“Não existe essa alternativa de não querer”, disse um tenente coronel da Polícia Militar de Goiás quando questionado pela repórter Lis Lemos (A Redação) acerca da possibilidade de uma pessoa não querer acompanhar a polícia até uma delegacia, não tendo cometido crime. O fato transcorreu durante uma operação da PM com a Guarda Municipal que visava a “cadastrar” as pessoas em situação de rua no centro de Goiânia. Mais de 70 pessoas foram encaminhadas para uma delegacia sob a alegação de serem usuárias de drogas, sobretudo crack. A acusação é que, por causa da droga, elas poderiam causar (ou causariam) furtos na região.
De fato, o que pesa sobre estas pessoas é não possuírem um tratamento adequado, além de serem ignorantes ao ponto de se tornarem habitantes de uma região central da cidade, tal qual ocorre em São Paulo, com a Cracolândia. As duas polícias (goiana e paulista) receberam ordens de acordo com uma mesma política higienista: limpar zonas de grande aglomeração popular ou visíveis aos olhos, sobretudo, da mídia. O grande problema para estes governos não é que um problema exista, e sim, que seja visto diariamente, especialmente pela televisão ou jornais. O que motivou a ação policial em Goiás foi justamente a divulgação de matérias na imprensa, que se mostrou indignada com o uso de drogas “à luz do dia” e “no centro da cidade”.
“Não existe alternativa”
Em São Paulo, a expulsão de moradores de rua da Cracolândia fez com que eles se espalhassem em vários cantos da cidade até que pudessem se estabelecer em um ponto. De modo equivalente, em Goiânia, as pessoas que foram até a delegacia foram “cadastradas” por quatro pessoas da Secretaria Municipal de Assistência Social e, depois, liberadas. Ou seja, a polícia se utilizou de todos os holofotes (com ampla divulgação na imprensa da ação policial) para não resolver em nada o problema daquelas pessoas. Aliás, ganharam outro problema: além de estarem doentes em razão do vício, agora foram fichadas, repreendidas e se tornaram alvo de ações policiais. E a polícia, como disse aquele tenente coronel, não tem a menor intenção de ressocialização ou tratamento.
Ainda não há um consenso sobre o tratamento mais adequado a usuários de droga. Mas há consenso (ou pelo menos eu achei que havia, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos) sobre o tratamento que se deve dar às pessoas. Moradores de rua, sejam usuários ou não, nada de ilegal estão fazendo, a priori. A grande questão é mostrar à sociedade que o Estado age, nem que seja através da força e, para isso, convoca-se toda a imprensa e realiza-se todo o rebuliço. A mesma estratégia é utilizada na apresentação de suspeitos ou acusados de cometer algum crime, especialmente se o fato foi tratado de maneira sensacionalista pela imprensa. A resposta da polícia é sempre expor a figura humana, seja qual for a pergunta.
Afinal, não existe a alternativa, como diz o tenente coronel.
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[Vandré Abreu é jornalista, Goiânia, GO]