Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jotabê Medeiros

‘Descontentes com o acordo feito no dia 19 na TV Cultura, que definiu o nome de Marcos Mendonça, ex-secretário estadual de Cultura, como candidato único para a presidência da emissora, funcionários estão tentando viabilizar uma candidatura alternativa. O nome escolhido foi o do sociólogo Laurindo Leal Filho, professor da USP e estudioso dos problemas da TV pública no Brasil e no mundo. Ele é também ensaísta, autor de Atrás das Câmeras – Relações entre Estado, Cultura e Televisão.

Legalmente, os funcionários têm até segunda-feira para conseguir a adesão de 5 dos 36 conselheiros da Fundação Padre Anchieta (gestora da TV Cultura) e oficializar a candidatura de Leal Filho. O professor admitiu ontem que pôs o nome ‘à disposição’, mas só disputa ‘se houver um número significativo de indicações’ de seu nome entre os conselheiros.

‘Sou cético em relação a isso. A TV Cultura terá uma eleição com um colégio eleitoral comprometido. Eu disputaria se tivesse pelo menos um terço dos conselheiros a favor da minha candidatura, porque isso serviria para promover uma discussão aberta da TV pública. Senão, o conselho permanece fechado em si mesmo, distante da sociedade.’

Anteontem, Marcos Mendonça disse que sua candidatura foi referendada por 33 conselheiros, em reunião que buscou o ‘consenso’. Isso torna sua eleição líquida e certa.’



Daniele do Nascimento Madureira

‘Solução política na sucessão da TV Cultura’, copyright Meio & Mensagem, 26/04/04

‘A crise política na TV Cultura, que sucedeu a crise econômica deflagrada no ano passado, deu os primeiros sinais de que pode vir a ser sanada nos próximos dias. Após a reunião do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (FPA), mantenedora da emissora pública, realizada na segunda, 19, a TV Cultura emitiu comunicado informando ter sido adiada para 10 de maio a eleição para a presidência e a superintendência da diretoria executiva, assim como da presidência e da secretaria do Conselho Curador da entidade. Na ocasião, os dois aspirantes à presidência da FPA – o atual presidente, Jorge da Cunha Lima, e o ex-secretário estadual da Cultura, Marcos Mendonça, ambos inclusive já haviam voltado atrás nas suas candidaturas – foram indicados pelos 32 membros do Conselho a disputar, respectivamente, os cargos de presidente do Conselho e presidente executivo. Uma vez que não existe uma segunda chapa, trata-se de um jogo de cartas marcadas.

Também na reunião do dia 19, ficou definida a ampliação das competências do Conselho Curador e de seu presidente. ‘O cargo e a estrutura da presidência do Conselho Curador serão profissionalizados e seu presidente terá representação perante organismos internacionais e nacionais no setor de comunicação social’, diz o comunicado, indicando que o presidente do Conselho passará a ser remunerado. ‘Essas decisões fortificam a independência jurídico-institucional da Fundação Padre Anchieta na realização de sua missão e na defesa da programação de alta qualidade’, completa.

A queda-de-braço envolvendo a direção da TV Cultura teve início há exatamente um ano, quando veio à tona a infra-estrutura precária da principal emissora pública do País (até a caixa d’água local, com capacidade de 240 mil litros, ameaçava desabar). Mesmo depois do corte profundo de 300 funcionários, a Cultura continuou deficitária e especulou-se a respeito do encerramento das atividades, o que foi prontamente refutado pela emissora. As críticas se voltaram para Cunha Lima, que ocupa a presidência da FPA há nove anos e tentava, este mês, sua segunda reeleição. Nos bastidores, os comentários não deixam dúvidas de que o governador Geraldo Alckmin deseja o afastamento do atual presidente.

Com a provável eleição de Mendonça para o comando executivo da FPA, e a escolha de Cunha Lima para a presidência do Conselho Curador – que recebe maiores poderes – parece que ambas as partes estão chegando a um consenso.’



TV / REGIONALIZAÇÃO
Helena Aragão

‘Por uma mídia mais democrática’, copyright Jornal do Brasil, 29/04/04

‘Um grupo de artistas, cineastas e políticos está disposto a tudo para conseguir que a programação das TVs e rádios brasileiras seja mais democrática. Até bater de porta em porta nos gabinetes dos senadores. É o que pretende fazer a caravana que chega hoje em Brasília para pressionar o processo de votação do projeto de lei nº 256, que legitima o artigo 221 da Constituição Federal. O artigo estabelece cotas para a inclusão de programas tanto regionais quanto independentes nas emissoras abertas (leia detalhes no texto abaixo).

