Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Wladir Dupont

‘‘Temo que haja, por trás do governo Lula, por parte de algumas cabeças pensantes que o rodeiam, um sonho socialistóide, de perigosos contornos autoritários’afirmou o escritor peruano Mario Vargas Llosa, um dos expoentes do realismo fantástico na América Latina, em entrevista, no México, a Wladir Dupont, seu tradutor brasileiro e correspondente de Sras&Srs. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista exclusiva, na qual nomeia as tais cabeças pensantes.

Srs. & Sras. – Como o senhor analisaria o governo Lula as vésperas de completar seu primeiro ano?

Vargas Llosa – Confesso que para mim tem sido uma surpresa. Para mim e para muita gente, tenho certeza.

Srs. & Sras. – Surpresa por que?

Vargas Llosa – Bem, eu o via como um representante típico do populismo latino-americano e ele se revela como um governante hábil, modelo de realismo, moderação, prudência.

Srs. & Sras. – E isso o que implica a médio prazo?

Vargas Llosa – Esse comportamento inicial do Lula tem trazido muitos benefícios ao Brasil, o otimismo interno principalmente, e, lá fora, um enorme interesse e confiança nos rumos do país. Graças a essa política pragmática, ele já se constitui num exemplo para a esquerda latino-americana, sempre amarrada na retórica populista.

Srs. & Sras – Mas não haveria o risco de que, quando acabar a lua de mel, ele estará diante de um povo desiludido, como aconteceu no México com o presidente Fox?

Vargas Llosa – A bem da verdade, devemos estar conscientes de que a tarefa de Lula não é nada fácil. As políticas por ele adotadas agora, com uma clara disposição para evitar os males do populismo e exercer sua vocação pessoal para um socialismo autêntico, têm custos sérios, um deles o confronto aberto logo, logo.

Srs. & Sras. – Confronto com quem?

Vargas Llosa – Temo, e muita gente que conheço no Brasil também, que haja, por trás do governo Lula, por parte de algumas cabeças pensantes que o rodeiam, um sonho socialistóide, de perigosos contornos autoritários. O Lula tem sabido, até agora, segurar esse pessoal, mas até quando isso será possível?

Srs. & Sras. – Quem seriam esses sonhadores de uma esquerda mais radical?

Vargas Llosa – Ai está, por exemplo, o pessoal do Movimento Sem-Terra. Esses caras são uns loucos! Repito, o Lula tem segurado essa turma até agora, mas essa brecada não pode funcionar sempre.

Srs. & Sras. – Digamos que ele continue refreando esses arroubos dogmáticos, quais são as perspectivas mais a longo prazo?

Vargas Llosa – Ele pode até se converter numa espécie de Tony Blair brasileiro, seria ótimo.

Srs. & Sras. – Tony Blair? O que o primeiro- ministro inglês teria a ver com uma figura como o Lula?

Vargas Llosa – Digo isso em certo sentido, é claro. O Blair, por exemplo, tirou o Partido Socialista britânico do radicalismo, levando-o para um caminho centrista, mais liberal. Raros políticos no mundo têm idéias, o Blair é um deles. Mais, o Blair tem a virtude de dizer as coisas mais complexas de forma acessível, é um estadista profundamente democrático, excepcional.

Polemista de carteirinha, sempre as turras com as esquerdas latino-americanas pelas quais é abominado (sentimento recíproco) por conta de suas posições ideológicas, mistura sofisticada de liberal e humanista, bem ao estilo de Octavio Paz, Vargas Llosa, em recente visita ao México para lançar seu livro mais recente ‘El Paraíso en la otra esquina’ e participar da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), entre 29 de novembro e 7 de dezembro, uma vez mais não deixou barato. Reafirmou, em duas concorridas coletivas de imprensa, sempre com a contundência usual (‘Ïsso tem me causado muitas dores de cabeça!’) algumas de suas idéias mais conhecidas sobre os destinos da América Latina. Wladir Dupont esteve presente nessas coletivas e anotou.

