’26/04/2004
A Folha trouxe a manchete de maior repercussão deste fim-de-semana: ‘Teles negociam compra da Embratel para subir preços’. Os documentos encontrados pela polícia na Telemar e revelados pela Folha mostram que acordos secretos entre as três concessionárias de telefonia fixa para a compra da Embratel prevêem o aumento das tarifas assim que for liquidada a concorrência. ‘O Estado’ deu manchete para transportes no domingo (‘Sem investimentos, País vive a ameaça do apagão no transporte’) e, hoje, para a reunião dos governadores (‘Governadores ameaçam ir à Justiça contra a União’). ‘O Globo’ deu manchete para adulteração de gasolina no domingo (‘Fraude em combustíveis no RJ envolve 30 distribuidoras’) e para o FMI hoje (‘FMI testará no Brasil nova regra para contas públicas’). A manchete de domingo da Embratel tem repercussão hoje nos dois concorrentes, embora só o ‘Globo’ cite a Folha. As revistas tratam do consumo de drogas (IstoÉ), da corrupção nas prefeituras (Veja) e a doce vida de FHC (Época).
Improviso
Está evidente que a repercussão de hoje da manchete de domingo sobre a compra da Embratel foi improvisada. Isso acontece com a Folha com alguma freqüência. O jornal faz um esforço enorme para ter um bom material no domingo e se esquece de continuá-lo na edição de segunda. A importância do assunto exigia o planejamento da edição de hoje. A repercussão ficou sujeita ao acaso: foi ouvido quem a Redação conseguiu catar num domingo. Por isso, a própria manchete é fraca e meio óbvia: ‘SDE vai usar documentos da Telefônica em apuração’. . Faltou ouvir os Estados Unidos (MCI, tendência da corte de falência, especialistas) e o México (Telemex). . Faltaram mais reportagens produzidas a partir do material apreendido pela polícia e que está com o jornal (são mais de 80 quilos de documentos). É de se imaginar que tenha ainda muitas informações importantes não divulgadas. O jornal deveria ter saído hoje com mais documentos. . Faltaram bastidores das duas outras teles que devem estar irritadíssimas com os descuidos da Telefônica. . E faltou análise, um texto que mostrasse como este episódio escandaloso é apenas mais um capítulo na guerra pelo domínio do mercado brasileiro de telefonia.
Arte
Mais uma evidência da improvisação: a arte de hoje (‘Entenda a venda da Embratel’) é praticamente a mesma de ontem.
Projeto Carnaval
A apreensão pela polícia dos papéis da Telemar possibilitou três revelações importantes destacadas pela Folha na edição de domingo: a compra da Embratel pelas três teles que hoje dominam o mercado brasileiro eliminará o que resta de concorrência e possibilitará que nivelem as tarifas telefônicas ‘pelo teto’; elas pretendem diluir os custos de aquisição da Geodex, uma das empresas que participa da engenharia montada para o negócio, com os acionistas minoritários da Embratel, o que contraria os interesses destes acionistas; e elas têm acordos secretos que mostram que dominarão de fato a empresa compradora da Embratel, apesar de não poderem fazê-lo porque já são concessionárias. Para o consumidor, o que interessa de fato é o primeiro ponto e, portanto, a Folha agiu certo em destacá-lo. Os dois outros pontos, no entanto, também são importantíssimos, embora de mais difícil compreensão para os que não dominam a complexidade do jogo empresarial. Por isso, acho que esta parte deveria ter merecido mais esforço didático. Senti falta de uma arte que mostrasse a engenharia montada pelas três teles com a Geodex. As quatro montaram um consórcio que forma uma holding, (Gavle) que controla uma empresa (Calais) que controlará a Embratel. Só entendendo esta engenharia é possível se perceber as artimanhas descritas nos papéis confiscados. E, acho, a melhor forma de entender a estratégia é através de uma arte.
Bastidores do negócio
Senti falta, no material das teles de domingo, de mais informações sobre a operação policial e dos bastidores que estão por trás desta disputa (‘Papéis expõem bastidores do negócio’).
‘Valor’
O jornal antecipa o parecer da MCI que recomenda ao tribunal de falências de NY que a Embratel seja vendida à Telmex. Reportagem de São Paulo.
