Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcos Sá Corrêa

‘Será que o presidente Lula anda azarado, ou é a popularidade do governo, caindo, cassou-lhe a imunidade para aparecer diariamente nos jornais, saltitando de uma página para outra em notícias que quase sempre se desmentem? Lá vem ele, nesta sexta-feira, espetando as orelhas do PTB, durante um churrasco na Granja do Torto, com fanfarronadas de palanque – tipo ‘um dia acordei invocado e telefonei para Bush’ ou ‘estou pronto para debater números com qualquer assessor do governo passado’, – no mesmo dia em que a manchete anunciava o salário mínimo de 260 reais.

Somadas, as pérolas da propaganda oficial se alinham numa fieira contraditória, compondo a imagem de um presidente que pode tudo, menos fazer o mínimo que prometeu na campanha. Até nisso Lula está cada vez mais parecido com o general João Figueiredo, que também pegou o hábito, no meio do mandato, de recuar atirando. Quanto mais fraquejava, mais saía disparando a esmo bazófias de grosso calibre. Figueiredo deu no que deu. Mas Lula não deveria imitá-lo.

Vira-se a página do jornal, e aparece o presidente na Central de Recebimento e Reciclagem de Embalagens de Defensivos Agrícolas da Cooperativa dos Plantadores de Cana da Zona da Mata de Guariba. Coplana, para os íntimos, como é o caso do ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que dirigiu a cooperativa e tem um filho na vice-presidência da casa. Ali, o que não dava para entender era a presença de Lula na inauguração de uma máquina de que, pelo visto e ouvido na cerimônia, jamais ouvira falar. Como ele mesmo disse: ‘Somente chegando aqui compreendi por que o Roberto Rodrigues insista tanto para que viéssemos’. Temos um presidente que viaja sem saber aonde vai nem o que vai fazer por lá.

Se soubesse, deveria evitar que a agenda o empurrasse para lugares com esse nome. A Guariba da vez fica em São Paulo. A Guaribas original, no Piauí. É aquela que escolhida na estréia do governo pelos seus baixos índices de desenvolvimento humano para ser a sede nacional do Fome Zero. Hoje, tornou-se uma lembrança incômoda da primeira medida bombástica do governo Lula que não saiu conforme a encomenda.

Grandes distâncias geográficas e econômicas separam as duas Guaribas, além do ‘s’ final. Mas as duas cidades têm em comum o fato de carregarem como marca de batismo, como tantas cidades brasileiras, o fantasma de uma espécie em extinção. No caso, a mesma espécie: o bugio. Mas, até aí, nada demais. O problema não seria de Lula, e sim da toponímia que polvilhou o Brasil com nomes de tribos, plantas e animais atropelados, por estar no caminho da civilização. Desaparecidos ou na fila do bota-fora, eles pontuam com sua notoriedade póstuma o roteiro de um país que os naturalistas europeus celebrizaram no século XIX e no século XX nós tiramos do mapa.

Mas nem tudo está perdido. Para oferecer o Brasil ao turismo internacional, Lula propôs ‘uma parceria com os nossos homens de comunicação, de televisão, para que a gente trate a imagem do Brasil com o carinho com que a gente trata da nossa imagem pessoal’. Como nas parábolas do presidente os pontos nem sempre se situam num mesmo plano, vamos reler na íntegra o trecho do discurso que ele fez esta semana no lançamento do Plano Nacional do Turismo:

‘Temos de ter um cuidado especial com a imagem do Brasil. Da mesma forma que o homem se arruma para sair de casa. Da mesma forma que uma mulher quando se troca para sair, porque ela não se troca para ela, mas para alguém que a note’. Ou coisa que o valha. Para isso, pretende ‘chamar os canais de televisão, que têm transmissão no exterior, e discutir com eles, com muito carinho, as coisas que para nós, para o Brasil, não para o governo, seriam importantes passar no exterior’.