* Devemos reconhecer o progresso registrado na vida política da América Latina em geral, nos últimos anos. Eu me refiro ao surgimento de consensos mais amplios em relação ao sistema democrático. É verdade que na base mais da resignação do que do entusiasmo, mas para lá vamos. Começamos a entender que o liberalismo é uma doutrina, não uma ideologia. Que é inseparável da democracia. Falar de liberalismo, é falar de democracia. Ainda temos democracias imperfeitas, é verdade, mas se comparadas ao que tínhamos no passado, há um avanço respeitável.O processo é lento, desigual, e por isso aparecem ainda bolsões populistas como o de Hugo Chávez, na Venezuela.

* Nós, latinos, somos os grandes responsáveis pelo fracasso político e econômico de nossos países, jogados que fomos nesse buraco por dirigentes demagogos e populistas.O resultado é que não temos instituições civis sólidas e independentes. A justiça em nosso continente é ineficiente e, em muitos casos, sensível a corrupção, faltam juízes capazes, íntegros. Temos uma economia de mercado atrasada, embora o Chile já represente um sinal de melhoria nesse sentido.

* Precisamos desenvolver estados onde os direitos humanos funcionem com vigor, estados fortes que respeitem a lei, com uma justiça independente, um mercado moderno. Fala-se muito mal, por exemplo, das privatizações, mas o que leio e vejo é muita tergiversação sobre o assunto. As privatizações não têm funcionado por causa da forma distorcida como têm sido feitas. É o caso da Argentina e do Peru, onde o processo serviu para fortalecer os privilégios de grupos econômicos e políticos. Foram operações mafiosas, fraudulentas, coisas de delinquentes, de governos malandros. De novo cito o bom exemplo do Chile e sobretudo da Espanha, hoje país moderno, desenvolvido, que, além de instaurar todas as liberdades depois do longo obscurantismo franquista, abriu mercados, introduziu a competividade. Essa resistência as privatizações, que é uma grande distorsão, têm muito a ver, me parece, com um certo saudosismo dos populismos totalitários.

* Essa postura tradicional de jogar a culpa nos americanos por tudo de ruim que nos acontece, isso deve terminar. É verdade que se trata de uma relação difícil, afinal é uma superpotência, sempre será um trato complicado para ambos lados, mas nossa persistência nessa posição hostil, meio infantilóide, só vai nos manter no horror do subdesenvolvimento. Devemos deixar para trás os conceitos próprios da época da Guerra Fria, que ditavam nosso relacionamento com Washington. Hoje já se vê um progresso por parte dos americanos, que não mais apoiam tentativas autoritárias na América Latina.

* Os atuais movimentos indigenistas na América Latina, como o do subcomandante Marcos em Chiapas, no México, e o de Evo Morales, na Bolívia, no fundo o que fazem é usurpar a representatividade dos indígenas. Eles utilizam uma demagogia tipo populista e racista, muito perigosa na região, que, como disse o grande escritor José María Arguedas, ‘é um mundo de todos os sangues’, riquíssima por sua diversidade cultural, de raças e línguas. O problema no continente não é racial, mas sim econômico e social, assim deve ser encarado e resolvido. O têrmino racial é muito perigoso, é como jogar gasolina no fogo. Esses movimentos querem é chegar ao poder, por meio de uma demagogia que já fez muitos estragos na humanidade. Declarar guerra aos brancos não vai resolver o problema da injustiça. Vai é nos precipitar em guerras intestinas e nos empobrecer ainda mais.

* O século vinte assistiu o fracasso das tentativas para materializar as chamadas utopias coletivas. E quando tentamos materializar a utopia de uma sociedade perfeita, isso só nos leva ao apocalipse. Por exemplo, no século vinte a utopia das raças perfeitas conduziu ao extermínio e o holocausto. A utopia totalitária do comunismo, teóricamente generosa, acabou no Gulag, gerações inteiras sacrificadas sob o pretexto da felicidade. Digo que no plano individual a utopia é realizável por meio da criação artística, mas no plano social e política, acredito, está fadada ao fracasso.

A festa das palavras de Vargas Llosa

Tradutor de quatro livros do escritor peruano Mario Vargas Llosa (os romances A Festa do Bode, O Paraíso na outra esquina e Conversa na Catedral, além de A Linguagem da Paixão, ensaios) eu o vi pela primeira vez e com ele falei, ao final de uma conferência e noite de autógrafos numa livraria do elegante bairro de Palmas, ao sul da Cidade do México, há dois anos, quando lançava a edição local do seu romance La Fiesta del Chivo.

