Quando o governo Obama anunciou no dia 14 sua oposição a cláusulas importantes de dois projetos de lei do Congresso que visam reduzir as violações de direitos autorais na internet, a indústria de tecnologia, que vem lutando contra a proposta, achou que havia vencido. Mas, tanto no Vale do Silício quanto em Hollywood, era só uma batalha.
A Associação Cinematográfica dos EUA (MPAA, na sigla em inglês), que representa os estúdios de Hollywood e é a principal defensora da legislação contra a pirataria, disse que continuaria pressionando o governo pela aprovação de uma versão modificada dos projetos, conhecidos como Sopa (Lei para acabar com a Pirataria Online, na sigla em inglês) e Pipa (Lei de Proteção da Propriedade Intelectual). “Esperamos que a Casa Branca tenha um papel construtivo no avanço da #Sopa e da #Pipa”, postou a associação no Twitter.
Alguns expoentes desta indústria não foram tão diplomáticos. O diretor executivo da News Corp., Rupert Murdoch, foi um deles e numa série de mensagens via Twitter disse: “Então Obama preferiu associar-se aos comissários do Vale do Silício que ameaçam os criadores de software com pirataria, um roubo puro e simples.”
Os projetos contra a pirataria constituem um teste difícil para a indústria digital, jovem, desorganizada e em grande parte inexpressiva do ponto de vista político. Não está claro se companhias como Facebook e Google, deixadas à própria sorte, poderiam influenciar os membros do Congresso ou a Casa Branca sem usar a internet para mobilizar a oposição de tecnólogos, empreendedores e consumidores.
Manifestação online
A oposição veio de um amplo espectro, que inclui especialistas em segurança da informação, preocupados com uma cláusula que possa afetar os endereços da internet, enquanto os investidores temem que a legislação coíba a inovação das startups da área de tecnologia.
E ela ainda foi alimentada por alguns dos sites mais inovadores da rede. O Reddit e outros sites – como os blogs BoingBoing e Gizmodo, a Cheezburger Network, a revista Wired, a plataforma WordPress, e o próprio Google – modificaram suas páginas na quarta-feira para alertar seus usuários sobre o problema. A Wikipedia chegou a ficar fora do ar durante o dia todo, em protesto.
No mesmo dia, senadores que apoiavam a lei trocaram de lado. E a batalha da vez terminou na sexta-feira: tanto a votação da Pipa, que seria amanhã, quanto da Sopa foram adiadas sem prazo definido. Isso ocorreu logo depois de o governo dos EUA fechar o site Megaupload e de um contra-ataque do grupo hacker Anonymous (leia mais aqui).
“Parece que a internet está ganhando uma batalha contra uma lei potencialmente muito ruim”, escreveu Craig Newmark, fundador da Craigslist, o site de anúncios de classificados online, em seu blog.
Markham C. Erickson, CEO da NetCoalition, que inclui entre os seus membros Google e Yahoo, disse que é cedo para rejeitar as versões da Câmara ou do Senado destes projetos. Ele disse que resta em aberto a possibilidade de o seu grupo acabar com os projetos ou pressionar para que sejam introduzidas importantes mudanças.
“Temos uma chance de corrigir a proposta legislativa até descobrirmos o tipo de legislação necessária”, disse Erickson. “Temos a oportunidade de recuar, ajustar e compreender onde está o problema.” Vários sites importantes e empresas que acabam de entrar no mercado foram os que mais se opuseram aos projetos e afirmam que não deixarão tão cedo sua defesa online.
Os comentários das autoridades da área de tecnologia do governo são um sinal de que finalmente começaram a prestar atenção ao alerta feito pela indústria de tecnologia e sobre como estas leis favorecem a censura e prejudicarem a sobrevivência das empresas online. “É encorajador que, contrariamente a todas as probabilidades, tenhamos ido tão longe nesta questão, mas isto não acabou”, disse Erik Martin, o diretor gerente da Reddit, site social que moveu algumas das críticas às leis. “Estamos apavorados com a possibilidade de estes projetos serem aprovados de uma forma ou de outra.”
A manifestação online é importante porque esta é uma das poucas vezes em que a indústria se une em torno de uma questão crucial, disse Jonathan Zitrain, professor da Faculdade de Direito de Harvard, que estuda a influência da rede na sociedade.
“Confusa e caótica”
Embora questões delicadas, como créditos fiscais, política de patentes e neutralidade da rede, tenham levado os representantes do setor para Washington no passado, a Sopa “fez o mundo da tecnologia acordar”.
Michael O’Leary, vice-presidente executivo da MPAA, disse por telefone de Washington que o grupo continuará fazendo lobby em favor dos projetos atuais. “Não acho que seja necessário reformular tudo”, disse.
Vários representantes do setor, como Fred Wilson, investidor cuja empresa, Union Square Ventures, apostou em vários sites (como Tumblr, Twitter e Etsy), esperam um resultado mutuamente benéfico. “Adoraríamos que isto acontecesse; os próprios representantes do setor de entretenimento, os que investiram muito nos projetos Sopa e Pipa, uniriam-se a um grupo do setor de tecnologia que vem lutando ativamente contra e debateriam sobre a maneira certa de resolver o problema. Mas não vou falar em vitória ainda.”
Pablo Chávez, diretor de políticas públicas do Google, disse em um comunicado: “Como tantos outros, acreditamos que o Congresso quer que seja uma coisa bem feita. Sabemos que existem determinadas maneiras inteligentes de fechar sites estrangeiros infratores, sem pedir às companhias americanas que censurem a internet”.
Martin, do Reddit, concorda. “A internet é confusa e caótica e permite coisas que não são corretas, como a pirataria, mas a resposta do governo federal não deve ser a aprovação de uma burocracia e de uma legislação potencialmente incorretas”, disse Martin. “Não é assim que se resolvem as coisas.”
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[Jenna Wortham e Somini Sengupta, do The New York Times]