No ano que vem, precisamente no dia 2 de fevereiro, a TV Senado vai completar 10 anos de funcionamento. A existência da emissora tem uma razão peculiar em relação às demais, já que não se trata de concessão pública, mas de uma exigência legal. A sua criação só foi possível graças a um dispositivo da Lei de Cabodifusão, de 1995, que garante ao Senado, à Câmara dos Deputados, às assembléias estaduais e às câmaras municipais canais gratuitos nos pacotes básicos das operadoras de televisão a cabo.
Nos anos seguintes, vieram a Rádio Senado (FM e Ondas Curtas), a ampliação do alcance do Jornal do Senado e a Agência Senado (via internet). Outras casas legislativas pelo Brasil também investiram em veículos próprios de comunicação com a sociedade. Assim, a mídia tradicional deixou de ser vetor exclusivo da divulgação das notícias geradas nos variados processos da atividade parlamentar.
Claro que a iniciativa dos parlamentares, de criarem complexos de comunicação relativamente caros, despertou a justificada desconfiança de que se tratava de mais um casuísmo dos congressistas, interessados apenas em aumentar sua visibilidade e melhorar a imagem perante o eleitorado, com dinheiro público. O importante é que, ao se buscarem novas formas alternativas de colocar o cidadão a par das discussões e decisões no âmbito do Poder Legislativo, colocou-se em evidência um novo foco para o exercício profissional dos jornalistas.
Neste caso, identifico uma nova categoria no campo do jornalismo, que podemos chamar jornalismo legislativo. Pode-se dizer que o período de apenas uma década seja considerado curto, para que se afirme a inauguração de um novo ramo de estudo. Mas já há indícios e fundamentação teórica suficientes que permitam estabelecer-se o advento do jornalismo legislativo como atividade específica no universo do trabalho jornalístico.
Menos dependência
Embora na prática o jornalismo legislativo já desfrute de um certo reconhecimento no meio social – conforme a resposta do público aferida pelas pesquisas das áreas de relações públicas das casas legislativas –, esta nova categoria ainda não foi devidamente sistematizada enquanto objeto de estudos que possibilitem um entendimento mais amplo sobre suas especificidades. As principais abordagens teóricas sobre o jornalismo – teorias do espelho, do newsmaking, do gatekeeper, organizacional, gnóstica, do agendamento, dos efeitos limitados, instrumentalista, hipodérmica e etnográfica – contemplam a análise da atividade jornalística, sobretudo no papel dos profissionais de organizações privadas e públicas destinadas à mediação entre o acontecimento (fato noticioso) e a sociedade.
Entretanto, há um grande vazio na divulgação em massa de notícias específicas por veículos geridos pela própria fonte. É importante não confundir com o trabalho dos profissionais de relações públicas ou de assessoria de imprensa. Não se trata de fornecer informações institucionais e facilitar o contato com clientes ou usuários, visando a melhoria da afirmação da imagem de alguma instituição ou organização. A atividade principal de um veículo legislativo de comunicação de massa – televisão, rádio, jornal impresso e agência – é informar diretamente ao cidadão sobre os fatos ocorridos no processo político-parlamentar, utilizando as técnicas da produção jornalística, além de transmitir, ao vivo, as reuniões públicas do plenário e das comissões, no caso da televisão e do rádio.
A novidade é que, desta forma, a fonte – o Parlamento – não fica obrigatoriamente dependente da mediação da mídia tradicional, que tem seus próprios interesses comerciais e institucionais. Somente isso já estabeleceria novos parâmetros para a análise desta nova maneira de interferência na construção da realidade social. O que era apenas um dos personagens na cobertura política passou a fornecer diretamente as informações que lhe dizem respeito, para que o receptor possa fazer sua própria análise dos acontecimentos. Além disso, o público tem acesso a assuntos e fatos que, segundo critérios clássicos de noticiabilidade, não seriam notícia nos veículos comerciais.
Uma nova realidade
A finalidade ou a intenção do trabalho no universo do jornalismo legislativo é mais um ponto que o diferencia das demais categorias. Uma das características que norteiam a atividade é a exigência legal de se buscar o que na mídia tradicional é praticamente impossível: a objetividade na produção e na divulgação das notícias. Não se admite na cobertura a subjetividade, entendida como opinião e posicionamento explícito do jornalista. Existe o princípio de mostrar obrigatoriamente todos os lados envolvidos, com espaço e tratamento igual a parlamentares e blocos partidários, conforme regras estabelecidas, por exemplo, num ato de 2002 da Mesa Diretora do Senado, que regula os veículos de comunicação da casa.
Outro argumento a favor desta concepção sobre a existência individual da categoria jornalismo legislativo no campo de estudo do jornalismo é o alto grau de especialização dos profissionais e a criação de rotinas específicas, principalmente em relação à natureza dos temas abordados. Isso, inclusive, justifica outras categorias, como jornalismo científico, econômico, cultural, de entretenimento, político, ambiental, entre outros. É comum ouvir de quem trabalha nos veículos legislativos, ao recepcionar novos colegas, o alerta de que terão de ‘reaprender a trabalhar’. Não somente devido aos padrões editoriais e de estilo definidos em função dos objetivos desta mídia, mas também por suas características próprias.
Estamos diante de uma nova realidade. Quando analisamos as relações entre o jornalismo como campo de conhecimento científico e a política, principalmente no que tange à cobertura do Parlamento, não podemos deixar de lado o papel dos veículos de comunicação geridos pelo Poder Legislativo, como parte dos agentes que colaboram na construção da realidade social. Não só como fonte de informações, mas, principalmente, oferecendo ao cidadão, da forma mais abrangente possível, o que acontece no âmbito parlamentar – sem o corte editorial da mídia tradicional. Estes são os fundamentos do jornalismo legislativo que, como o pioneirismo da TV Senado, completa uma década de existência no Brasil.
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Mestre em Comunicação Social pela UnB e jornalista da TV Senado