Na verdade, mal pude conversar com Vargas Llosa, tal o assédio feminino ao seu redor, com empurrões, tapinhas, beijinhos e na certa alguma furtiva beliscada no sessentào grisalho e ainda ‘guapetón’ (bonitão).

Apresentado meio de longe pelo pessoal da editora Alfaguara, ‘don Mario, aquí está su tradutor en Brasil’, recebi de volta um sorriso cálido e uma frase rápida em bom português: ‘Já sei como vai chamar o livro no Brasil. A Festa do Bode, não é?’

É, respondi, também aos trancos, e vi Vargas Llosa sumir naquela suave noite mexicana, acompanhado por um batalhão de admiradores (as). Não antes sem me dizer, ainda no sufoco e em espanhol, ‘si necesistas aclarar alguna duda en el libro, mandame un fax.’ (Ainda não eram tempos de e.mail)

Dúvidas, e angustiantes, todo tradutor sempre tem até até o final da tarefa, por mais experiente que seja ou por mais afiados que sejam seus conhecimentos de determinada língua.

Contudo, quem sabe não querendo incomodar o grande escritor, nunca o consultei, tratei de resolver os problemas, no fundo menores, da melhor maneira possível.

Agora volto a reencontrar Vargas Llosa, outra vez no México, e dessa vez pude conversar um pouco mais com ele, entrevistá-lo para esta revista e perguntar-lhe, com menos sobressaltos, sobre as traduções de seus livros ao redor do mundo, como administra o processo, que resultados tem tido na transposição de sua obra a outros idiomas.

‘Não costumo chatear meus tradutores’, ele diz de uma forma brincalhona. ‘Não sou daqueles escritores que exigem revisar tudo, nem tenho tenho tempo hábil para isso. Mas uma coisa eu espero, sem dúvida: fidelidade!’

Fidelidade ao seu texto, esclarece, mas respeitando a natureza de outros idiomas. ‘Espero que o tradutor tenha também imaginação e inventividade na hora de procurar a melhor solução, a mais adequada a sua própria língua, ao mesmo tempo respeitando o meu original literário.’

Terei respeitado essa fidelidade a que se don Mario? Ele conhece a língua portuguesa, leu muito para escrever seu romance A Guerra do Fim do Mundo sobre Antonio Conselheiro, tem amigos no Brasil. Vargas Llosa responde que pouco ou nada conhece das traduções brasileiras, pelo menos as mais recentes. Faz uma queixa carinhosa, ‘a editora nunca me manda exemplares, não poderia analisar seu trabalho de uma forma mais ampla, mas em princípio, tudo bem, sei que tenho leitores no Brasil.’

Curioso, ele aproveita e me pergunta se tive dificuldades na tradução de seus livros, mas quando ensaio uma resposta, alguém vem por trás, o agarra pelo braço e o leva embora, para outra atividade, seu programa de trabalho é rigoroso, mais uma conferência, outra coletiva de imprensa. ‘Mucho gusto, mucho gusto’, e de repente quase fico falando sozinho.

Felizmente, eu teria respondido a Vargas Llosa, as dúvidas em geral se concentravam na riqueza de seu vocabulário, não na sintaxe, cristalina, ou na inventidade como romancista, sem fantasias herméticas. Escreve bem, é veloz, claro e preciso, sem prescindir da elegância de estilo como o bom jornalista que sempre foi e continua sendo.

De fato, é na escolha das palavras que Vargas Llosa pode dar um baile no tradutor menos paciente e informado sobre a enorme e deslumbrante variedade léxica do espanhol falado e escrito na América Latina.

Com toda certeza encantado ao manejar com destreza os infinitos recursos do idioma, ao longo de seus romances, sobretudo em A Festa do Bode, ele usa termos espanhóis, dominicanos, mexicanos, peruanos, cubanos e por aí afora. Descreve comidas e bebidas de diferentes pontos da região com meticuloso conhecimento de ingredientes e temperos. Dá a sensação, nesses momentos, de estar sentado a mesa desfrutando do conteúdo de pratos e copos.

Termos que minha mulher Guadalupe, mexicana, as vezes não conhecia bem, outras vezes parecia constrangida em traduzir ao mexicanês, podia talvez imaginar do que se tratava pelo sentido geral da frase – armadilha sempre a espreita do tradutor mais apressado. Dicionários ajudam, e muito, mas é preciso também, muitas vezes, consultar gente de países vizinhos para não cair em soluções inadequadas ou menos próximas do original.

