O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, compareceu ao programa Observatório da Imprensa na TV (terça, 13/4, pela rede pública de TV) que discutiu a ‘agenda positiva’ pretendida pelo governo federal nas suas relações com a imprensa, e desta com a sociedade. A participação do ministro deu-se por meio de uma entrevista gravada na tarde daquele dia, concedida ao editor-responsável do OI e apresentador do programa, Alberto Dines.
A seguir, a transcrição da fala de Gushiken e comentários dos jornalistas José Roberto Toledo, Roberto Müller Filho e Villas-Bôas Corrêa, que participaram ao vivo do programa.
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O que aconteceu na quarta-feira passada (7/4), quando o senhor fez uma reclamação sobre as boas notícias, a agenda positiva, e houve aquela reação da imprensa no dia seguinte?
Luiz Gushiken – Não foi bem uma reclamação da minha parte. Aquele evento de quarta-feira era um dia em que se homenageava o Dia do Jornalista, portanto não teria nenhum sentido se eu me apresentasse em desapreço à profissão. Ao contrário, eu fiz um breve discurso e penso que, de maneira apressada, alguns jornalistas se dedicaram à interpretação sobre o que eu falei de uma maneira muito parcial. Eu espero que nesse programa de hoje eu possa não só esclarecer, mas aprofundar a temática que eu levantei na ocasião. Na ocasião eu disse três coisas que achei importantes.
Primeiro, o Brasil, depois de duas décadas de dificuldades e estrangulamento econômico, talvez o povo estivesse tendo necessidade de um ambiente mais positivo, [e] que, nesse sentido, aquilo que o povo faz de bom deveria ser objeto de maior realce. Eu chamei isso de agenda positiva. Nunca me referi às ações de governo, aquilo que eu achava que sociedade esperava em termos de ser informada. Por exemplo, um programa que a Globo apresenta, que se chama Brasil bonito, eu vejo como uma coisa positiva porque, ainda que ele não pinte o Brasil de cor-de-rosa, ele sugere algumas tendências, sugere um espírito mais otimista em relação ao futuro e demonstra algumas saídas que o povo pode encontrar se houver persistência. Então, eu vejo que isso é muito positivo, assim como foi no passado um programa que a própria Rede Globo apresentava chamado Gente que faz. Programa de sábado, com alta audiência. Eu me baseio um pouco nessas experiências para dizer que a agenda positiva é uma necessidade cada vez maior do telespectador, do leitor. E esse tema não faz referência a ações de governo – ele diz respeito a tudo aquilo que a sociedade faz de positivo numa sociedade.
Um segundo aspecto que abordei naquela entrevista é o fato de que o princípio do contraditório deve ser melhor entendido, do ponto de vista das atividades que a gente desenvolve do interior do Estado, do interior da República. Eu gostaria de aprofundar essa temática.
E o terceiro aspecto que eu enalteci no dia da homenagem aos jornalistas foi o conceito que eu chamei de informação jornalisticamente trabalhada, que é uma idéia que eu vi num texto do meu amigo Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, que eu considerei muito interessante. Eu acho que um país é mais civilizado quando o seu povo consegue ter acesso à informação jornalisticamente trabalhada. Eu achei esse conceito interessante porque um fenômeno pode ser informado de diversas maneiras; entretanto, quando a informação do fenômeno é mediada por profissionais que são jornalistas, eu penso que o cidadão recebe de maneira mais adequada essa informação. De maneira que um país como o nosso, onde o povo não tem estudo e não tem renda para comprar o jornal, a medida das dificuldades desse povo, ou o grau de maturidade desse povo, pode ser medido pelo acesso à informação jornalisticamente trabalhada.
Nesse discurso eu fiz alusão a três conceitos e um deles foi mal-interpretado e, como eu disse, eu espero elucidá-los hoje, no debate contigo.
O princípio do contraditório
É absolutamente normal num ambiente democrático que essa tensão venha a existir entre o governo e a imprensa. Faz parte do ambiente, é natural. Agora, é evidente que se, de um lado, o governo não deve esperar elogios por parte da imprensa, de outro lado ele tem direito de exigir que as informações sejam exatas e verdadeiras. Porque eu acho que é isso que firma os conceitos de democracia.
Agora veja: ainda que essa tensão seja natural, eu penso que é salutar que algumas questões possam balizar melhor o entendimento sobre o que é a relação entre o Estado e a imprensa. Por isso eu disse que o princípio do contraditório precisava ser aprofundado, porque, ainda que seja um método intrínseco ao debate e à consulta – seja um processo simples ou o mais complexo, sejam debates com interesses nem sempre claros, interesses dissimulados, legítimos ou não –, o fato é que a questão que está posta a respeito do princípio do contraditório é como, no interior das atividades do Estado (que em princípio são atividades para servir o povo), o contraditório deve ser entendido.
O que eu entendo é que o método contraditório – que é intrínseco no debate – pode expressar opiniões desinteressadas de pessoas que buscam uma resultante num ambiente coletivo, cuja resultante não é do domínio de uma pessoa, é do domínio do grupo; e, nesse caso, os efeitos são absolutamente distintos [dos] de um grupo que debate um determinado assunto, mas muito mais preocupado com que cada um dos seus integrantes defenda sua idéia própria na crença de que vai vencer o outro. Ou seja: eu penso que entre o choque de egos e o choque de opiniões desinteressadas, é nessa segunda polaridade que reside aquilo que deve ser o padrão da busca de verdade em ações coletivas que devem primar o exercício da política no Estado democrático. Por isso eu penso que esse é um assunto que deve ser discutido porque é importante saber como é que o homem público, que em tese deveria defender os interesses do povo, deveria se posicionar num debate político. E como a imprensa, que deve informar o cidadão sobre o funcionamento das formas coletivas, deve também interpretar a conduta dos componentes da República num debate coletivo.