Em outras palavras, antes de cuidar do fato ele acha necessário acertar a versão. Para testar a fórmula, nada melhor do que uma visita a Mato Grosso do Sul, onde semanas atrás Lula inaugurou em Bonito um aeroporto que ainda não está pronto. Por enquanto, funciona experimentalmente três dias por semana. Pelo menos naquele ponto turístico, a versão oficial ultrapassou o fato. Mas é só. Para chegar a Bonito, os turistas – inclusive os estrangeiros que, a julgar pelas botas e pelas mochilas que levam a bordo, devem estar prontos para pegar a primeira trilha bem na porta do avião – pousam em Campo Grande e encaram 278 quilômetros de asfalto – bom asfalto, diga-se de passagem – até o destino.

Bonito não os decepciona. É um lugar bonito de verdade, que escapou miraculosamente do gado e da soja, porque há menos de vinte anos grandes proprietários da região perceberam que ordenhar seus rios de água azul-piscina e fundo de aquário seria melhor negócio do que engordar nelore derrubando mato. Hoje, algumas fazendas do município parecem cenográficas, com matas ciliares restauradas, varas de queixadas e bandos de emas atravessando pacificamente os pastos, mais de 70% da renda tirados do turismo e, ao fundo, uma pecuária quase ornamental.

Esse é o fato. Aliás, alvissareiro. Mas, a caminho de Bonito, o turista passa inevitavelmente por uma beira de estrada que vai sendo emparedada em quilômetros e mais quilômetros de acampamentos dos sem-terra. Alguns se encostaram naquelas cercas de arame farpado há três anos. Aguardando o assentamento, formaram arruados de palha, onde moram até cinco mil famílias. Vistos assim, costeando as margens do asfalto e tapando o horizonte ainda rural, dão a qualquer forasteiro a impressão de que o MST veio favelizar o campo, em vez de fazer a reforma agrária. Na estrada para Bonito, portanto, a versão anda adiante do fato. E a versão é ruim.’



Gabriela Athias

‘TV deve mostrar imagem boa do país, diz Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que as emissoras de televisão que têm programas no exterior deveriam veicular imagens positivas do Brasil como forma de atrair mais turistas.

Lula comparou o cuidado que se deve ter com a imagem do país ao de homens e mulheres que se arrumam para sair de casa.

‘Da mesma forma que o homem se arruma para sair de casa, ele não se arruma para ele mesmo, ele se arruma para alguém, para os outros verem que ele está arrumado. Da mesma forma que uma mulher, que, quando se troca para sair, não se troca para ela, mas para que alguém note que ela está sendo importante aos olhos de quem a vê.’

E completou: ‘Acho extremamente importante discutir uma parceria com nossos homens de comunicação, de televisão, para que a gente trate a imagem do Brasil com o carinho que a gente trata da nossa imagem pessoal’.

No início do mês, durante uma audiência concedida por Lula à Federação Nacional dos Jornalistas e a representantes de sindicatos de jornalistas de todo o país, o ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) chegou a dizer que o critério da imprensa deveria ser a ‘agenda positiva’.

Lula discursou ontem na teleconferência sobre o Programa de Regionalização do Turismo Roteiro do Brasil, em Brasília. A cerimônia foi transmitida para 580 pontos da Confederação Nacional do Comércio e do Sebrae. A pedido do Ministério do Turismo, os Estados identificaram 219 regiões com potencial turístico e o governo irá coordenar as ações para estruturar esses roteiros. Em março, estrangeiros deixaram US$ 308 milhões no Brasil, recorde mensal desde que o balanço começou a ser feito pelo Banco Central, em 1969. A meta é atrair 9 milhões de turistas até 2007.

‘Violência transmitida’

‘Se nós passarmos imagens negativas, se nós passarmos violência […], o cidadão pode estar arrumando a mala e dizendo: ‘Olha, vamos dar uma volta no Brasil’. Ligou um canal de televisão e viu 10% da violência transmitida, ele fala: ‘Espera aí. Não é mais para o Brasil’, declarou Lula.

Ao elogiar a Bahia pela competência na divulgação em relação ao turismo, Lula fez uma referência às dificuldades econômicas enfrentadas pelo governo: ‘A economia deixou o povo pobre’, disse ele. ‘Quando Deus fez o mundo – porque naquele tempo ainda não tinha inflação- não mediu esforços para fazer investimentos e coisas boas no Brasil.’