Um exemplo: ao narrar as perversas façanhas eróticas do ex-ditador Rafael Leonidas Trujillo Molina, o Pai da Pátria da República Dominicana, no livro A Festa do Bode, Vargas Llosa usa a palavra coño, muito popular na Espanha, mas não na América Latina. Pode até ser entendida por um panamenho, um mexicano, um equatoriano, mas não é de uso corrente nesses países.

Assim, pode significar vagina em sua forma mais vulgar – e sonora – no Brasil, xoxota, como pode ser um simples exclamativo, algo parecido ao nosso porra! Tudo dependia da situação em que o autor descrevia o envelhecido generalíssimo, próstata inchada, bexiga gotejante, brincando na cama com ‘el coñito fresco’ de alguma ninfeta raptada de um pai inimigo do regime, ou querendo, aos gritos com algum aspone atarantado e servil, demonstrar surpresa, autoridade, indignação.

Diferenças sutis, a propósito, que devem ser discutidas e esclarecidas com os preparadores e revisores de uma tradução, esse pessoal anônimo e dedicado que limpa, afina, depura, melhora enfim, o trabalho do tradutor. Ou então estropia um bom esforço original. Aspecto delicado da pedreira cotidiana do tradutor que críticos e resenhistas em geral ignoram.

Ao tradutor cabe passar a equipe de retaguarda a informação dos significados mais recônditos de um termo, uma palavra, principalmente se mora no país da língua de origem do livro, como é o meu caso, o México e seu espanhol peculiar.

Nesse indispensável intercâmbio semântico tive o privilégio de trabalhar, durante quinze anos, aí incluídas minhas quatro traduções dos livros de Vargas Llosa, quatro de Octavio Paz e cinco de William Faulkner, com jovens e finas preparadoras formadas na escola da competência e sensibilidade do editor Pedro Paulo de Sena Madureira, na antiga Siciliano. Talvez por isso Mario Vargas Llosa, conhecendo seu editor brasileiro, não tenha se preocupado muito com o resultado final das traduções de seus livros ao português.

‘Gracias, don Mario’, ainda tive tempo de dizer ao escritor, quando ele, de novo, desaparecia rápido, agora numa fria manhã da Cidade do México.’



ENTREVISTA / MARLENE MATTOS
Carol Knoploch

‘Pisar na vaidade é seu exercício diário’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/04/04

‘Marlene Mattos, uma das diretoras mais poderosas da TV brasileira, comprou seu primeiro televisor a prestações, quando tinha 12 anos. Antes, no interior do Maranhão, quando morava com a avó, tinha de andar três quilômetros para chegar à única casa da cidade que tinha uma TV e assim espiar pela janela. Conta que muitas vezes, quando uma multidão se aglomerava do lado de fora, tentando decifrar as imagens da tela, a dona do aparelho fechava a janela. ‘Restavam as frestas’, comenta Marlene, hoje com 54 anos e com televisor em todos os cômodos da casa.

O que aquela proprietária do televisor não imaginava, naquele início de anos 60, é que uma das garotinhas da platéia que ela esnobava ajudaria a construir um mito como Xuxa e depois teria nas mãos o poder de mandar na programação de uma rede nacional de TV: após 22 anos de Globo, Marlene fechou contrato de 2 anos com a Bandeirantes como diretora-artística.

Trabalha das 9 horas à 1 da madrugada e, além da TV, gerencia a carreira de mais de 30 artistas.

Ainda com 12 anos, quando a família se mudou para o Rio, Marlene voltou ao convívio da mãe – que casou três vezes e teve 7 filhos; o pai fez outros 10 . Não viajou em pau-de-arara, mas veio ao Sudeste ‘em busca de alimento’.

Estudou Direito, Psicologia e Propaganda e Marketing. Não terminou, porém, nenhum dos cursos. Antes de chegar à TV, como produtora na (extinta) TV Manchete, trabalhou em uma fábrica de roupas na área de contabilidade.

Define-se como ‘brutamontes’. E sua fama, de fato, não é das mais simpáticas. Mas, nesta entrevista exclusiva ao Estado na sede da Band, em São Paulo, exibiu outra faceta: até que Marlene não é tão brava assim!