O senhor acha que a irritação por parte da imprensa, na semana passada, tem a ver um pouco com a crise que a mídia atravessa nesse momento – que é talvez a mais grave dos últimos cem anos?
Luiz Gushiken – Existe uma crise, de um lado, que é uma crise séria. São várias razões que explicam essa crise. De outro lado, tem o que aconteceu na semana passada, na maneira como foi interpretado o [meu] breve discurso. Acho que não tem a ver uma coisa com a outra. Mas, evidente que no ambiente da mídia existe uma tensão provocada por essa crise e essa tensão certamente prejudica ou cria um clima mais instável de como [se] analisam os fenômenos que os senhores da mídia têm responsabilidade de interpretar para que seja repassado ao leitor, ao telespectador.
Quando eu afirmei que é importante buscar um padrão de busca da verdade – e a meu ver ele reside no choque de opiniões, na maneira como a centelha da verdade pode aparecer em contraposição ao choque de egos –, eu não quis fazer um apelo de fraternidade humana. Eu estou me baseando em experiências que muitas empresas e organizações sociais realizam e que descobriram que numa forma mais sincera e honesta. Onde há uma certa cortesia nos relacionamentos das pessoas, um dado problema pode ser discutido, revisto, corrigido, com um grau de eficácia que nós, representantes da República, deveríamos assumir. Eu acho que o aprimoramento da sociedade depende muito de como os homens da República buscam um padrão de encontrar uma verdade na ação coletiva – e o Estado é preponderantemente um agente que lida com ações coletivas. Daí a minha insistência em mostrar que o contraditório pode de duas maneiras: pelo choque de egos ou pelo choque de opiniões. E é nessa última referência que reside uma coisa positiva para a sociedade.
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José Roberto de Toledo (jornalista, editor-chefe do Jornal do Terra)
‘Sem dúvida, jornalista, tanto quanto governo, não gosta de receber critica. E a mídia está tão mal-acostumada a receber críticas quanto o governo do Lula, uma vez que a história do Lula e do PT é uma história basicamente de oposição, em que as críticas eram sempre menores, porque ele era estilingue, e não vidraça. O que me chama atenção nesse episódio, mais do que a fala do ministro Gushiken no Dia do Jornalista, foi o episódio do convite que o presidente fez aos jornalistas para acompanharem uma reunião que ele tinha com a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), em que ele falou de viva voz para todo mundo que os jornalistas não podiam fazer perguntas. Ora, no Dia do Jornalista, você convidar um bando de jornalistas e dizer para eles que eles não podem fazem perguntas, mostra qualquer imagem que você quer do jornalista. O jornalista que não faz pergunta, ou seja, mais grave até do que a fala do ministro Gushiken que veio logo em seguida para ser a cereja do bolo.’
Roberto Müller Filho (jornalista, vice-presidente Editora Segmento)
‘Há um certo empobrecimento do jornalismo político, do jornalismo em geral, e aí eu acho que decorre em boa medida do tamanho dessa crise que nós estamos enfrentando. O jornalismo político é mais difícil porque requer um exercício cotidiano de apuração sagaz e esse jornalismo de tititi, repetitivo, de fato leva a uma certa vulgaridade, a uma certa superficialidade na cobertura. Seja porque os partidos políticos perderam a importância, seja porque o Congresso trabalha um número menor de dias do que se deveria. Mas acho que, no fundo, no fundo, talvez como razão central disso exista a questão dessa profunda crise em que a mídia está metida, seguramente a maior crise que eu tenho notícia.
‘Isso não quer dizer que o governo tenha razão quando fica de mau-humor quando imprensa [o] critica. Também não quer dizer que o governo esteja errado, que qualquer um de nós estejamos errados, quando a imprensa é superficial ou faz esse jornalismo de tititi. Há uma certa superficialidade, acho que há uma carência de jornalistas mais bem informados, mais experientes. Os jornalistas mais experientes foram afastados ou se afastaram das redações e houve uma redução dramática no nível de salários, levada pela crise. Isso tudo, é claro, teria que refletir-se na qualidade, na densidade da cobertura da imprensa. De resto, o governo, quando tem problemas, como disse o Villas-Bôas, tende a azedar a sua relação com a imprensa e tende a piorar o seu humor.’
Villas-Boas Corrêa (jornalista, colunista político Jornal do Brasil)
‘O ministro Gushiken não deve estar satisfeito pela maneira cordial com que está sendo tratado neste programa. Mas eu quero fazer alguns reparos finais. Nós também, da imprensa, sentimos muita falta de uma agenda positiva do governo, para conseguir de repente buscar análises favoráveis. E o governo, certamente, está sendo hoje muito mais criticado internamente, com as suas crises domésticas, do que incomodado pela oposição que cumpre o seu papel. O governo tem brigado com o PT à vontade, já teve que expulsar quatro. Outro dia saiu uma nota de parte da bancada propondo mudanças na política econômica. Críticas, queixas, reclamações quanto à dificuldade de liberação de recursos, a dificuldade do governo em começar a funcionar, a realizar obras, são constantes. É preciso compreender que a imprensa não pode inventar uma agenda positiva quando o governo não organiza essa agenda. O governo me dá a impressão de que mal começou a funcionar. Essa sensação de um governo que com quinze meses parece exausto, de língua de fora, sem fôlego, é extremamente preocupante. Porque vem uma eleição por aí e uma derrota eleitoral hoje nas principais capitais desestabiliza um governo que já está em dificuldades. De modo que o ministro pode ter certeza de que o jornalista, na sua imparcialidade, sabe que no fundo ele tem que torcer para o governo dar certo. Porque senão até a profissão fica ameaçada.’