O presidente fez uma piada com o fato de os americanos irem para a Amazônia fazer pesca esportiva -pescam e devolvem o peixe ao rio- enquanto os brasileiros pescam para comer. ‘É importante que eles continuem pescando e soltando para que o brasileiro possa pescar e comer, porque nós temos mais necessidades.’

Mais tarde, em Guariba (interior de São Paulo), Lula voltou a falar da Amazônia em discurso e culpou os países desenvolvidos pela poluição ambiental. ‘Às vezes é importante dizer em alto e bom som que nós somos mais competentes que eles. Que nós preservamos a nossa saúde mais que eles, até porque são eles que poluem grande parte do planeta, não somos nós.’

Também sobre a questão ambiental, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) disse, na ONU, em Nova York, achar ‘perigosa qualquer discussão que signifique mudar a legislação’ da área.’



André Silveira

‘Lula presta contas em campanha na TV’, copyright Meio & Mensagem, 26/04/04

‘O governo federal iniciou na terça-feira, dia 20, a veiculação da campanha de prestação de contas ‘Mudando o Brasil’. Segundo o sub-secretário de publicidade da Presidência da República, Caio Barsotti, o projeto, que será de médio prazo, tem o objetivo de mostrar o conjunto de ações desenvolvidas pelo governo. De acordo com ele, a expectativa é de que esse seja um dos principais programas de comunicação do governo federal neste ano. A meta é mostrar para a população que as ações desenvolvidas têm beneficiado o cidadão, especialmente nas áreas de saúde, saneamento e desenvolvimento social.

A campanha de estréia mostra os resultados obtidos pelo programa Bolsa Família e pelo projeto Brasília Teimosa, em Recife. ‘A comunidade dessa região morava em casas sustentadas por palafitas. O governo construiu um conjunto habitacional para essas famílias, que passaram a viver com dignidade’, explica. Segundo Barsotti, em um dos filmes é destacado o depoimento de uma senhora beneficiada pelo Brasília Teimosa. No outro, uma professora fala sobre os benefícios do Bolsa Família. Ambos têm 45 segundos, e permanecerão no ar por 15 dias em emissoras de TV aberta de todo o País. Está prevista também a veiculação de peças em emissoras de rádio com alcance regional.

Barsotti revela que o ‘Mudando o Brasil’ é um projeto de médio prazo, que inicialmente contará com recursos de R$ 4 milhões. A produção das peças ficará sob a responsabilidade da agência Matisse. ‘Os próximos filmes da série vão mostrar a modernização dos aeroportos e as exportações nacionais’, informa. Também estão previstos temas como a ação do governo no combate às enchentes e o resgate das comunidades quilombolas. A política ambiental é outra que fará parte dos assuntos que serão explorados nas próximas campanhas. No entanto, o programa é flexível, podendo abordar mais temas. Barsotti conta que os recursos poderão ser ampliados conforme a necessidade.

De acordo com o sub-secretário, em todas as peças haverá depoimentos das pessoas beneficiadas, destacando o impacto que determinado programa do governo tenha gerado na vida dessas pessoas. ‘Nós queremos mostrar, de fato, onde está a mudança realizada pelo governo’, diz Barsotti.’



Carlos Chaparro

‘‘Noticiofobia’, a nova doença de Brasília’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/04/04

‘XIS DA QUESTÃO – Grassa nos gabinetes de Brasília uma estranha doença, que poderia ser chamada de ‘noticiofobia’. Mas, do que se queixam os senhores de Brasília, que temem a chegada matinal dos jornais? Sabe-se lá… Não resta, entretanto, a menor dúvida que a ‘noticiafobia’ tem origem em equívocos que fazem mal ao governo. Com a melhor das intenções, para ajudar a identificar e a debater os equívocos mais cabeludos, a coluna propõe um roteiro de cinco idéias. Começando por lembrar que o jogo democrático – e disso se trata – só se realiza na lógica da divergência.