Bem-humorada e alegre, falou sobre as mudanças no novo endereço e elogiou sua antiga casa. De calça jeans e camisa branca, seu uniforme – ‘Eu até poderia comprar a roupa que quisesse, mas não seria eu’ -, recebeu a reportagem com uma única condição: nada de fotos. ‘Não sou fotogênica.’

Estado – Você trabalhou muito tempo na Globo e agora está numa rede mais modesta. Quais as vantagens e desvantagens de estar em um canal ‘menor’?

Marlene Mattos – Sou uma mulher de sorte. Nasci em São José do Ribamar, uma cidadezinha do Maranhão. Meus pais eram separados e morei com a minha avó, mais no interior ainda. Só fui para a cidade grande quando eu tinha 12 anos.

Quando nós mudamos para o Rio, fomos para o subúrbio Parada de Lucas. Saímos do Maranhão, não em pau-de-arara, mas em busca de alimento. Então, para mim, não tem essa coisa de lugar pequeno, lugar menor… Não me importo com isso, mas sei as diferenças. A Globo foi uma grande escola para mim e por isso posso estar onde estou hoje, numa emissora pequena, menor. Saí de lá por opção. Queria dar um giro no mercado. Trabalhei 22 anos na Globo e aprendi a fazer televisão lá. E a ironia é que eu fui ter o meu primeiro televisor aos 12 anos. Antes, andava três quilômetros até a única casa da cidade que tinha uma TV. Quando comecei a trabalhar, uma das primeiras coisas que fiz foi comprar uma televisão a prestação. Confesso que cheguei a fazer o mesmo que a dona que fechava a janela. Quando via minha mãe na frente do meu aparelho, eu o desligava.

Estado – É mais fácil sugerir mudanças na Band?

Marlene – Nunca fui engessada na Globo. Nunca ninguém me chamou a atenção.

Estado – Mas isso pode ser ruim…

Marlene – Me dava a certeza de que estava no caminho certo. Sou uma pessoa que brigou para ter tudo o que tenho.

Estado – Quais as novidades que sugeriu na grade?

Marlene – Quero ter uma grade variada. E é claro que tenho a preocupação com a estética. Televisão é imagem. Passei anos em uma emissora que tinha essa preocupação, um padrão alto de qualidade. Minha primeira interferência foi cuidar da estética, desde a iluminação até o cenário.

Estado – O que gostaria de já ter mexido e não pôde?

Marlene – Tudo que tiver de ser mudado será. Estou aqui há menos de três meses e não sou mágica. É muito fácil errar. Não que eu não possa errar. Só não erra quem não faz nada. Não tenho pressa e não vou dar a minha cara para bater só porque tem gente que quer que eu seja mágica. Agora vou me dar cinco minutos para não ser modesta: tenho 90% de resultados positivos na carreira. Aceitei o convite da Band de coração e vou colocar em prática o que aprendi a fazer. Sei que existe a cobrança da audiência, mas não vou cair nesta armadilha.

Estado – A troca da Olga Bongiovanni pela Viviane Romanelli deu certo?

Marlene – Não tive nada a ver com a contratação da Vivi (sua agenciada). Ela chegou antes de mim. Aliás, conheci o pessoal da Band por causa dela. Acho que os telespectadores precisam ter paciência com a Vivi. Antes, tinha 30 minutos para vender sei lá quantos produtos. Era uma metralhadora, foi treinada para isso, para vender. Agora tem 2h30 para falar de vários assuntos.

Estado – A Band tem mesmo interesse no pessoal do ‘Pânico’?

Marlene – Eu tenho. Gosto de gente talentosa. Se o Pânico não vier para cá, vou achar pessoas tão talentosas quanto eles e criar um similar do Pânico.

Quero eles aqui e se tiver problemas comerciais nessa transação vamos resolvê-los.

Estado – Por que resolveu investir na Preta Gil?

Marlene – Estou pouco ligando se as pessoas vão concordar comigo ou não. A Preta Gil é a oportunidade de a gente ter uma Oprah (Oprah Winfrey, famosa apresentadora norte-americana). Ela é muito talentosa. Sou neta de chinês com índio e respeito as minhas intuições. No futuro as pessoas vão dizer que eu tinha razão.

