Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Helena Celestino

‘A escritora e jornalista Katrina Vanden Heuvel é uma crítica feroz da política do presidente George W. Bush, e por isso freqüentemente convidada a participar de debates políticos na TV. Editora-chefe da ‘The Nation’, a mais respeitada publicação da esquerda americana, ela acha que na semana passada houve uma mudança importante no panorama político americano: famílias de militares estão se sentindo traídas e criticando o governo. ‘É um sinal de mudança política, porque familiares de militares são os últimos a criticar o presidente’, afirma ao GLOBO. Para Katrina, a promessa de Bush de entregar o Iraque aos iraquianos até 30 de junho é pura ficção: ‘Os EUA vão continuar tendo o poder e comandando não só a esfera militar, mas o futuro econômico do país.’

Neste momento, qual seria a melhor solução para o Iraque?

KATRINA VANDEN HEUVEL: Eu não acho que exista uma solução fácil, porque temos um governo completamente divorciado da realidade. Agora, nenhuma escolha é boa para nós. Seria ideal que a atual ocupação militar fosse transformada numa força internacional de verdade, que pudesse liderar uma estratégia lógica para a retirada das tropas e a eleição de um governo iraquiano. No momento, o que vemos é uma grande insurreição nacional contra as tropas americanas. É um problema político, porque a ocupação está gerando instabilidade. Cada dia que mantemos o leme, como diz Bush, pode aumentar a possibilidade de guerra civil ou de ressentimentos. O enviado da ONU ao Iraque, Lakhdar Brahimi, e as Nações Unidas têm mais legitimidade. Mas o perigo é que seja tarde demais e que grupos-chaves não queiram assinar esse plano apresentado no últimos dias. A ONU, que foi tratada com o maior desprezo por esta administração, pode ter problemas de segurança para botar esse plano em prática.

O que a senhora acha do plano apresentado por Brahimi e endossado por Bush e Blair?

KATRINA: É difícil saber. Eles ainda têm que escolher as pessoas e juntá-las nesse grande conselho que será uma espécie de assembléia nos mesmos moldes daquela do Afeganistão. A questão é saber se o Iraque considera a ONU uma força com mais legitimidade. Eu acho que sim, mas não é fácil por causa da radicalização da comunidade xiita e da união entre xiitas e sunitas. É preciso organizar um calendário sério para os EUA iniciarem a volta para casa. Falar sobre estabilização é mais realista do que falar em não sair do país antes de eleger um governo democrático. Não somos nós que vamos ditar as regras para o Iraque. Não temos esse poder.

E o prazo até 30 junho para entregar o poder aos iraquianos?

KATRINA: É uma ficção. Não há uma instituição que possa assumir o poder. Talvez com o plano Brahimi e a ONU haja uma entidade à qual entregar o poder. Esse prazo é uma ficção, porque os EUA vão continuar tendo o poder e comandando não só a esfera militar, mas também o futuro econômico do país. Paul Bremer está sendo substituído, a maior embaixada do mundo está sendo criada no Iraque, mas toda essa ficção pode criar ainda mais instabilidade.

O que a senhora acha do líder xiita Moqtada al-Sadr?

KATRINA: Acho que uma série de passos em falso e julgamentos errados do governo Bush durante a guerra e a ocupação acabaram dando legitimidade a Sadr. Ele é o elemento mais radical da comunidade xiita, mas acabou representando a raiva e o ressentimento das pessoas. Acho que o perigo é dar-lhe ainda mais legitimidade por causa dos ataques a mesquitas e coisas do gênero. O governo começa a falar na nova teoria dos dominós. Bush, na entrevista que deu terça-feira passada, tentou confundir a guerra no Iraque com a luta contra o terror, querendo dizer que a segurança mundial está ligada ao destino do Iraque. Isto é um erro político histórico.

Estaria havendo uma mudança na opinião pública por causa dos recentes seqüestros e mortes?

KATRINA: Nenhuma dúvida a respeito disto. Você pode ver nas pesquisas. A maioria dos americanos não está mais apoiando a condução da guerra no Iraque. Não acreditam mais que se fez a guerra porque Saddam Hussein era uma ameaça à segurança dos Estados Unidos. As pesquisas mostram uma erosão da crença de que a América está indo na direção certa. Eu acho que a credibilidade do presidente nestas questões-chaves está ruindo.

As famílias dos militares estão ficando irritadas com o prolongamento da guerra?

KATRINA: Claro, elas estão se sentindo traídas com o prolongamento da permanência deles lá. Mães, mulheres e filhos estão perguntando qual é o propósito de eles continuarem no Iraque, já que não há armas de destruição em massa coisa nenhuma. Acho isso politicamente importante. É um sinal de mudança política, porque familiares de militares são os últimos a criticar o presidente. O aumento do número de mortes que a manutenção da ocupação está trazendo, e a falta de um sentido claro sobre o que estamos fazendo no Iraque pode criar um verdadeiro estrago para Bush. Militares são sempre republicanos, e quando até eles estão contra a guerra, é bom Bush se cuidar.’