Transparência
A informação de que a entrevista com Iasser Arafat foi feita por um repórter que viajou a convite da representação diplomática da Autoridade Nacional Palestina em Brasília deveria estar registrada já na capa do caderno Mundo de domingo e não no pé de uma sub (A22, a reportagem com brasileiros na Palestina). A informação na capa, além de garantir a transparência recomendada no Manual, ajudaria o leitor a entender a cautela do jornalista em suas perguntas. A que abre a seqüência da entrevista, na página A22, não é uma pergunta, mas uma deixa para Arafat. Como o objetivo aparente da entrevista era dar voz a Arafat e aos palestinos, não há contestações às respostas do líder. O Manual recomenda perguntas diretas e ousadas (pág. 40). Não vi isso. Até entendo a dificuldade de se fazer uma entrevista desta nas circunstâncias de uma viagem a convite, em uma região de extrema tensão e com um personagem prisioneiro. Por isso mesmo, teria sido melhor outro formato para o material que não o tradicional pingue-pongue que implica em objeções e na identificação de contradições.
Corruptos da América Latina
A tradução da reportagem da Reuters em Miami (‘Flórida caça corruptos latino-americanos’, Mundo, A25 de domingo) poderia ter vindo acompanhada de um material próprio da editoria com a nova comissão anti-corrupção com questões relativas ao Brasil. Eles já estão investigando os nossos corruptos?
FMI
Olhando para trás, fico com a impressão que ‘O Globo’ estava mais bem informado do que a Folha em relação às chances de mudanças imediatas nos cálculos de superávit primário, como foi anunciado ontem em Washington. Na edição de quinta, o jornal do Rio foi o único que deu destaque para o estudo que o Fundo fazia: ‘Tensões sociais na mira do FMI; Fundo estuda orçamentos de alguns países latinos para liberações na área social’. A Folha escreveu então que o FMI admitia ‘preocupação’ com as chamadas tensões sociais na América latina, mas seu economista-chefe não via solução no curto prazo. ‘O Globo’ se baseou na mesma autoridade para bancar uma informação diferente. É possível que tenha sido uma aposta do ‘Globo’. Mas, pelo noticiário de hoje (‘FMI vai relaxar restrição a investimentos’), estava certo.
Cintas-largas
A Folha continua devendo uma grande reportagem que reconstitua e explique o que houve no garimpo de Rooselvet, onde os índios cintas-largas mataram dia 7 pelo menos 29 garimpeiros. A reportagem principal de ontem (‘Índios alugam monomotor para negociar os diamantes’) acrescenta novos elementos ao caso graças ao conhecimento que o Hudson Corrêa vem acumulando sobre o assunto desde a reportagem de 1º de janeiro. Mas a cobertura continua fragmentada. Falta nexo. Se os índios negociam com contrabandistas, se parte deles permitia a entrada selecionada de garimpeiros, se eles são os primeiros interessados no garimpo ilegal, por que a explosão de fúria e os assassinatos? A antropóloga Carmen Junqueira (pág. 6), que conhece bem o grupo, mas está longe há muito tempo, acha que os assassinatos foram uma resposta a ‘coisas muito graves que aconteceram na área e que não sabemos’
Pode ter haver com humilhações ou desacatos aos índios por parte dos garimpeiros, segundo ela. Enfim, o ponto é que ainda devemos a grande reportagem sobre este que é o maior massacre perpetrado por índios recentemente.
Sem-teto
Fez bem a Folha em enviar repórter para Nova Iguaçu para a cobertura da reunião dos sem-teto (‘Sem-teto critica Lula e promete invasões’, capa de Cotidiano). Este é um movimento que tende a crescer e o jornal está bem informado, como demonstrou nas invasões em São Paulo e agora nesta cobertura.
Skol beats
Não consigo entender porque o jornal envia cinco repórteres para fazer uma cobertura que resulta num texto meramente descritivo de problemas, sem qualquer charme ou diferencial criativo. Pareceu um desperdício. Amanhã deve sair um vasto material em Ilustrada, possivelmente charmoso e criativo. Ou seja: os problemas ficam em Cotidiano num dia, a cobertura musical em Ilustrada no outro e o leitor que junte as coisas.
