Há dois meses, falando a estudantes em Stanford, Mark Zuckerberg desabafou que, se voltasse no tempo para recomeçar o Facebook, ficaria em Boston, longe do Vale do Silício, dos fundos de “venture capital” e da “cultura de curto prazo”. Ele tem um problema: a abertura de capital do Facebook se aproxima e a rede social dá sinais de, nos EUA, ter batido no teto.
As visitas cresceram 10% de outubro de 2010 ao mesmo mês de 2011, segundo a comScore, contra 56% de aumento no ano anterior.
Já se fala em “saturação social”, como publicou o “New York Times”. Segundo depoimento de David Carr, repórter e colunista da área cultural do “NYT”, 2011 foi o primeiro ano em que ele viu sua produtividade cair por causa de seu consumo de mídia. E, para 2012, Carr diz estar diante da escolha entre cortar passeios de bicicleta ou “alguns desses hábitos digitais que estão me comendo vivo”.
Nas três primeiras semanas, nada. “Meu Twitter ainda está me comendo vivo, embora eu tenha tido certo sucesso em desligá-lo por um tempo”, diz ele à Folha. “Na maior parte do tempo, porém, é como ter um cão amigável que quer ser sempre acariciado, levado para passear. Em outras palavras, continua me deixando louco.”
Menos interação
Pouco a pouco, os americanos, bem como os europeus, restringem a interação on-line e se tornam “espectadores”, segundo o relatório Adoção de Mídia Social em 2011, da Forrester Research. Só um terço dos americanos e europeus atualiza seus perfis em redes sociais, Twitter inclusive, toda semana.
Já nos emergentes, Brasil entre eles, dois terços dos internautas atualizam seus perfis semanalmente. Nos centros urbanos, três quartos.
O relatório visa ajudar em estratégias de negócios, alertando que “essas tendências apresentam um desafio para o Facebook, conforme se aproxima de seu IPO [oferta pública de ações]”.
Aos estrategistas de marketing, Gina Sverdlov, da Forrester, escreve: “Se você tem como alvo usuários nos mercados ocidentais, priorize dar a eles conteúdo que possam simplesmente ler ou ver. Não espere muita interação dos consumidores ocidentais”.
“Slow” tudo
A reação vai além das redes sociais. No final do ano, a revista “Travel + Leisure” publicou uma edição sobre “o futuro das viagens”, ouvindo futuristas e proclamando que “o maior luxo do século 21 será escapar da rede” em “black hole resorts”, refúgios buracos negros, com “total ausência de internet -até as paredes serão impenetráveis ao acesso sem fio”.
Segundo Judith Kleine Holthaus, ex-Future Foundation, hoje responsável por estratégia e insight na McDonald's Corp., “sejam instalados no alto de montanhas ou em vilas exóticas, os buracos negros serão o ápice do movimento 'slow food' [a favor de produção camponesa], 'slow travel', 'slow' tudo -o máximo em se livrar de tudo”.
Na mesma direção, espalham-se pela Ásia os centros de recuperação de viciados em internet. Na Coreia, já seriam 200. Na China, 300.
Ganham repercussão nos EUA os softwares criados por Fred Stutzman, da Universidade Carnegie Mellon, como o Freedom, um “software de produtividade” que restringe o acesso à web por um determinado número de horas.
Ataques à web
E no último ano e meio acumularam-se os livros com questionamentos aos efeitos da internet: ela mina a criatividade, escreve Jaron Lanier em “Gadget – Você Não É um Aplicativo” (ed. Saraiva); sufoca os momentos de quietude, segundo “Hamlet's Blackberry”, de William Powers, inédito no Brasil; e afasta as pessoas com ferramentas que serviriam para aproximá-las, segundo “Alone Together”, de Sherry Turkle, do MIT, também inédito por aqui.
O porta-bandeira nas críticas é Nicholas Carr, autor três anos atrás de um artigo de grande repercussão na revista “Atlantic”, “Is Google Making Us Stoopid?” (“O Google está nos tornando burros?”), com argumentos que depois ampliou em “A Geração Artificial” (ed. Agir). Dele, na edição mais recente: “O que são os smartphones senão coleiras high-tech?”.
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Cansaço da web ainda está longe do Brasil
O Brasil está longe da saturação social observada nos EUA: o Facebook cresceu 192% em um ano, chegou a 36 milhões de usuários e ultrapassou afinal o Orkut -que também cresceu, mas 5%, segundo a comScore.
Em relatório, a consultoria Forrester Research até recomenda, aos investidores e profissionais de marketing: “Se você está colocando todos os esforços sociais nos EUA, é hora de mudar seu foco -e seu orçamento- para países onde os usuários são mais sociais”.
“Os emergentes lideram o mundo na adoção de mídia social, enquanto mercados tradicionais ficaram para trás”, diz o estudo, destacando, entre os emergentes, China, Índia e Brasil.
Mas já se percebem por aqui os primeiros sinais de uma reação à vida digital e aos seus efeitos sobre a produtividade, ao menos nos bolsões em que a disseminação de mídia social é maior e mais amadurecida.
Num exemplo prosaico, a presidente Dilma Rousseff abandonou o Twitter há mais de um ano, apesar dos reclamos gerais, “por falta de tempo”, segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Ela continua com a internet presente em seu cotidiano, mas como “espectadora”, na classificação da Forrester para internautas de mercados “maduros” como os EUA.
No caso, Dilma usa a internet para consumo de jornais e revistas, o que ocupa entre uma hora e uma hora e meia de seu tempo, pela manhã. Tem como base um notebook, que fica em sua mesa, e usa tablet para leitura de títulos, inclusive internacionais, como o “Financial Times”. Iniciado o trabalho, não permite nem celular nas reuniões.
Corroborando estudos que indicam que a internet prejudica não apenas a criatividade das pessoas mas a sua própria humanidade, o diretor de teatro Antunes Filho abandonou seu notebook, que deu para um assistente.
“Eu gosto de ficar com a cabeça livre”, responde Antunes, ao ser questionado sobre criatividade. “A internet é o grande cheio. Você tem de ficar no grande vazio, no grande zen, solto, nuvem branca correndo no céu.”
“Desativei”
Também são comuns os casos de jovens que se desligam da rede para estudar. É o caso da estudante brasiliense Isabele Bachtold, 24, que fez uma pausa para se dedicar mais ao concurso do Instituto Rio Branco.
“Eu acabava entrando [na internet] para tirar alguma dúvida, aí ficava no Facebook e, quando percebia, já tinha passado meia hora”, conta. Assim, tomou a decisão de desativar a conta. “Desativei, em vez de deletar, porque pretendo voltar”, diz Isabele.
Até agora, a estudante não sentiu tanta falta da rede social -o Facebook era a única que usava. “Eu só sinto falta de saber o que está acontecendo na cidade.”
Dos amigos que mantinha na rede, 13 eram os que Isabele interagia com mais frequência. “Sempre que tinha novidades, alguém postava nesse grupo. Continuo me encontrando com eles.” (Nelson de Sá E Alexandre Aragão)
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[Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo]