Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre o interesse público e o big business

Não fosse por uma informação secundária inserida em matéria do jornal Valor Econômico (25/10/2005) e pelo comentário sobre o assunto do seu ombusdman na coluna de domingo (6/11), não se saberia que a Folha de S.Paulo desfez a reestruturação societária anunciada em janeiro de 2005, pela qual a Portugal Telecom havia comprado 21% da holding Folha-UOL [clique aqui e role a página para ler a nota do ombudsman]. A empresa de telecomunicações portuguesa, que explora os serviços de telefonia celular no Brasil e, em associação com a Telefônica de Espanha, controla a operadora Vivo, continua, no entanto, sócia minoritária (28%) do UOL.

A aprovação da Emenda Constitucional nº 36 e sua regulamentação em 2002 (Lei 10.610/2002), como se sabe, possibilitaram a participação de pessoas jurídicas e de capital estrangeiro em até 30% nas empresas jornalísticas e de radiodifusão. Embora o fluxo de capital externo não tenha, até agora, ocorrido na velocidade e no volume que algumas empresas esperavam, pelo menos um dos grandes grupos de mídia brasileiro – a Editora Abril – vendeu, em julho de 2004, parte (13,8%) de suas ações para o fundo de investimentos Capital International Inc., dos Estados Unidos.

As Organizações Globo também já têm parcerias com o capital estrangeiro tanto na Sky Brasil (com a News Corporation) como na NET Brasil (com a Telmex, Teléfonos de México). Essas empresas de TV paga, no entanto, não são consideradas empresas de comunicação pela legislação brasileira e, portanto, não se submetem às normas da Lei 10.610/2002.

Interferência direta

Existem ainda as empresas totalmente estrangeiras, fora do alcance da atual legislação do setor, fazendo jornalismo via internet. Exemplos são America Online, Terra, Reuters e Bloomberg, entre outras.

A ausência desse tema – sobretudo agora, na própria Folha – revela o pouco-caso com que a grande mídia brasileira trata as questões relativas à sua economia política ou, mais diretamente, aos interesses econômicos de empresas que fazem jornalismo.

Na verdade, a associação de empresas de comunicação com os grandes grupos de telecomunicações ou com grupos econômicos de outros setores (entretenimento, por exemplo) constitui um dos temas mais relevantes na discussão contemporânea sobre os rumos do jornalismo.

Em países onde questões de interesse público são tratadas com maior transparência, há diversos registros de interferência direta da direção dos grandes conglomerados no jornalismo de suas empresas de mídia. Talvez o caso mais conhecido, até porque virou sucesso nos cinemas em 1999 com o filme O Informante (The Insider) com Al Pacino e Russell Crowe, seja o jogo de interesses entre a indústria de tabaco e a rede americana de televisão CBS (Westinghouse) para evitar a divulgação de matéria na revista noticiosa 60 minutes, em 1994.

Primeira grandeza

Um ciclo de debates promovido no Espaço Cultural da CPFL, em Campinas (SP), durante os meses de outubro e novembro, com o sugestivo título de ‘Jornalismo Sitiado: como a imprensa perde seu espaço na função de mediar o debate público na democracia’, mostra como o tema vem aos poucos se constituindo em objeto de discussão na sociedade civil brasileira.

O documento básico do ciclo levanta questões como:

‘Pode haver independência editorial se a empresa jornalística já não é uma empresa autônoma, mas um setor no interior de um conglomerado? Quem é que hoje cumpre a função de informar o cidadão: os veículos jornalísticos, os serviços de relações públicas orientados para o consumidor, os ‘noticiários’ da TV, muitos deles orientados segundo parâmetros do entretenimento, o marketing político? Esses serviços ou fontes preenchem os requisitos de independência crítica para serem vistos como fontes ou veículos confiáveis?’

Nesses tempos de crise política, o verdadeiro papel da mídia tem que ser amplamente debatido. Não basta mais – como sempre se faz entre nós – que os grandes grupos de mídia recorram aos princípios da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa para justificar todo e qualquer comportamento.

O jogo pesado do poder que se esconde na competição entre os conglomerados de mídia – e quase nunca se revela publicamente – é fundamental para a compreensão do tipo de jornalismo por eles praticado.

Hoje, a questão fundamental não é mais saber apenas se e como a grande mídia pode estar comprometida por suas ligações com o big business, sobretudo através de seus anunciantes. Hoje a grande mídia é, ela mesma, big business e ator de primeira grandeza na disputa política.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)