23/04/2004
Folha e ‘Estado’ dão suas manchetes para o desemprego. A da Folha pouco informa: ‘Desemprego em SP volta a nível recorde’. A do ‘Estado’ materializa o tamanho da desgraça: ‘Desemprego em São Paulo chega a 20,6% e atinge 2 milhões de pessoas’. ‘O Globo’ preferiu manter destaque para o que chama de a guerra do Rio: ‘Granadas do tráfico foram desviadas da Aeronáutica’. O ‘Estado’ também destaca informação que não vi na Folha: ‘Brasil e EUA voltam a negociar Alca’. O jornal informa que os EUA enviaram carta propondo a retomada das negociações. A reportagem é de Genebra. A entrevista de Ilustrada com Tarantino merecia chamada na primeira destacada do bloco de programas de fim-de-semana.
Guia Folha
A Edição Nacional traz um anúncio na capa de um Guia Folha ‘para a festa mais redonda do planeta’ que não acompanha o jornal. Pelo menos, não o que recebi. O que é isso? É só anúncio? É um guia de fato? Foi só para São Paulo ou circulou nacionalmente? Aliás, me pareceu estranho uma promoção desta poder usar a marca Guia da Folha.
Gasodutos
‘Amazônia não é só santuário, diz Lula, ao defender gasoduto’ (Brasil, A4) pedia um mapa da região com os dois gasodutos citados (Manaus-Urucu e Urucu-Porto Velho) e os impactos ambientais previstos.
Detalhe
O jornal tem usado o plural os cinta-larga e não os cinta-largas, como está no Painel de hoje (‘Óleo fervente’).
Cinta-larga
1 – A notícia da reportagem vinda de Porto Velho sobre extração ilegal de diamantes (‘Cinta-larga respondem por extração ilegal’, A5) não deveria abrir apenas com os índios que estão respondendo a processos. Como a reportagem informa, já há um empresário preso aguardando julgamento, um funcionário da Funai que ajudaria na intermediação entre o empresário, dois policiais civis e os índios. Segundo ‘O Globo’, são cerca de 20 envolvidos. Estas informações deveriam ter sido trabalhadas na abertura do texto porque, conforme entendi, todos os casos fazem parte das mesmas investigações. Aliás, esta conexão dá mais força para as acusações do bispo de Ji-Paraná feitas anteontem em Itaici.
2 – O tal funcionário da Funai citado entra na história meio de gaiato. O que existe de fato contra ele? O que significa ser ‘próximo’ do índio Pio? Ele está sendo acusado formalmente? O que a Funai tem a dizer? E o próprio?
3 – E o que faz o índio David Cinta-Larga na foto da Edição Nacional se ele não é citado na reportagem? É calhau?
4 – As reportagens do ‘Estado’ e do ‘Globo’ estão hoje muito mais completas e bem editadas que a nossa.
Aspas
Fernando Henrique ataca Lula, Marta ataca Fernando Henrique. Não tem novidade. O que me pareceu mais importante na entrevista de FHC foi ele ter admitido, com aquele contorcionismo próprio dos políticos, que pode vir a ser candidato a presidente se, se e se.
Padres e sexo
D. Anuar Battisti, que disse ontem que ‘não é o fim do mundo’ os padres terem tido relacionamento sexual, não falou apenas como bispo de Toledo, como está na reportagem da página A11. Ele deveria ter sido identificado como presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida da Consagrada, da CNBB, ou seja, o responsável pelo acompanhamento da formação de padres. Sua declaração tem mais peso do que a reportagem faz entender.
Prestação de serviço
‘GM promove recall de 27,8 mil carros’ (Dinheiro, B4) é uma prestação de serviços para consumidores que compraram um produto com defeito sério. A empresa entregou um carro com problema e agora tem de trocar uma peça. É um risco para os proprietários. E uma aporrinhação, porque terão de procurar a empresa. Tal como a Dinheiro informa, parece ser a coisa mais normal e rotineira do mundo. ‘GM promove’ tem conotação positiva, parece indicar uma promoção de marketing da empresa. E recall não deveria ser usado no título em caso como este. Deveria ser um título direto, em português, de prestação de serviço.
