O jornalista Tyler Brûlé, 43, construiu uma carreira cuja base é o desafio à sabedoria convencional. Nos últimos 15 anos, Brûlé deixou o mundo do jornalismo e criou duas revistas de cultura vistas como bíblias entre certos grupos de apreciadores do design: Wallpaper e Monocle. Enquanto todo mundo elogiava o iPad como salvador da mídia impressa, Brûlé criava jornais de circulação limitada para as encostas de Gstaad e a praia de Cannes.
Quando o varejo começou a privilegiar o investimento em projetos online, ele abriu uma cadeia de lojas Monocle. E, enquanto a música migra para a computação em nuvem, ele funda uma estação de rádio com “programação internacional” que oferece sons “de Seul a Estocolmo”. Seu jeito de globetrotter inspirou uma legião de seguidores, que aguardam com ansiedade seus pronunciamentos sobre o que está por vir. Quando é que um editor de revistas inspirou tanta devoção pela última vez?
Além de sua companhia mundial de mídia, pela qual ele conquistou o prêmio “Editor do Ano” da “Advertising Age” em outubro, ele escreve uma coluna para o Financial Times, “Fast Lane”, na qual relata suas aventuras mundiais em busca do raro e do idiossincrático.
Nascido em Winnipeg, no interior do Canadá, é filho único de Paul Brûlé, jogador de futebol americano na liga canadense. Sua mãe, Virge Brûlé, é imigrante da Estônia. O sonho dele era se tornar âncora de um grande telejornal, como seu ídolo Peter Jennings, e pouco depois dos 20 anos começou a trabalhar como repórter em Londres para a BBC. Em 1994, foi para o Afeganistão devastado pela guerra e quase morreu depois de levar dois tiros em um ataque de tocaia.
Dois tipos de revista
De volta a Londres para convalescer, ele começou a pensar que devia haver maneira mais segura de ganhar a vida. O resultado da reflexão foi a revista Wallpaper, de cultura e design, que ele criou em 1996. Em lugar de um vislumbre dos lares dos ricos, a publicação criava interiores fantasiosos e modelos vestidos pela Gucci. A publicação logo atraiu seguidores leais entre os empresários da Geração X que estavam florescendo no boom dos anos 90. “Eu os defino como nômades globalizados”, disse Brûlé, então com 29 anos, em entrevista para “Generation Wallpaper”, um artigo do New York Times de 1998. “Quer estejamos falando de um snowboarder da Costa-Oeste ou de um redator de uma agência de publicidade em Estocolmo, existe um grau de afluência súbita.” “Eles precisam de conselhos sobre como levar uma vida sofisticada”, acrescentou.
A revista lhe valeu um prêmio por realização vitalícia da Sociedade Britânica dos Editores de Revistas, aos 33 anos, fazendo dele o mais jovem recipiente da distinção. A Time adquiriu a Wallpaper menos de um ano depois, mantendo-o como diretor editoral. Brûlé deixou a revista em 2002. Porque seu contrato o proibia de criar uma publicação concorrente de sua antiga revista, Brûlé passou a dedicar suas energias à Wink Media (hoje Winkreative), uma agência de publicidade e branding que ele ainda comanda. Por meio dela, era o mundo empresarial que podia obter o toque Brûlé.
Mas o coração dele sempre esteve no jornalismo. Por isso, em 2007, quando o setor começou a sofrer de uma crise de identidade quanto ao seu futuro digital, ele decidiu criar a Monocle, uma celebração da mídia impressa. A inspiração lhe ocorreu em um aeroporto. Ele ficou observando pessoas que compravam a revista Economist, ocasionalmente em companhia de leitura menos cerebral, como a GQ. “Pensei que talvez pudesse fazer a mesma coisa. Misturar os dois tipos de revista e acrescentar algumas coisas.”
250 dias por ano
O público-alvo da Monocle é o mesmo da Wallpaper depois de uma década no comando de uma companhia multinacional. Cada edição tem o tamanho de um catálogo da Sotheby’s, impresso em mais de nove tipos diferentes de papel e repleto de artigos sobre companhias aéreas na Costa Rica, elegantes restaurantes afegãos em Dubai e zero celebridades. Para os súditos leais, a Monocle é um clube exclusivo tanto quanto uma leitura de praia. Isso pode explicar seu modelo de negócios heterodoxo. Para ampliar sua circulação, a maioria das revistas vende assinaturas a preços baixos. Já no caso da Monocle, a assinatura é mais cara que a compra em banca: US$ 130 ao ano, ante US$ 10 por exemplar em banca (a revista publica dez edições anuais). Em bancas e livrarias no Brasil, a revista não sai por menos de R$ 59,90.
A ideia de visar a um público de elite disposto a pagar a mais por um produto sofisticado permitiu que a revista saísse do vermelho dois anos atrás, apesar de uma circulação de apenas 150 mil cópias. Isso também atrai anunciantes de luxo, como a Rolex e a BMW. Mais que um periódico descartável, a Monocle é um símbolo de status, um adereço a ser exibido para informar aos coitados na classe econômica do avião que o portador faz parte da classe dos estetas internacionais.
Isso explica por que Brûlé não planejou um aplicativo para a Monocle no iPad: em um tablet, ninguém pode ver que você está com a revista. “Tantas companhias de mídia esquecem o poder da marca, de ter pessoas que exibam e usem essa marca”, diz. “Em circunstâncias públicas, é útil olhar como uma pessoa está calçada e, ocasionalmente, o que está lendo, para determinar se você quer ou não sentar ao lado dela.”
Em sua mais recente visita a Nova York, Brûlé se reuniu com funcionários de sua companhia e amigos, tomando champanhe no Aria Wine Bar, no West Village, em uma festa íntima para celebrar a edição de final de ano. Ele papeava com um diplomata dinamarquês sobre como as festas dos brasileiros são sempre as melhores. Estava um pouco esgotado. Viaja mais de 250 dias por ano e mantém um apartamento em Londres, uma casa de inverno em St. Moritz e uma casa de verão em uma pequena ilha que comprou no arquipélago de Estocolmo, com seu parceiro, Mats Klingberg.
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[Alex Williamson é do New York Times]