O New York Times possui diversas normas peculiares que norteiam seu estilo de escrita – como, por exemplo, a tradição, no caderno de resenhas Book Review, de usar a palavra ‘odisséia’ apenas quando se refere a uma jornada que começa e termina no mesmo lugar. Mas, segundo Gary Bass [The New Yorker, 3/5/04], uma das mais irritantes é a antiquada regra de que o genocídio armênio de 1915 não pode ser chamado de genocídio.
Repórteres do jornal se utilizam de considerável ingenuidade para evitar a palavra – chamam o episódio de ‘tragédia’, ou se referem a ele como ‘o massacre turco dos armênios’. Mas a regra não foi bem fiscalizada e um pequeno número de jornalistas, intencionalmente ou não, conseguiram pôr a palavra no papel. Em 2001, Ben Ratliff escreveu que a banda de metal armênia-americana System of a Down ‘compôs uma enfurecida música sobre o genocídio armênio de 1915’.
No mês passado, Bill Keller, que também já conseguiu burlar a norma quando trabalhava na sucursal de Moscou do jornal, conseguiu mudá-la. Keller ocupou o cargo de editor-executivo do Times em julho do ano passado.
Em janeiro deste ano, o jornal publicou uma matéria sobre o lançamento do filme Ararat, sobre os eventos de 1915, em turco. O texto, que se referia às ‘amplamente discordantes’ posições armênias e turcas, levou Peter Balakian, um professor de ciências humanas da Universidade de Colgate, e Samantha Power, autora do livro vencedor do prêmio Pulitzer A Problem from Hell: America and the Age of Genocide, a escrever uma carta para o editor. Balakian também entrou em contato com Daniel Okrent, ombudsman do jornal, perguntando se ele e Samantha poderiam ir ao Times para conversar sobre o problema do uso do termo ‘genocídio’. Okrent achou a questão ‘intelectualmente interessante e provocativa o bastante’, e marcou a reunião para 16/3/04.
Antes do começo da conversa, Keller anunciou aos presentes que já estava decidido a mudar a regra. ‘Uma série de estudos respeitados expandiu a definição de genocídio. Particularmente, eu não me sinto qualificado para julgar qual é a definição mais precisa da palavra, mas me parece óbvio que a matança de milhões de pessoas simplesmente porque eram armênias se adequa à definição’, disse ele. Mesmo assim, completou, ‘[genocídio] é uma dessas palavras difíceis que correm o risco de serem banalizadas se forem muito usadas’. Agora, repórteres do Times já podem usar a palavra ‘genocídio’, mas não necessariamente precisam.