Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um convite ao debate

Além das guerras devastadoras, o século 20 deu ao mundo, nas sociedades capitalistas, duas experiências transcendentais e antagônicas cuja reverberação segue presente: o Estado do bem estar social e o neoliberalismo. De um Estado protetor passamos em poucos anos ao seu reverso, representado pela ascensão do mercado como senhor absoluto dos destinos da humanidade.

Tais transformações operadas nas bases materiais das sociedades não seriam tão rápidas e eficientes se não tivessem a apoiá-las um conjunto de ideias e valores bem articulados e amplamente difundidos. Esse papel coube, em grande parte, aos meios de comunicação de massa. Jornais, livros e os embriões do cinema e do telégrafo herdados de séculos anteriores passaram a conviver com o rádio, a televisão e a internet, num ambiente em permanente ebulição. Detectar suas práticas nesse cenário, sem cair no reducionismo de identificá-los de forma acrítica com uma ou outra linha de ação política, não é tarefa fácil.

Danilo Rothberg não se intimidou e o resultado está neste livro destinado não só a avivar o debate acadêmico em torno do tema, mas também a servir de referência para ações práticas na área do jornalismo em geral e do telejornalismo em particular. Com um atraso de mais de oitenta anos em relação à Europa, só agora o Brasil ensaia alguns passos, ainda tímidos, para a construção de uma rede nacional de televisão pública. Mas carece de embasamentos teórico-práticos como os aqui oferecidos pelo autor.

Políticas públicas

Além do atraso, o país foi vítima de uma perversa combinação histórica, obscurecendo ainda mais o papel dos meios de comunicação numa sociedade democrática. Trata-se da convergência, ao final do século 20, do fim da ditadura militar com a ascensão do neoliberalismo, fazendo com que o mercado – e suas pretensas liberdades – fosse intencionalmente contraposto às lembranças da censura ditatorial. Com isso neutralizava-se qualquer crítica que viesse a ser feita à nova ordem econômica dominante. No caso da radiodifusão, ouvintes e telespectadores passaram a ser tratados como consumidores, e os índices de audiência alçados a representações de escolhas livres e democráticas – como se estas não fossem realizadas a partir de uma oferta centralizada e reduzida.

Entrar nesse cipoal, emaranhado dentro e fora do país, e nele descobrir parâmetros capazes de identificar, por exemplo, formas de pluralismo e objetividade jornalística, requer sólida base teórica e um cuidadoso refinamento de pesquisa. Condições que não faltam ao autor, como bem demonstra o trabalho realizado. Ao trazer para o Brasil a transcrição de matérias veiculadas por dois dos mais importantes programas jornalísticos da BBC (News Ten O’ Clock e Newsnight), Danilo Rothberg oferece um presente raro aos profissionais e pesquisadores do telejornalismo brasileiro. Mostra, e espero que sirva de exemplo, como o público britânico é, não apenas informado, mas também esclarecido pela televisão. Prática que vai muito além da informação dita equilibrada, aquela que ouve “os dois lados” e se dá por satisfeita. As matérias aqui transcritas contextualizam o assunto tratado de maneira raras vezes vista na televisão brasileira.

O livro não fica por aí. Esses exemplos tornam-se ainda mais concretos e significativos na medida em que se relacionam com as diretrizes gerais estabelecidas tanto pela própria BBC, como pelo órgão regulador das comunicações britânicas, o Office of Communications (Ofcom). É essa institucionalização de normas que sustenta a qualidade jornalística do serviço prestado. A transcrição e as análises desses documentos, realizadas pelo autor, são igualmente imprescindíveis para o avanço, tanto da pesquisa, como das políticas públicas de radiodifusão no Brasil.

Qualidade na TV

É preciso destacar ainda que, além das normas gerais de conduta, o livro reproduz e comenta indicações concretas para a prática de um telejornalismo de qualidade. Enfatiza, por exemplo, a necessidade dele se fazer compreender por “audiências muito diferentes entre si”, de tratar de uma grande “variedade de assuntos a fim de engajar todas as audiências e de corrigir as falhas do mercado”, priorizando “o sério diante do efêmero”, além de produzir um jornalismo investigativo capaz de “revelar informações significativas e de interesse público”.

Danilo Rothberg nos apresenta um trabalho amplo e profundo cuja leitura não se esgota nela mesma. É, antes de tudo, um estímulo ao debate, à reflexão e ao desdobramento em novas pesquisas, fundamentais para a elevação do nível geral da qualidade da informação transmitida pela TV brasileira.

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[do release da editora]

Jornalismo público: informação, cidadania e televisão trata de duas soluções específicas, em meio a muitas possíveis, aplicadas histórica e concretamente para se preservar a função democrática da atividade jornalística.

A primeira delas diz respeito aos serviços públicos de radiodifusão. O Capítulo I analisa de perto como eles se ergueram sobre a constatação das falhas dos mercados de comunicações – que ainda persistem mesmo após o advento das tecnologias digitais. Entre as experiências nacionais na área, uma destaca-se pelo prestígio acumulado em mais de 85 anos de atuação: a da BBC, que deve ser conhecida no contexto do sistema britânico e diante dos desafios de sua nova licença pública no quadro trazido pela digitalização das transmissões. Esse é o tema dos Capítulos 2 e 3.

Comparações com o Brasil são feitas em momentos pertinentes, uma vez que a ideia é considerar o contexto britânico como referência possível para a evolução do sistema brasileiro de radiodifusão pública, na esteira da transformação digital. E à medida que o jornalismo da BBC oferece modelos a serem seguidos, até mesmo as práticas de reportagem em veículos em competição no mercado brasileiro podem encontrar ali referências válidas – a exemplo, inclusive, do Reino Unido, onde a BBC ainda é vista como instituição que acolhe e estimula a realização plena do jornalismo.

Conforme se argumenta no Capítulo 3, a performance da BBC no campo do telejornalismo diário deve ser compreendida nos termos da pluralidade e do equilíbrio, características tidas como centrais da atividade jornalística comprometida com a cidadania. Diversos matizes teóricos dessas duas noções são recompostos a partir de autores centrais para a questão. E, para aclarar como esses elementos têm sido aplicados na prática, o Capítulo 4 traz um estudo de caso em torno de uma cobertura feita pelos canais de televisão BBC1 e BBC2 sobre temas políticos e econômicos.

Já a segunda solução enfocada pelo livro não envolve a atuação do Estado, mas sim o vigor dos próprios meios de comunicação, em conexão com seus públicos. Assim, o Capítulo 5 se apoia em ampla e recente literatura da área para reconstruir o percurso do chamado jornalismo público ou cívico, movimento que tomou forma na década de 1990 nos Estados Unidos, a partir de experiências de engajamento dos veículos com as comunidades que eles atendem, de acordo com propósitos específicos.

O autor 

Danilo Rothberg é professor do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp e pós-doutorado pela Open University, Inglaterra (Visiting Research Fellow, 2006-2007).

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[Laurindo Lalo Leal Filho é jornalista e professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)]