Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A política na Cracolândia

Não levou mais do que duas semanas, e a operação “Centro Legal”, deflagrada para dissolver as aglomerações de viciados na região de São Paulo conhecida como Cracolândia, diz exatamente a que veio.

Segundo os jornais desta terça-feira, dia 17, o assunto inaugura prematuramente a campanha eleitoral de 2012: por orientação do governador Geraldo Alckmin, os quatro postulantes à candidatura do PSDB à prefeitura da capital paulista fizeram ataques ao governo federal e ao Partido dos Trabalhadores, afirmando que o problema tem origem na falta de segurança das fronteiras nacionais. Os discursos foram a primeira resposta articulada a uma crítica do ministro da Educação, Fernando Haddad, que considerou “desastrada” a operação policial.

Ao explicitar e dar destaque ao processo de politização do problema, a imprensa abre duas possibilidades: a de ampliar os debates sobre a questão do tráfico de drogas, com todas as suas intercorrências, e a de circunscrever as discussões a manifestações de candidatos e representantes de partidos políticos.

A estreia dos candidatos na discussão não acrescenta informações que possam ser levadas em conta, uma vez que tudo que se diz em campanhas eleitorais tem apenas o propósito de sensibilizar o eleitor, e geralmente os conteúdos de campanha são pautados por marqueteiros e assessores de comunicação, que não têm o mesmo compromisso com a verdade que supostamente condiciona o trabalho do jornalista.

Entre uma e outra possibilidade vai uma enorme diferença.

Se conseguir estender a gama de informações e opiniões para além da operação policial, levantando questões como o financiamento do tráfico, o controle do fluxo de dinheiro do crime e o papel desempenhado por policiais corruptos no quadro de impunidades, a imprensa estará ajudando a sociedade a avançar na solução do problema.

No entanto, se entrar no prematuro jogo eleitoral, a imprensa vai apenas ajudar a encobrir os aspectos mais importantes desse drama que impede a recuperação da região central de São Paulo e arrasta para o vício milhares de jovens de todo o país.

O pré-candidato petista Fernando Haddad não contribui para o debate com uma frase vazia como “a operação policial foi precipitada”. Se quer aprofundar o debate, deve convocar uma entrevista oficial e falar como educador e como ministro.

Os candidatos a prefeito apoiados pelo governador paulista foram o orientados a abordar a questão por causa de pesquisas indicando que a maioria dos paulistanos aprova a ação policial. Mas consultas desse tipo, feitas no calor emocional, refletem apenas a falta de informações. São do mesmo tipo daquelas que pedem a pena de morte e aprovam operações violentas da polícia, desde que não sejam na sua vizinhança.

Um velho vício da imprensa

Seguindo o roteiro iniciado no primeiro dia útil do ano, os jornais paulistas acompanham a rotina dos confrontos entre policiais e usuários de drogas, o que funciona como entretenimento para os leitores mas, isoladamente, não dá grande contribuição para formar opiniões.

Entregues à lassidão provocada pela droga, os viciados têm até aqui reagido passivamente, simplesmente caminhando para outros lugares onde possam fumar seus cachimbos sem serem molestados.

Mas os dois principais diários registram, nesta terça-feira, que pela primeira vez os acossados se organizam para enfrentar a polícia, apesar de suas frágeis condições físicas. Dois policiais militares foram atacados por dezenas deles, após mais uma abordagem agressiva, o que é um sinal de que a estratégia de provocar “dor e sofrimento” pode ser revertida a qualquer momento, resultando em confrontos mais graves.

O que funciona como informação é outro tipo de reportagem, como a que produziu a Folha de S.Paulo, esclarecendo que o tratamento contra o vício do crack ainda é um desafio para a medicina. Segundo o jornal, não há remédios específicos para a redução da dependência de crack e cocaína, e são verificados resultados positivos em apenas um terço dos pacientes.

Uma experiência bem sucedida já aplicada na Cracolândia, que misturava processos de desintoxicação com múltiplas ações terapêuticas, foi abandonada sem justificativa oficial embora tivesse conseguido dobrar a taxa de adesão ao tratamento, segundo fonte citada pela Folha.

Também contribui para ampliar a percepção do problema por parte do leitor a série “O desafio do crack”, publicada regularmente pelo Estado de S.Paulo. Ao manter o tema como pauta permanente, o jornal lembra que se trata de um problema crônico, que persiste há mais de uma década.

Os “diários da Cracolândia” publicados pelo Estadão ajudam a humanizar os personagens envolvidos no drama. Mas o risco de essa pauta sensível ser contaminada por declarações oportunistas de candidatos e seus marqueteiros renova-se todos os dias, como um velho vício do qual a imprensa também tem dificuldade para se livrar.