1. A força do murmúrio

Carlos, o barbeiro que me corta o cabelo, nem chega a ser um falador. Prefere ouvir. Mas, nas poucas e curtas frases com que entremeia conversa nas tesouradas profissionais, revela-se quase sempre um bem humorado observador da realidade. Talvez por isso, quando lá retorno, sempre tento fazê-lo falar do hoje, tal como ele o enxerga. Desta vez, na pergunta que deu começo à conversa, quis saber como andavam o movimento e o faturamento, no salão. A resposta veio embalada em cética ironia:

– Por enquanto, continuamos à espera do espetáculo do crescimento…

É a síntese do que talvez se possa chamar ‘o momento psicológico da Nação’, de conflito entre a esperança, à qual ninguém quer renunciar, e a frustração, que cresce como fantasma em aproximação.

Continuamos à espera do espetáculo do crescimento… A síntese corre solta por aí, e não apenas nos salões de barbeiros. Cresce, espalha-se, ganha força de grito que se coletiviza, em jeito de murmúrio. É a cobrança dos que ouviram e acolheram, como profecia, a mais linda promessa feita pela voz rouca do presidente que elegemos.

Em alguns gabinetes de Brasília, ocupados por gente que, apesar de poderosa, lê assustada os jornais de cada manhã, talvez se pense e se diga que tudo isso é culpa da imprensa. E têm razão, os poderosos que tanto temem os noticiários de hoje: sem a imprensa, sem o poder difusor do jornalismo, a profecia presidencial do espetáculo do crescimento não teria existido. Porque a frase seria apenas uma frase, sem vida, sem sentido, sem efeitos.

Acontece, porém, que a frase foi dita em local e momento adequados, para que os jornalistas a ouvissem e espalhassem, ou seja, a transformassem em profecia digna de fé, porque dita por quem tinha o poder de, ao dizê-la, lhe dar aval de verdade e natureza de ação política transformadora. Para efeitos imediatos e universais.

Só que, nesse jogo, principalmente quando nele entram as expectativas do povo, quem promete tem de cumprir. E será cobrado.

Quanto ao jornalismo, e ao seu papel, é preciso lembrar que o jogo democrático – e disso se trata – só se realiza com sucesso se todos puderem dizer e ser ouvidos. Ainda que pela estratégia do murmúrio.

2. Cinco idéias

Do que se queixam, então, os poderosos de Brasília que tanto temem a leitura matinal dos jornais? Sabe-se lá… Mas talvez lhes fizesse bem se aperceberem dos equívocos que alimentam essa ‘noticiofobia’ que hoje grassa em Brasília.

Com a melhor das intenções, e na esperança de isso os ajude a identificar e a debater os equívocos mais cabeludos, proponho um roteiro de cinco idéias:

1) A comunicação não pode ser o foco preponderante do governo, nem de suas preocupações. Ela é parte importante, estratégica e tática, dos processos de governar, mas sem precisar de objetivos próprios. Porque serve a objetivos superiores, que são os do governo.

2) A imprensa não produz a atualidade. Faz parte dela, como linguagem eficaz (porque veraz) de desvendamento, relato, comentário e elucidação dos fatos da atualidade, constituindo-se espaço público, que se exige ético e confiável, onde os conflitos da democracia e da cultura se manifestam e se realizam, pela socialização e pelo confronto das ações/discursos particulares. Aí está o campo de ação do jornalismo. E a leitura dos jornais revela isso todos os dias.

3) O próprio governo precisa dos discursos divergentes, sem os quais não se produzem os conflitos e os acordos da elaboração democrática. Não se governa sobre a unanimidade. E é para o jornalismo que a divergência converge.

4) O jornalismo não tem o poder, nem a vocação, nem a atribuição, nem a competência de produzir fatos noticiáveis. Ocupa-se apenas (e já é tarefa para lá de exigente) do relato e do comentário das ações e falas de outros, sujeitos institucionais com poder e querer de interferência transformadora na realidade.

5) A aversão à crítica é uma insensatez. Para bem governar, a crítica é melhor que o elogio. Além de ajudar a localizar e a identificar problemas, e a encontrar soluções, a crítica oferece à visão governativa, e à discussão pública, o enriquecimento da pluralidade de perspectivas.

E por aqui fico.’

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‘A imprensa na alça de mira dos palácios’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 28/04/04

‘O XIS DA QUESTÃO – O governo queixa-se da imprensa, sem perceber que o jornalismo é espaço público de embates discursivos. Se o governo (ao contrário do PT que ganhou as eleições) não está conseguindo colocar o seu discurso nesse espaço, para os embates que lhe interessam, alguma destas três coisas está acontecendo: 1) O governo não sabe dizer; 2) O governo não tem o que dizer; 3) O governo não sabe socializar o que diz ao fazer, e o que faz, ao dizer.

