Não constituem, por si, prova de irregularidades as movimentações financeiras “atípicas” identificadas em contas bancárias de pessoas físicas ou jurídicas.
Um depósito mais elevado que o habitual pode ser fruto de doação, herança ou transação comercial perfeitamente lícita. Deve-se considerar, portanto, com cautela o relatório do Coaf –órgão ligado ao Ministério da Fazenda que monitora essas operações – relativo à vida bancária de membros do Judiciário.
A peça, que abrange o período de 2000 a 2010, foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal pela corregedora Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça.
O intuito é rebater a acusação, levantada por entidades de classe, de que o órgão teria violado o sigilo financeiro de magistrados – uma vez que o documento não identifica nenhum indivíduo. Ao mesmo tempo, o CNJ procura reiterar a existência de indícios que justificariam a continuidade de apurações interrompidas provisoriamente por decisão de membros do STF.
Como se sabe, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar que priva o CNJ do poder de investigar a vida financeira de juízes, por considerar que deveria protegê-los de eventual violação. Já o ministro Marco Aurélio Mello, em outra liminar que restringiu a atuação do órgão, entendeu que magistrados não poderiam ser alvo de apurações por parte do Conselho sem que antes fossem investigados pelas corregedorias dos tribunais em que atuam.
O documento apresentado por Calmon traz, sem dúvida, situações que pedem esclarecimentos.
Três pessoas, por exemplo, duas delas vinculadas ao Tribunal de Justiça Militar de São Paulo e uma ao Tribunal de Justiça da Bahia, movimentaram R$ 116,5 milhões em um único ano – 2008. Em 2002, alguém ligado ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio, movimentou R$ 282,9 milhões.
Além disso, sempre segundo o relatório, R$ 274,7 milhões das movimentações consideradas atípicas, num total de R$ 856 milhões, foram realizadas em dinheiro vivo.
Se nada é conclusivo, constata-se, ao menos, a existência de operações questionáveis. O documento junta-se, assim, a outros levantamentos de ações suspeitas, como os pagamentos privilegiados feitos a juízes, por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo – que promete encontrar meios para corrigi-los.
É natural que as investigações do CNJ despertem temores e reações corporativas no Judiciário. O Conselho não deve, por certo, acumular poderes ilimitados, mas seria um retrocesso reduzir sua autonomia para acompanhar o desempenho administrativo de juízes e tribunais.
É de esperar que, ao retornar do recesso, o STF, que decidirá sobre a extensão das atribuições do CNJ, vote a favor da prerrogativa do órgão de abrir investigações quando considerá-las necessárias.