Zoológico
Acho inconsistente a polícia e a direção do Zoológico de São Paulo terem chegado à conclusão de que a introdução de controles e novos procedimentos na instituição ‘detonaram’ as mortes dos animais se até agora eles não têm certeza da autoria da matança. A reportagem (Cotidiano, págs. C1, C3 e C4) fala em dez ‘principais’ suspeitos, mas fica claro que a polícia ainda não tem qualquer prova. Tanto que vai pedir agora a quebra de sigilos e é possível até mesmo que peça nova prorrogação de prazos. Até lá, tudo que está na reportagem _muito bem feita, no sentido da minúcia das informações sobre as mudanças de procedimentos internos no zôo, e bem editada, principalmente na Ed. Nac. que tem a capa livre_ é hipótese. Pode ser que ‘alguns’ e ‘outros’ tenham cometido os crimes pelas razões apontadas. Pode ser. Mas, como sabemos, em se tratando de investigação policial no Brasil, tudo é questionável.
22/04/2004
A Folha informa na 1ª página que ‘Lula arma ofensiva de marketing na mídia’ para deter queda de popularidade. O ‘Estado’ faz novo levantamento de gastos do governo para mostrar que ‘só 0,85% da verba de saneamento foi usada’. ‘O Globo’ escapa do tom crítico e tenta entender as dificuldades (‘sem recursos’) do Planalto: ‘Lula prepara medidas para compensar mínimo baixo’.
A diferença de tom também está no noticiário sobre o relatório do FMI. Manchete na Folha e no ‘Estado’ chamam a atenção para vulnerabilidade do Brasil em um momento em que a economia mundial cresce. Vamos ficar de fora do ‘clima de primavera’ que o mundo vai experimentar. ‘O Globo’ destaca a possibilidade de o Fundo vir a relaxar suas imposições a alguns países por conta das pressões sociais e deixa em segundo plano as turbulências que vêm por aí para o Brasil. A capa da Edição Nacional não trouxe informações e nem foto sobre Rondônia (a entrevista exclusiva com o chefe cinta-larga, a primeira, e a rebelião no presídio). É mais importante do que a foto do palanque de Ouro Preto, que virou texto-legenda interno na Ed. SP.
Cinta-larga
O que o ministro-chefe do Gabinete Civil prometeu em Rondônia, depois de sobrevoar a reserva Roosevelt, foi bem mais do que legalizar o garimpo dos cinta-larga, como dá a entender o título da pág. A4 : ‘Para general Felix, proibição estimulou massacre de garimpeiros/Ministro sobrevoa reserva e promete legalizar garimpo’, na Ed. Nac., e ‘Ministro sobrevoa terra indígena e promete a legalização do garimpo’. Ele fala em criar uma nova legislação que permita o garimpo em qualquer reserva indígena. Ou seja, vem mais confusão por aí com a Funai, igreja e ongs.
Diamantes
As denúncias do bispo de Ji-Paraná (A4) são graves e detalhadas. Imagino que seja possível fazer um levantamento das empresas e empresários que negociam diamantes em Cacoal e na região e que dominam os chefes cinta-larga. O quebra-cabeça ainda não foi montado. Há várias hipóteses para explicar a disputa pelos garimpos e a violência das mortes. É necessário garimpá-las.
‘Os guerreiros perderam a paciência’
O noticiário da Folha sobre os índios é bem superior ao dos concorrentes. A Ed. SP traz o que diz ser a primeira entrevista de um chefe cinta-larga (‘Somos guerreiros e cuidamos das coisas assim, afirma índio’, de um repórter da Associated Press, pág. A4). O chefe confirma a autoria das mortes e as justifica. Merecia um título mais forte e direto, talvez com aspas. E merecia uma chamada própria na primeira página.
Operação Mamoré
O ‘Estado’ (pág. A8) fala numa Operação Mamoré da Polícia Federal com 23 órgãos da União e do Estado em Rondônia. O que é isso? Não vi nada na Folha.