1. Conflitos mansos e bravos

Em favor do debate, o espaço da coluna será desta vez ocupado mais por idéias alheias do que pelas idéias do colunista. E isso porque, de retorno ao Brasil, depois de um mês em Portugal, encontrei no computador mensagem com a reprodução de um ‘e-mail que circula em Brasília’ (nome dado ao assunto). Texto interessante, lançado no caldeirão político da Capital, por alguém que preferiu não se identificar. E o anonimato serviu para plantar e fortalecer a hipótese de articulação, tática e retórica, entre o e-mail sem autor e o artigo do ministro Luiz Gushiken (‘Conflito de egos ou choque de idéias?’) publicado na Folha de S. Paulo de 16 de abril – por sinal, a mesma data de chegada da mensagem que me encaminhava o texto apócrifo.

Como quase duas semanas se passaram, pode haver quem ache que ficaram velhos, na sua dimensão de fatos políticos, tanto o artigo do ministro quanto o texto anônimo que lhe dá achega. Pode ser. Ainda assim, vale a pena recuperar o sentido perene dos dois conteúdos, dado que ambos se complementam na intenção de propor comportamentos jornalísticos. Vão até além, avançando em conceitos e receitas de ‘bom’ jornalismo, à luz do que poderíamos chamar de ‘o saber da perspectiva oficial’.

Isso, claro, interessa ao debate sobre jornalismo.

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Sob o ponto de vista das idéias, o artigo do ministro tem mais importância que o texto do e-mail de origem misteriosa. Mas o texto assinado pelo sr. Luiz Gushicken, prolixo, perde clareza e precisão ao tentar filosofar sobre as complexidades dos conflitos que interessam ou deveriam interessar ao jornalismo. Tudo por causa da ‘agenda positiva’, que – pelo que se deduz do artigo – o governo não consegue encaixar na pauta jornalística.

O sr. Luiz Gushiken queixa-se do entendimento apressado que ‘jornalistas experientes’ deram a duas frases de um discurso recente, por ele pronunciado no Palácio do Planalto. Numa das frases, o ministro propunha a tal da agenda positiva como critério de noticiabilidade – porque ‘o povo brasileiro tem necessidade de saber aqueles empreendimentos positivos (…)’, e porque ‘o cidadão precisa ver um lado positivo das coisas’.

Na versão do ministro, os jornalistas acharam que se exigia da imprensa, de forma autoritária, a ‘publicização’ das boas ações do governo. E o sr. Gushiken escreveu o artigo para dizer que não era nada disso, que as suas observações sobre agenda positiva ‘não se baseavam na crença de um mundo cor-de-rosa, mas na percepção de que o espelho da mídia precisa incluir o cotidiano de um povo que é, ao mesmo tempo, portador de necessidades e protagonista de situações nas quais demonstra espírito empreendedor e solidário’. Estaria, aí, a agenda positiva que o governo gostaria de ver na pauta jornalística.

Na segunda parte do artigo, o ministro divaga em explicações sobre o que quis dizer quando defendeu a exploração do contraditório em favor da disputa de idéias, sem fomentar conflitos de egos. Arrasta-se em argumentação sinuosa antes de afunilar para a idéia da necessidade de um clima de diálogo, tendo em vista a materialização dos princípios republicanos que impõem ao Estado o dever de informar e o respeito ao direito à informação. E termina com um compromisso de intenções: ‘(…) continuar a trabalhar, pacientemente e com firmeza, para que o Estado possa estabelecer padrões de comunicação com a imprensa capazes de fortalecer a ética do interesse público como principal critério de relevância’.

Esqueceu-se, o ministro, de dizer o que entende por ‘ética do interesse público’ e de como a adoção, como preponderante, desse critério de relevância poderia melhorar as relações entre o governo e a imprensa.

2. Brasil bom, imprensa ruim

O que o ministro Luiz Gushiken escondeu nas entrelinhas do seu artigo foi exposto, com a maior clareza, sem meias palavras, no e-mail de origem misteriosa posto a circular em Brasília.

