Há 17 anos, quando assumiu o cargo de diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas ouviu de Sérgio Machado que ele queria transformar sua editora, já conhecida por seus best-sellers, sobretudo os estrangeiros, em um grupo editorial eclético, com livros que compreendessem das rentáveis autoajudas à alta literatura, como são as grandes editoras internacionais. E foi o que ela fez, reconhece Machado, presidente do grupo, no dia em que anuncia que Luciana deixa a equipe em 31 de março. Uma das marcas de seu trabalho foi a descoberta e redescoberta de autores nacionais que figurariam mais tarde em importantes prêmios literários, em alguns casos, e em outros, nas listas de mais vendidos.
Lya Luft, uma dessas autoras editadas por Luciana, interrompe por acaso a entrevista de seu editor ao Caderno 2 e leva uma bronca carinhosa. “Você é a culpada. Luciana fica lendo suas crônicas, que dizem que a gente precisa procurar a felicidade, e agora está seguindo a receita”, diz Machado, provocando a autora de Perdas e Ganhos, entre outros títulos.
Os novos desafios de Luciana incluem um casamento nos Estados Unidos e a abertura de uma agência literária que terá escritório lá e no Rio de Janeiro. “Nesse caso, ela leva vantagem sobre os outros agentes brasileiros por ter trabalhado do outro lado do balcão, onde aprendeu muito. Sua experiência aqui foi valiosa e ela poderá aproveitar e trazer muito valor para seus clientes.” A data de inauguração da agência ainda não foi definida, mas a Villas-Boas & Moss Agência e Consultoria Literária pretende representar autores brasileiros no exterior, bem como garimpar novidades nos catálogos internacionais para tentar emplacá-las no mercado brasileiro. O “Moss” do nome vem de Raymond Moss, advogado especializado em propriedade intelectual.
“Uma literatura nacional vigorosa”
Em e-mail enviado na manhã desta quinta-feira (19/01) a autores e funcionários da Record, Luciana conta que ajudará na breve transição. Machado não vê, por ora, um substituto para o cargo. “Vou fazer desse limão uma caipirinha e aproveitar para reestruturar a empresa. Quero separar literatura nacional de literatura estrangeira, por exemplo. Por isso, talvez não tenha uma substituição, mas sim uma nova equipe.” O Grupo Record conta hoje com cinco editoras – Record, Civilização Brasileira, Bertrand Brasil, Best-Seller e Verus, além de selos voltados, entre outras áreas, à literatura infantil e juvenil, autoajuda, negócios. “Luciana me ajudou muito a reposicionar a marca e a imagem da editora”, comenta. “Mas não pode ser minha diretora por e-mail.”
Em carta de despedida, ela escreve que, na sua avaliação, a maior contribuição que deu à empresa foi mesmo no campo da literatura brasileira: “Alegro-me quando penso que estamos prestes a atravessar uma fase auspiciosa e próspera da história literária do país. É a minha aposta, e estarei sempre com meus autores, pois quero participar da travessia. Ainda espero e hei de contribuir para essa obra, a construção de uma literatura nacional vigorosa a ser reconhecida por leitores de todo o mundo.”
“Os herdeiros é que saíram”
Consta que perder o acervo de Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade para a Companhia das Letras (e de autores não tão presentes em listas de compra de governo para outras editoras) foi um baque para a Record e apontado pelo mercado como uma das razões para o desgaste entre os proprietários e a diretora. “Claro, não fiquei feliz com a saída destes autores e acho que a mudança de editora foi um equívoco. Mas faz parte do jogo. Tanto um quanto o outro vieram com suas perninhas, e aqui ficaram. Os herdeiros é que saíram. Tenho certeza de que ambos foram muito felizes aqui.” Machado não culpa Luciana por isso e credita mesmo a saída dela ao momento pessoal.
Em outubro, Isa Pessoa, que desempenhava a mesma função de Luciana, mas na Objetiva, também deixou o cargo. Na época, corria no Rio a história de que elas abririam, juntas, uma agência. “Mas aí chamaria Boa Pessoa, não?”, brinca Machado.
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[Maria Fernanda Rodrigues, de O Estado de S.Paulo]