Sopa e Pipa – siglas de “Stop Online Piracy Act” e “Protect Intellectual Property Act”, estabelecem o uso, no território americano, de mecanismos de censura sobre a internet semelhantes aos utilizados em países como a China, Irã e Síria. O motivo do texto destas aberrações no legislativo estadunidense seria o de coibir a pirataria online, ou seja, pretendem combater práticas sociais que historicamente utilizamos para ter acesso alternativo a qualquer obra cultural: trocar, compartilhar, emprestar… tal qual acontece e sempre aconteceu nas bibliotecas.
O Sopa, caso aprovado pelos congressistas norte-americanos, não afetaria apenas os EUA, pois o país, além de concentrar a maior parte da infra-estrutura da rede, concentra quase todos os serviços e sites que utilizamos diariamente. A maioria dos sites da internet são hospedados nos EUA mesmo sem ter TLD (do inglês Top-Level Domain), domínio principal, americano, e outros fora dos EUA com TLD estadunidense como (.com, .net, .org). Em ambos os casos, o sítio da internet permanece sob a legislação americana.
No Brasil lutamos há anos contra o o AI5 digital (PL 84/99) e a favor do Marco Civil da internet (PL 2126). Toda esta luta pode ser vã no infeliz, e agora pouco provável, caso da aprovação do Sopa, isto porque, junto com a lei Sinde na Espanha e Hadopi na França, ele pode ser um terrível instrumento de pressão para que os demais países, incluindo aí o Brasil, adotem legislações semelhantes.
O mesmo que proibir o uso de bibliotecas
É importante lembrar que a Lei Sinde, que aparentemente havia sido brecada por ativistas espanhóis, foi aprovada logo no início do novo mandato do primeiro-ministro sob grande pressão americana, e que o AI5 digital, que fora congelado em 2008, mesmo com o poderoso lobby da indústria do copyright, voltou à tona no início deste ano com grande pressão, da mesma indústria, para aprovação. Fazem terrorismo ao alegar, de forma perversa, que pretendem garantir e criar mais empregos, ao passo que cada vez mais tiram foco da produção e concentram esforços na especulação, no ganho fácil. Através do prisma pelo qual vejo a questão, todo este esforço da indústria dos direitos autorais nada mais é que falta de generosidade, ganância e cobiça desmedida. Trata-se claramente de tentativa para que sejam criados mecanismos de censura corporativos nas mãos da iniciativa privada, com o intuito de controlar a internet e conseguir lucros ainda maiores, como se os lucros que esta indústria tem já não fossem suficientes.
Vivemos na Era da Informação e do conhecimento e estes devem circular livremente, sem impedimentos, pois saber vale mais que ter, informação vale mais que dinheiro. O acesso livre à informação e ao entretenimento digital deveria ser direito humano inalienável. A promoção da informação e do conhecimento livre é a maior transformação advinda com a internet e está transformando o mundo. Pirataria não é legal, deve continuar a ser combatida como é hoje, pela polícia, sem usar artifícios covardes de controle, vigilância e punição indiscriminada. O que não podemos permitir é que a internet seja mutilada por estas aberrações legislativas, redigidas por políticos que não nos representam.
Em minha ótica, aprovar o Sopa seria o mesmo que aprovar uma lei que proibisse o uso de bibliotecas, estabelecendo que para ler um livro numa biblioteca pública tivéssemos que pagar por isto; seria o mesmo que proibir as pessoas de ouvirem músicas juntas ou verem um filme juntos, em suas casas. Ora! Se o computador com a internet está dentro das casas e escritórios, e não em bares, restaurantes; se a internet está no celular, no bolso das pessoas, não está no meio da rua ou da praça, para exibição pública.
“Não” ao Sopa
Os estúdios de cinema já faturam bilhões com a divulgação de seu produto nas salas de exibição, sendo que os artistas que trabalham para a indústria do entretenimento ainda ganham mais com teatro e jabás. Bandas e orquestras faturam alto com shows, turnês, venda de CDs, DVDs e faixas em mp3, seja pela loja de músicas online da Apple ou similares. Rádio e TV, concessões públicas, creio, já faturam o suficiente com veiculações comerciais durante a programação. E os impressos, velhos veículos que usam tinta impressa em pedaços de árvores mortas, já não faturam o suficiente com publicidade e venda nas bancas e livrarias? Segundo estatísticas, e até contrariando os “visionários”, os mesmos que diziam que a internet acabaria com o mercado editorial, nunca na história se venderam tantos livros e publicações das mais diversas quanto se vende hoje.
Até onde vai a ganância e a cobiça do ser humano? Quem é, na realidade, o pirata? Por que esta falta de generosidade no compartilhamento de ideias, obras intelectuais, científicas e de entretenimento, produtos midiáticos dos mais variados, e demais produtos resguardados por direitos autorais? São perguntas que muitas vezes ficam sem resposta lógica que não seja a lógica humanitariamente insustentável da acumulação eterna. Mas tudo bem, ao que parece a sociedade global conectada vence mais uma vez, ao dizer um mega “Não” ao Sopa e aos projetos de lei similares. O certo é que quando vem a tempestade, o primeiro navio a afundar é o do mais avarento, seja ele pirata ou uma nau capitânia a serviço da coroa. A história dos naufrágios conta que a embarcação que tem mais tesouros e pilhagens, em seus porões, é a que vai a pique primeiro.
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[Ronald Sanson Stresser Junior é arquiteto da Informação, pós-graduado em Mídias Digitais pela Universidade Estácio de Sá]