Lula
As edições de hoje realçam as diferenças nas coberturas do governo Lula feitas pela Folha e pelo ‘Estado’, críticas, e pelo ‘O Globo’, indulgente. A Folha não deu importância política para a reunião de terça à noite entre o presidente e dez ministros para discutir o salário-mínimo e outras ações do governo. A reportagem ‘Ministros são cobrados novamente’ (Ed. Na., pág. A6) sequer entrou na Ed. SP. As informações sobre o salário-mínimo estão em Dinheiro (pág. B6) com um relato sobre a tendência de fixar em R$ 260 e com uma retranca que revela a tática do governo: ‘Planalto esboça justificativa para promessa quebrada’. O ‘Estado’ também não deu bola para a reunião e nem para as promessas, antigas, feitas no programa radiofônico. Abriu seu noticiário com mais um levantamento que mostra que o governo, apesar das promessas, não gastou nada em saneamento. Já ‘O Globo’ deu manchete e abriu seu caderno político (‘No mínimo, uma compensação’) com os bastidores da reunião no Planalto e deu ênfase à frustração de Lula por não poder aumentar o salário-mínimo como gostaria. A reportagem justifica o aumento menor do mínimo e apresenta o que chama de ‘compensações’ imaginadas pelo governo.
Dulci
Não fica claro onde foi feita a entrevista com o ministro Luis Dulci (intertítulo ‘Dulci’, na reportagem sobre CNBB, pág. A7). Fica parecendo que foi na assembléia dos bispos, em São Paulo. Aliás, não sei o que está fazendo ali, porque não tem nada a ver com bispo, igreja ou algo parecido. Fica ainda mais estranho porque a outra suíte da reportagem sobre ‘demonização’ dos movimentos sociais, a repercussão com Leonardo Boff, está separada (colunão na A7, na Ed. SP, e pág. A9, na Ed. Nac.).
FMI
O chapéu Análise sobre o texto do Gustavo Patu na capa de Dinheiro (‘Nem o ajuste fiscal segura aumento’) valorizaria o material e permitiria um título mais claro.
Rio
Não é que as minas encontradas no Rio sejam iguais às compradas pelo Exército. É mais do que isso. Elas são do mesmo lote das que o Exército tinha em 2001/2002. Portanto, o título da capa de Cotidiano (‘Minas são iguais às compradas pelo Exército’) poderia ter sido mais preciso e mais forte.
Angolanos
O jornal deve ter cuidado em relação às acusações da polícia do Rio contra os angolanos (‘Polícia investiga suposta conexão angolana’, pág. C1 na Ed. Nac. e C3 na Ed. SP). Eles formam uma comunidade grande no Rio, principalmente na Maré. Volta e meia são acusados de envolvimento com o tráfico, são discriminados e perseguidos, e a polícia nunca comprova as denúncias. Eles viveram um período dificílimo no início do governo Garotinho pelas mesmas razões: acusações sem provas. A polícia do Rio não tem credibilidade e atira para todos os lados, como estamos cansados de ver.
Doença esquecida
Estranho o primeiro parágrafo de ‘Saúde comunitária combaterá tuberculose’ (Cotidiano, pág. C5). O governo não quer transformar a doença num problema, mas que os agentes combatam a tuberculose, como o título diz de forma direta.
20/04/2004
O apelo de Lula aos sem-terra pedindo sensatez é a manchete dos principais jornais. A da Folha é a mais acanhada, em duas colunas. A do ‘Globo’, em duas linhas e corpo forte, é a mais dramática porque incorpora a seqüência de episódios violentos que marcam o país neste momento e amplia o destino do discurso do presidente: ‘Pressão social aumenta e Lula pede bom senso’. O jornal do Rio amarra num grande quadro o apelo ao MST e as invasões que continuaram ontem no campo e em São Paulo (sem-teto), a remoção dos corpos dos garimpeiros mortos pelos cinta-larga em Rondônia, a rebelião e assassinatos de presos em Porto Velho (RO) e o noticiário sobre a Rocinha. O ‘Estado’ também junta tudo no seu alto de página e deixa o resto do mundo para o pé.
E a Folha? Ela dispersa o noticiário de tal forma que fica difícil entender o que ocorre neste momento no país, a ‘fermentação social que se acelera’, como escreve hoje Janio de Freitas. A chamada para a rebelião em Rondônia (8 ou 9 mortos) está abaixo da dobra, quase no pé. Na Edição Nacional, está abaixo de uma chamada que informa vagamente que os militares, segundo um estudo, podem vir a ganhar plano de casa própria. E é incompreensível que as invasões dos sem-teto em São Paulo não estejam sequer referidas na Ed. Nacional. A chamada só entrou na Ed. SP, com foto. Mas, pela força da imagem, pela temperatura da notícia e pela proximidade do problema, a foto deveria estar no alto, no lugar do texto-legenda sobre a remoção dos corpos dos garimpeiros. O título poderia ter ficado o mesmo: CONFRONTO.