Estado – O que o Fábio Jr. e a Luíza Tomé farão na Band?

Marlene – Gostaria de fazer um sitcom com eles. Mas não há nada acertado.

Estado – E o Fabiano Augusto (garoto-propaganda das Casas Bahia)?

Marlene – Se o Fabiano não fizer o infantil O Menino da Calça Verde na Band, fará em outro lugar. O projeto é meu e o programa é a cara dele. Só ele pode fazer. Igual ao caso do Chitãozinho e Xororó, que vão estrear uma atração minha na Record. O programa é tão lindinho… é ambientado em uma floresta.

Fabiano é um elfo que tem de descobrir crianças que possuem o Trevo Cintilante e que por isso são especiais. A idéia é fazer com que as crianças descubram seus trevos, suas vocações, que acreditem mais em si próprias.

Quero criar uma fantasia porque acredito que todos têm fantasias.

Estado – E o programa do Romário? E a Luma de Oliveira?

Marlene – Fiz um convite para a Luma para apresentar um programa de entrevistas. Ainda não me respondeu. Sobre o Romário, estamos aguardando vender o projeto, que tem de ser realizado no Rio, onde ele mora. Ele apresentaria um programa esportivo com duas outras pessoas, que ele escolheria. Achei ótimo quando o Romário me alertou que nunca havia feito algo do gênero mas disse que gostaria de aprender. Não há nada que não se aprenda quando se tem boa vontade.

Estado – A Band tem interesse em investir em reality show?

Marlene – Interesse eu tenho, mas tem de ser feito direito. E para fazer direito, é preciso ter muita grana. Se não, deixa que a Globo faz porque eles fazem direitinho… Eu tô fora de pagar mico!

Estado – Como pretende acomodar todas essas atrações na grade? Vai diminuir o ‘Boa Noite Brasil’?

Marlene – Se tiver que diminuir o tempo de alguém, não sou eu quem vai decidir. Posso até sugerir, mas não decidirei nada. Preta Gil, por exemplo, já tem horário na grade. Todas as outras idéias ainda são idéias, mas eu gostaria que fossem para frente. Estou apresentando projetos e, se eles forem tomar o espaço de alguém na grade, a casa é que vai definir as mudanças.

Estado – Seja sincera: o que você acha do Jorge Kajuru?

Marlene – Acho o Kajuru um personagem (risos). Não o vejo falando de outro assunto que não seja futebol. E por isso o acho honesto.

Estado – O Datena criticou o Ibope no ar. Depois, os bispos da Igreja Universal. A audiência do ‘Brasil Urgente’ beira os 3 pontos. O que acontece com ele?

Marlene – Desde que cheguei aqui percebi que o assunto não o agrada mais como antigamente. É muito difícil ficar imunizado quando se convive diariamente com casos de estupro e assassinato. Quero ter a chance de mostrar para as pessoas como o Datena é um ser humano admirável. Já o vi na sala dele chorando e desabafando porque não agüenta mais falar de violência.

E olha que ele é o melhor neste estilo. Nem o Marcelo Rezende, que eu acho um excelente jornalista, o vence. E aqui não me refiro ao ibope. O Datena acha que, mesmo denunciando, sua contribuição para a população era pequena.

Então resolvemos mudar um pouco o formato do programa e colocar uma arena na primeira parte para a discussão e orientação sobre assuntos variados. Claro que é uma forma de recuperar a audiência de sua atração. Mas garanto que isso não foi o fundamental.

Estado – Existe a possibilidade de a emissora se livrar do ‘Show da Fé’ do R.R. Soares?

Marlene – Não quero me livrar, não! O Show da Fé é a minha primeira linha de shows. A segunda é Gilberto Barros (risos). O que tem nas outras emissoras no horário do Show da Fé? Novela ou jornalismo. Eu lá tenho dinheiro para disputar com as novelas da Globo? Não que eu seja viúva da Globo… E já foi provado inclusive que não basta ter só dinheiro para fazer uma boa novela. É preciso gente especializada, casting e bom senso. Senão, é aventura. Se eu tivesse alguma atração esportiva e o horário vago, poderia até me atrever.

Estado – Mas o vice-presidente da Band, Marcelo Parada, diz que a emissora quer investir na dramaturgia.