Embora proposto há 13 anos pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), o projeto de lei só obteve até agora uma vitória: a aprovação na Câmara, em agosto de 2003.

– O modelo de uma emissora-sede que produz tudo está esgotado. As pessoas querem se ver na tela, as TVs regionais têm condições de ajudar a mostrar o Brasil para o Brasil. O projeto inclui todo tipo de programa, de jornalísticos a culturais, totalmente produzidos e emitidos nos estados onde estão localizadas as sedes das emissoras ou de suas afiliadas – defende Jandira.

O projeto engloba a exibição de uma quantidade fixa de filmes brasileiros por mês nas emissoras abertas.

– Não há explicação para a escassez de filmes brasileiros na TV. Uma emissora tem concessão de um espaço público, não pode centralizar a produção nem sonegar a possibilidade de levar o cinema nacional à população – observa a produtora paulista Assunção Hernandes, uma das integrantes do grupo, que conta ainda com a diretora Tizuka Yamazaki e a produtora independente Berenice Mendes.

Assunção integra o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Criado há quase dois anos, o órgão consultivo é formado por jornalistas, cineastas e membros de emissoras e poderia ter participação decisiva na questão. Para isso, deveria entregar um parecer no Senado para que o processo de votação do projeto de lei nº 256 possa ser iniciado.

– O conselho já perdeu o prazo de entrega duas vezes, por resistência de alguns membros ao projeto, como a Abert (Associação Brasileira de emissoras de rádio e TV), e de outros órgãos que representam as empresas de comunicação. Mas é preciso que isso seja feito logo, até junho. Estamos em ano eleitoral e a partir de julho o Senado se esvazia – explica Jandira, que diz ter apoio do presidente da Casa, José Sarney, para que a sessão aconteça em breve.

A maioria das emissoras prefere não se manifestar sobre a questão, já que o projeto de lei ainda está em tramitação. Mas o vice-presidente da Band, Marcelo Parada, é enfático:

– A Band é a favor da produção regional e do incentivo à diversidade, mas é contra a existência de uma lei que imponha isso. Se essa lei estivesse em vigor hoje, a maioria das nossas praças não teria condições de produzir o exigido. Não por falta de vontade. Mas seria inviável do ponto de vista econômico. Ninguém é contra a valorização dos diversos aspectos culturais do país. O que se questiona é por que isso tem que ser feito por imposição do Estado.

Jandira Feghali rebate os argumentos de prejuízo econômico:

– Já fizemos estudos que provam que as cotas são viáveis economicamente. A Globo, por exemplo, tem 120 programas regionais e poderia ter muito mais. O Boni, que ficou 30 anos na emissora, hoje está apostando numa TV regional. Acho equivocado, portanto, duvidar da capacidade e da qualidade desse tipo de produção – afirma.

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‘Detalhes do projeto’, copyright Jornal do Brasil, 28/04/04

Algumas medidas do projeto de lei da deputada Jandira Feghali, defendido pelos cineastas e produtores independentes:

As emissoras de TV serão obrigadas a veicular programas totalmente produzidos nos estados onde estão localizadas (por vinte e duas horas semanais, no caso de emissoras que atendem áreas com mais de 1 milhão e 500 mil domicílios com televisores);

Desses programas, 40% devem ser de produção independente (ou seja, que não tenha nenhuma relação com a emissora);

Será obrigatória a exibição de uma obra audiovisual por semana nas emissoras de TV – sendo um filme nacional de 15 em 15 dias.’



OS MAIAS
Rodrigo Fonseca

‘Nova chance a Eça de Queirós’, copyright Jornal do Brasil, 29/04/04

‘Desafio parece ser a primeira palavra no vocabulário artístico do cineasta e diretor de TV Luiz Fernando Carvalho, 43 anos. Depois de provar que o romance Lavoura arcaica, experiência lingüística de Raduan Nassar, poderia render cinema da melhor safra, ele agora apela para os recursos do DVD para redimir uma obra de excelência atestada pela crítica que o público ignorou. Exibida entre 9 de janeiro e 24 de março de 2001 pela TV Globo, a minissérie Os Maias, versão do romance homônimo do português Eça de Queirós (1845-1900), acaba de ganhar o formato digital, numa versão reeditada pelo diretor.

– Não fiquei muito feliz com os resultados, sobretudo nas duas primeiras semanas, por várias razões, como o pouco tempo de pré-produção para uma obra com aquela complexidade. Isso nos levou a aceitar a idéia de se fazer 50 capítulos com um texto que sustentaria, no máximo, 15. Agora resolvi retrabalhar o material, concentrando na trama da família Maia – afirma o cineasta.

