Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A estranha quase morte de Mikolaj Przybyl

Até aonde minha juvenil experiência de leitor é capaz de indicar, às vezes, mas poucas vezes, um fato é tão extraordinário que, por si só, ultrapassa as barreiras do jornalismo descartável. Depois que a revista piauí inaugurou para todo o planeta o caso Sean Goldman, por exemplo, passou a ser impossível a quaisquer edições descartáveis tratar do assunto como se fosse apenas mais um pedaço de lixo. Isso não se deveu à inegável competência da New Yorker brasileira, mas, simplesmente, aos elementos extraordinários que estavam, por si sós, no fato. Não havia na narração da tragédia, como em Sófocles não há, elementos simultaneamente excedentes e indispensáveis. Ou a história era bem contada, ou não seria absolutamente compreendida. Nos domínios da escrita ocorria uma luta titânica entre o extraordinário e a objetividade – para não falar do exíguo, que sempre melhora a diagramação dos anúncios coloridos.

Foi possível observar a derrota generalizada nas batalhas contra o limite de toques. Ela vigorou até o caso, finalmente, ser dominado pelo conhecimento público. Em certo momento, tanto quanto é dispensável falar dos 365 dias para satisfazer o uso inteligível da bem conhecida palavra inverno, o nome do menino deixou de exigir as explicações e as explicações das explicações. Este jovem leitor, que se odeia por não saber polonês, vê semelhanças entre Goldman e Przybyl. E percebe, nos dois casos, uma ligeira vantagem do exíguo. Senão, vejamos.

Mikolaj Przybyl, até então jamais imaginado em Florianópolis, foi encontrado em 9/1 com uma bala na cabeça. Lech Kaczynski, então presidente da Polônia, com minoria no parlamento, teve o corpo trucidado pelo Tupolev que o transportava, na base aérea russa de Smolensk [10/04/10]. Jaros?aw Kaczynski, irmão de Lech e primeiro-ministro até novembro de 2007, quando assume Donald Tusk, perdeu para Bronislaw Komorowski as eleições que se seguiram à morte do presidente. Tusk, que não foi a nonagésima sétima vítima em Smolensk, continua primeiro-ministro até agora.

“Acidente” e “tentativa de suicídio”

Assim, a geopolítica meso-europeia, do independentismo polaco à subordinação à Rússia, marcada pela transição Kaczynski e Kaczynski (2006-2007) / Kaczynski e Tusk (2007-2010) / Komorowski e Tusk (2010-presente), leva alguns leitores a pensar, imediatamente, nas relações entre a objetividade, o refresco, a pimenta, o suicídio e o acidente.

Obviamente, ninguém deseja assumir hipóteses improváveis, mas a acusação de Jaros?aw Kaczynski de que Tusk esconderia, colaborando com a Rússia, a verdadeira causa do desastre de Smolensk, e o fato de Mikolaj Przybyl estar em meio a uma coletiva de imprensa sobre esse mesmo assunto, abruptamente interrompida minutos antes dele ser encontrado com uma bala na cabeça, leva a pensar se os termos “acidente”, para adjetivar os 96 mortos em Smolensk, e “tentativa de suicídio” para justificar a sanguinolência de Przybyl, são mesmo os mais apropriados. De fato, ninguém saiu vivo do Tupolev examinado pelas autoridade russas e ninguém, além da vítima, presenciou o tiro.

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[Rodrigo Panchiniak Fernandes é professor membro do Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico e de Pesquisa das Faculdades Borges de Mendonça, Florianópolis, SC]