigente, visto que a autoridade real não é soberana.”
O rótulo e a descrição
As palavras importam, claro – sem elas não haveria nem guerras, nem paz, por exemplo –, mas os fatos são teimosos. Se o atual governo chileno, de centro-direita, preferir a rótulo “regime militar”, para reforçar a aliança com nostálgicos do pinochetismo, o que não se pode perder de vista é a eliminação dos direitos humanos, da legalidade, da moral pública praticada por Pinochet e seu círculo. Tudo isso precisa ser sempre descrito – com palavras.
Os livros didáticos importam, claro – Machado de Assis dizia que o menino é o pai do homem –, mas seu efeito eventualmente antidemocrático pode ser contra-arrestado pela mídia.
Por mais que a sociedade chilena seja dividida, há valores sem os quais desaparece o mínimo de coesão social necessário para aglutinar um povo. Sem esse mínimo, a barbárie assoma. E a imprensa independente vai para o túmulo, a cadeia ou o exílio.
Será importante acompanhar como a mídia chilena vai cobrir esse debate, que interessa muito de perto ao público brasileiro. Aqui, existe um fenômeno que parece caminhar na direção oposta (ver “A banalização da palavra ‘ditadura’”).