Não se trata de um texto original. O próprio autor desconhecido elucida, no último parágrafo: ‘Este texto não é um novo artigo do Ministro Gushiken. É feito de extratos de texto publicado na revista Exame, edição de 11 de agosto de 1999’. Mas – digo eu – também não se trata de simples transcrição. A seleção e o arranjo dos recortes extraídos do texto da Exame faz do texto de agora uma nova peça, com significados e aplicações diferentes.

De qualquer forma, não deixa de ser curioso que os argumentos que em 1999, no texto da Exame, protegiam o governo de Fernando Henrique Cardoso (então fustigado por crises que recheavam as pautas jornalísticas), se tornem convenientes, agora, ao governo de Lula, igualmente submetido a crises e dificuldades recheadas de atributos jornalísticos. Ou seja: as fontes trocaram de lugar nos jogos do poder e os papéis se inverteram; só a imprensa não mudou.

Mas vamos ao ‘e-mail que circula em Brasília’, alongando-lhe o território de circulação pelo mundo do Comunique-se.

Sob o título Má notícia é boa notícia, está assim redigido:

‘Criticar uma publicação, ou um jornalista, principalmente se quem fez a crítica tem algum tipo de estatura, é receita quase certa para entrar numa lista de ‘inimigos’. Jornal, como de resto qualquer outro tipo de publicação, não tem que ser nem contra nem a favor de governos. Tem que ser, isso sim, a favor do leitor.’

‘Ninguém está falando que não faz parte do papel da imprensa fiscalizar o governo, mas a alma da imprensa brasileira faz oposição indiscriminadamente e se manifesta de diversas maneiras, mas seu foco mais visível está na obsessão de apresentar um quadro de catástrofe terminal para a economia brasileira. (…) Muitos jornalistas se tornaram dependentes do alarmismo. Resultado: a mídia raramente consegue ver uma nuvem sem logo anunciar uma inundação. Eles prognosticam o caos e, com isso, conquistam as primeiras páginas. Desde que digam alguma coisa ruim, a publicação está garantida. Dizer coisa ruim é um passo certeiro para as pessoas que querem ver seu nome e suas opiniões na mídia. Tornou-se regra conferir respeitabilidade à opinião desinformada.’

‘(…) Ao ler (e ver) o noticiário, parece que toda a realidade econômica e social do Brasil se limita ao desemprego, às invasões do MST e à existência de miseráveis. (…) O leitor, sempre a grande vítima, se vê às voltas com um retrato desfigurado da realidade. (…)’

‘A imprensa brasileira mostrou que se especializou em confundir a busca de resposta com a busca de culpados. (…) A pergunta não é simplesmente uma pergunta: muitas vezes é uma armadilha destinada a extrair alguma declaração que será usada contra o entrevistado nas perguntas à frente. (…) Só é levado ao público o que combina com aquilo que o jornalista quer dizer. A imprensa se apressa em publicar frases bombasticamente vazias. Topar tudo para conseguir um suposto ‘furo’ – e assim vender mais – tem um perverso efeito colateral: a corrosão do caráter do jornalista.’

‘A conclusão é inescapável: por mais defeitos que tenha, por mais problemas por resolver que se acumule, o Brasil é, hoje, melhor que a sua imprensa.’

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Apesar do prejuízo causado pelo anonimato do e-mail (sem o eu, não há discurso), está aí colocado um belo assunto para debate. Ao qual ofereço a pitada inicial: – Hoje, mais do que ontem, o jornalismo é espaço público de embates discursivos. Se o governo (é o que se deduz do artigo do ministro Luiz Gushiken) não está conseguindo colocar o seu discurso nesse espaço, para os embates que lhe interessam, alguma ou algumas destas três coisas está acontecendo: 1) O governo não sabe dizer; 2) O governo não tem o que dizer; 3) O governo não sabe socializar o que diz, ao fazer, e o que faz, ao dizer.

E acrescento: os milhões de reais gastos em propaganda paga podem conquistar compreensão, adesão e votos; mas não ajudam a resolver problemas na conquista e utilização do espaço jornalístico.’