Gelo
É incompreensível também que as duas páginas que abrem o noticiário de política e de Brasil estejam tão geladas em um dia tão quente. Colocar a substituição de um funcionário do segundo escalão, já esperada, na pág. A5 não tem justificativa jornalística. A edição não ajuda a entender o que acontece no país.
Os cinta-larga
O repórter que está em Pimenta Bueno relata, principalmente na Ed. Nac., as dificuldades que está encontrando para obter informações sobre os assassinatos de garimpeiros pelos índios cinta-larga, em Rondônia. Imagino que sejam condições realmente dificílimas. Por isso, a reportagem no local está praticamente restrita às operações de resgates dos corpos. Mas o jornal deveria fazer um esforço para começar a juntar as peças deste quebra-cabeça. Há informações dispersas que vêm saindo desde a semana passada, mas nenhuma reportagem amarrou bem o que ocorreu. A Folha já havia trazido na relatos de alguns garimpeiros obtidos por telefone desde São Paulo. Hoje, o ‘Estado’ conversa com dois sobreviventes que informaram que os garimpeiros estavam enganando os índios, desviando diamantes. Embora o episódio do massacre vá levar algum tempo para ser reconstituído, o contexto do enfrentamento (a autorização dos índios para a extração, as exigências, o controle, os conflitos que antecederam os assassinatos, a organização dos garimpeiros na área, as divisões entre os próprios índios em relação à exploração) já pode ser escrito, imagino, com ajuda de fontes diferentes na região. ‘O Globo’ e o ‘JB’ informam que o governo federal já tinha sido avisado sobre a iminência de um conflito entre índios e garimpeiros.
Facilidade
O noticiário sobre os índios poderia ter ficado nas páginas espelhadas. Facilitaria o leitor.
Energia nuclear
O jornal acompanhou bem a discussão reaberta pelo ‘Washington Post’ sobre a recusa do governo brasileiro em permitir vistoria em sua instalação de Resende. O caso durou dias. Hoje, o ‘Estado’ noticia que os EUA encerraram a polêmica. A Folha não registra o aparente fim do embate.
Mercosul
Não vi nada na Folha sobre a rodada de negociações entre a União Européia e o Mercosul, ontem, em Buenos Aires. O ‘Valor’ informa que as propostas da EU decepcionaram. O ‘Estado’ e ‘O Globo’ dizem que, à noite, os europeus melhoraram suas propostas, o que teria salvo a reunião de um impasse.
Os sem-teto
Achei bastante completa e consistente a cobertura das invasões dos sem-teto em São Paulo ao longo da madrugada de ontem. A reportagem principal, que abre o caderno Cotidiano, mostra que o jornal está bem informado sobre os movimentos invasores, suas lideranças e motivações. O relato da invasão do quartel também foge do lugar-comum deste tipo de cobertura. É a melhor cobertura.
Falta de cuidado
Nem o título e nem a linha fina de apoio da Ed. Nac. fazem referência ao objetivo das invasões: um protesto contra as políticas habitacionais de Lula e de Alckmin.
S. Bento
Merecia mais destaque na Ed. SP a reportagem sobre o esforço do mosteiro de são Bento, no Rio, para restaurar a igreja de Nossa Senhora de Mont Serrat, do século 17, completamente tomada por cupins (C4). É um patrimônio nacional, e não apenas do Rio, que precisa de ajuda financeira imediata para ser salvo.
Guia do Brasileiro 2004
Menor do que o do ‘Estado’ (12 páginas contra 16), o tablóide sobre o campeonato nacional de futebol que começa amanhã me pareceu bom, com uma aposta na análise geopolítica dos clubes. Tem serviço e um viés crítico necessário. Faltou mais futebol, ou seja, mais informações sobre os clubes e os jogadores, além das estrelinhas de cotação.
Arnaldo Cohen
Ilustrada poderia ter fugido do clichê no título para a boa entrevista com o pianista (E1). ‘Com a boca no trombone’ é pobre demais.
Amanhã
Não haverá a crítica interna do ombudsman.’