A minissérie teve ares de superproduçção. O diretor quis fugir do ‘aspecto cenográfico’ e buscou parceria na emissora patrícia Sociedade Indpendente de Comunicação (SIC) para gravar na terra natal de Eça.

Publicado em 1888, Os Maias filosofa sobre a decadência da elite portuguesa, a partir a sucessão de tragédias que cerca a tradicional família do cético Dom Afonso Maia ( vivido na TV por Walmor Chagas). Entre elas, o suicídio de seu filho Pedro (Leonardo Vieira) e a incestuosa paixão entre seus netos Carlos e Maria Eduarda (Fábio Assunção e Ana Paula Arósio).

– O livro é de Dom Afonso. Ele é uma espécie de Rei Lear da modernidade. A história fala de sua desilusão na crença de um homem progressista, livre da sombra do romantismo e do clero – avalia Luiz.

Na transposição para a TV, a escritora Maria Adelaide Amaral, uma apaixonada pelo autor de O primo Basílio e responsável pela roteirização do romance, teve de enxertar elementos paralelos a esse enredo para alongar o tempo da série no ar. Em vez de criar novos personagens, Maria Adelaide importou figuras de outros livros do autor português, como A relíquia e A capital, que não estarão na versão em DVD.

– Maria Adelaide foi de uma extrema delicadeza ao preferir usar personagens de outros romances do próprio Eça nas tramas paralelas, em vez de adicionar outros de sua autoria. E, certamente em respeito à estrutura de Os Maias,, construiu o roteiro de uma forma em que essa tramas não se confluíssem, de modo que foi relativamente fácil desmembrá-la e encontrar a forma final que recupera a estrutura do romance original – afirma o diretor.

O director’s cut de Os Maias reduziu 44 capítulos de cerca de 50 minutos para quatro discos, num total 940 minutos de programação, incluindo os extras. Entre eles, depoimentos de atores Fábio Assunção, que viveu Carlos da Maia.

– Para ver Os Maias, você tem que se sentar e esquecer da vida, já que a riqueza dramatúrgica, o ritmo dos personagens, a separa do que se está acostumado a assistir. Não é como um clipe – diz o ator.’

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‘Obra-prima da TV revigorada’, copyright Jornal do Brasil, 28/04/04

‘Mais do que resgatar dos arquivos globais uma obra que renovava a narrativa televisiva de textos clássicos, o DVD de Os Maias retoma um debate de fundo sociológico. O insucesso da adaptação do romance de Eça de Queirós mostrou que o público nacional se desacostumou a cobrar excelência e refinamento daquilo que se tornou seu ópio audiovisual.

Eternizar um instante do real em forma de imagens em movimento e com elas imortalizar saberes, olhares, visões para o fenômeno humano é um papel de que a televisão abriu mão faz tempo. O veículo tem estado absolutamente acorrentado a seus desígnios industriais, sem poder desempenhar essa função, originalmente, reservada ao cinema. Talvez por isso Os Maias tenha ‘fracassado’, com índices do Ibope que baixaram de 31 para 18 pontos, ainda que tenha apresentado vanguardismo estético ímpar em relação à média da produção nacional.

Na TV brasileira, onde a telenovela consagrou-se prata do entretenimento, a linguagem cada vez se agiliza mais, mesmo que isso prejudique a dramaturgia. Os Maias surgiu como uma bandeira de reação a essa lógica de mercado, com um ritmo desacelerado, na contramão das MTVices. O DVD organizado por Luiz Fernando Carvalho concede uma nova vida ao corajoso tratamento dado a uma história que não oferece respostas sobre a fragilidade do caráter humano, somente levanta perguntas.

Livre dos núcleos paralelos que de modo algum prejudicavam a compreensão, mas ofuscavam o brilho de alguns personagens coadjuvantes, a trágica saga da família Maia agora flui sem travas. E as ferramentas do DVD permitem que se possa ir e vir no arranjo quase folhetinesco armado por Eça de Queirós para falar da derrocada de Portugal. A nova edição valoriza o ótimo trabalho de atores como Fábio Assunção e Simone Spoladore, então uma revelação. Mas, de todos, quem mais ganha é o veterano Walmor Chagas, cujo perturbador trabalho como Dom Afonso da Maia compara-se ao do rei Lear nipônico vivido por Tatsuya Nakadai em Ran, de Akira Kurosawa.’