Marlene – Tomara que a gente possa fazer alguma coisa neste sentido. Hoje é possível ter um casting legal porque a Globo não tem mais elencos contratados.

Estado – Qual o rival da Band?

Marlene – Quando olho para frente vejo a Record.

Estado – O que achou da campanha da RedeTV! ao comparar seus ibopes com os da Band em anúncios nos jornais?

Marlene – De vez em quando a RedeTV! joga umas pedras na gente, mas nos esquivamos (risos). Nem vi os anúncios. Juro pela minha avó que já morreu e que foi a pessoa que mais amei na minha vida… Fiquei sabendo e achei saudável. Se você não tem com quem brigar, não tem graça. É legal ser provocado assim. Acredito que a Globo e a Bandeirantes são as únicas redes de televisão no Brasil na concepção da palavra. São fim, têm uma finalidade, um objetivo. As outras são meios. Meios para chegar a algum lugar, para conseguir tal coisa… Não que eu não tenha coragem para dizer diretamente, mas acho que não é o momento para brigar.

Estado – Qual o pior programa da televisão brasileira?

Marlene – Um monte… Para mim, o pior é aquele que eu teria vergonha de assinar.

Estado – Acha bom o ibope da Band, que não passa dos 4 pontos?

Marlene – Não sei se o ibope que tem hoje é o que merece. Tenho contrato de dois anos com a Band. Chego às 9 horas e vou até a 1 da madrugada. Vou trabalhar neste ritmo até o final do meu contrato para melhorar o ibope. Não sei te dizer até que número quero chegar. Na Globo eu só perguntava:

‘Ganhamos ou perdemos?’ Nunca quis saber a diferença numérica. O que sei é que eu quero estar no pódio, entre os três. Depois disto, é tudo enganação.

Estado – Qual a sua rotina?

Marlene – Às vezes trabalho sábado e domingo também.

Estado – Quando tem tempo para você mesma?

Marlene – Não tenho tempo por enquanto, mas vou ter. Quero trabalhar neste ritmo até os 60 anos.

Estado – O que você gosta de fazer?

Marlene – Jogar buraco, conversar com os amigos, sair para ver exposições e pessoas… e também ficar em casa vendo TV, claro! É um pouco contraditório, eu, brutamontes, conseguir fazer amigos. Mas tenho muitos amigos.

(Uma amiga de mais de 20 anos, que está na sala, interrompe a entrevista) Ana Gouveia – Quando ela fica em casa, gosta de ver televisão. Até nas viagens. Uma vez em Paris disse para os amigos que eles teriam de arrumar um bom programa para tirá-la da frente da TV.

Marlene – Quando vou a Nova York gosto de ver TV de segunda a domingo para saber como é a programação local. Só na segunda semana é que vou para a rua…

Estado – A quantas horas de TV assiste por semana?

Marlene – Mais do que 12 horas por dia. Quando eu acordo, umas 8 horas, já ligo a TV. Tenho um aparelho em cada cômodo.

Estado – Como se define? Como brutamontes?

Marlene – Sou mesmo. Mas minha obsessão é caçar talentos.

(A amiga interrompe de novo) Ana Gouveia – Os sentimentos da Marlene afloram de forma repentina e também vão embora muito rápido. Tanto a raiva como o carinho.

Marlene – Tenho uma amiga de longa data a quem um dia eu disse: ‘Tô cansada de você. Vamos tirar férias uma da outra?’. Uns 40 dias depois ela me ligou e perguntou se a gente já não deveria voltar a se falar. Na seqüência tocou a campainha da minha casa e eu adorei a surpresa. Sou assim: tenho um gênio muito ruim. Dirigindo, sou um bicho, mas, saindo do trabalho, mudo completamente. Acho que sou a minha história. Luto pelo que quero. E consigo tudo.

Estado – Com quem você gostaria de trabalhar e ainda não conseguiu?

Marlene – Quando quero uma coisa, só sossego quando consigo. Eu não discuto, eu brigo. Não sou prepotente, mas te digo que não existe esta pessoa. Todo dia, quando acordo, além de ligar a TV, piso na minha vaidade. Não posso ser arrogante.

Estado – E da Xuxa, você tirou férias ininterruptas?

Marlene – A Xuxa é uma amiga do passado. Se os nossos destinos se cruzarem de novo… Por enquanto, cada uma segue o seu caminho.’