O Globo

‘Jornais americanos criticam presidente’, copyright O Globo, 15/04/04

‘A entrevista coletiva em rede nacional do presidente George W. Bush na noite de anteontem foi alvo de pesadas críticas do ‘Washington Post’ e do ‘New York Times’, os dois jornais mais influentes dos Estados Unidos. Tanto em suas páginas editoriais como em seus espaços de análise, os diários acusam Bush de não ter apresentado soluções para os problemas mais prementes – sobretudo no Iraque – apesar de ter tentado deixar transparecer uma atitude resoluta.

Logo na primeira página, o ‘Washington Post’ lamentou que ‘Bush recusou-se decididamente a admitir erros e deixou passar a oportunidade de explicar o que será necessário para conseguir seu objetivo de um Iraque estável e livre’. Para o diário, o objetivo de Bush não foi dar detalhes sobre os próximos passos nem sugerir mudanças de rota na estratégia. ‘Em vez disso’, diz o ‘Post’, o objetivo do presidente era ‘reafirmar sua decisão de manter o rumo e argumentar de novo que a guerra no Iraque tornará os EUA um lugar mais seguro’.

O principal jornal da capital americana não poupou o presidente. ‘Repetidamente não respondeu a perguntas concretas sobre suas políticas e foi melhor na hora de descrever sua visão de um Iraque democrático do que na hora de explicar como superar os crescentes obstáculos para alcançar essa visão’.

Igualmente contundente, o ‘New York Times’ afirmou que Bush fracassou em responder as perguntas mais urgentes nas cabeças dos americanos sobre ‘como tirar o Iraque da atual situação de caos e o que aprendeu das investigações sobre o 11 de Setembro’. O jornal disse que Bush não esclareceu temas cruciais, como a quem passará o poder no Iraque em 30 de junho. ‘Na cabeça de Bush, qualquer coisa que aconteça a partir de agora parece ser responsabilidade da ONU. Isso deve ser uma surpresa para os negociadores da ONU e seus chefes, que nunca aceitaram essa responsabilidade’.’



Folha de S. Paulo

‘Principais jornais dos EUA criticam Bush’, copyright Folha de S. Paulo, 15/04/04

‘Os principais jornais americanos receberam com críticas, ou no mínimo reservas, as afirmações feitas pelo presidente George W. Bush na entrevista coletiva de anteontem na Casa Branca.

A coletiva, apenas a terceira realizada por Bush em horário nobre (20h30 de Washington) em todo o seu mandato, foi feita com o intuito de reverter o atual quadro desfavorável ao presidente, candidato à reeleição em novembro.

O ‘New York Times’ disse em editorial que as respostas de Bush foram ‘perturbadoramente errantes e desfocadas’ e que não conseguiram dar explicações ‘para as perguntas mais importantes para os americanos: como tirar o Iraque do caos e o que ele aprendeu com as investigações do 11 de Setembro’.

Em texto analítico, o ‘Washington Post’ disse que o presidente estava sob pressão para mostrar que tem um plano vitorioso para o Iraque, mas que seu desempenho deixou ‘mais perguntas do que respostas’.

‘Bush foi indagado sobre quais lições tirou dos eventos desde o 11 de Setembro. Ele parou, balançou a cabeça, fez uma expressão de dúvida e acabou no vazio: ‘Tenho certeza que alguma coisa vai surgir na minha cabeça aqui no meio dessa entrevista, com toda a pressão para dar uma resposta. Mas não surgiu nada.’

O ‘Los Angeles Times’ criticou o despreparo do governo. ‘O sucesso da transição [no Iraque] vai depender largamente das capacidades diplomáticas que essa administração ainda precisa mostrar e de informações de inteligência confiáveis que as agências ainda precisam obter.’

O ‘Chicago Tribune’, em texto analítico, afirmou que as respostas oferecidas por Bush foram insuficientes e sugeriu que o presidente pretendeu manipular a imprensa, com objetivos eleitorais, ao fazer um pronunciamento inicial de 17 minutos antes de começar a responder as perguntas: ‘Foi quase como se ele estivesse tentando fazer um discurso para a nação sob o disfarce de uma entrevista coletiva’.

Kerry

O virtual candidato democrata à Presidência, John Kerry, disse que a política ‘teimosa’ de Bush para o Iraque está custando vidas e dinheiro. Kerry prometeu que, se eleito, irá estabelecer uma parceria com as Nações Unidas para solucionar o problema no Iraque.

Também ontem, cerca de 40 parentes de veteranos e militares que estão servindo no Iraque fizeram manifestação em frente à Casa Branca para pedir que Bush ‘termine a guerra’.’