’30/04/2004
Está boa a primeira página da Folha de hoje, com vários assuntos de impacto.
O primeiro jornal a noticiar a possibilidade de fraude na licitação do lixo de São Paulo foi o ‘Diário de S. Paulo’, na edição de ontem. Mas a Folha fez bem em dar o alto de sua capa para o caso. Primeiro, por sua relevância; segundo, porque o documento que possui é diferente do que mostrou o ‘Diário’, o que reforça a possibilidade de fraude; e, terceiro, porque traz novos detalhes. Embora a informação exclusiva seja fundamental para qualquer jornal, ela não pode ser o único critério a nortear a edição.
A arte da evolução do salário mínimo, com a linha do aumento real, e a foto dos índios cintas-largas que continuam no garimpo ilegal de diamantes são dois documentos fortes da primeira página.
O aumento do mínimo e as críticas que provocou formam as manchetes de quase todos os jornais. ‘O Estado’ e ‘Valor’ são duas exceções. Preferiram reservar o destaque principal de suas edições para os indicadores da Fiesp e da Firjan que mostram crescimento, em março, de vendas e salários na indústria. ‘Está confirmado que nós saímos do fundo do poço’, diz uma economista ouvida pelo ‘Valor’.
48%
Deve ser apenas coincidência, mas tanto os gastos com os novos contratos para a coleta do lixo como os gastos finais nos dois túneis da Faria Lima têm aumentos iguais: 48%.
Loteria
A Folha (hoje) e o ‘Diário’ (ontem) foram bem cautelosos no uso dos documentos que possuem como prova de fraude. Como apenas três empresas concorreram no final, as probabilidades de manipulação destes documentos é real. Os dois jornais dizem isso claramente.
Transparência
O ‘Diário’ leva a vantagem de ter podido revelar sua fonte, um técnico e consultor gaúcho. O jornal atribui todos os questionamentos e acusações ao consultor, explicita a motivação dele (‘assume perseguir as administrações petistas’ em Porto Alegre e em São Paulo) e admite dúvidas (‘em várias entrevistas dadas ao `Diário´ ele [o consultor] não apontou elementos mais concretos [além das doações feitas pelas empresas vencedoras da licitação para a campanha eleitoral da prefeita]).
A Folha confia na sua fonte: ‘Um documento recebido pela Folha e registrado em cartório’ e ‘Os documentos que a reportagem recebeu de uma pessoa que não quer se identificar…’.
Tudo indica que possa ter havido fraude nesta concorrência, mas as dúvidas aventadas pelos dois jornais em relação aos documentos que possuem exigem mais investigações jornalísticas.
Economia de vereadores
O jornal deveria cobrir com mais freqüência e destaque o que o Congresso está tentando fazer para impedir o corte de 8.528 vagas de vereadores decidido pelo TSE (‘Corte de vereadores geraria economia de R$ 2,2 bi em 4 anos’, Brasil, A7). Tenho a impressão que é a única medida séria que resulta em economia para os cofres públicos feita nos últimos anos. As manobras do Congresso são um escândalo.
Lula
Não vi na reportagem da Folha que recupera o jantar de Lula, quarta à noite, com deputados do PTB, a frase que o ‘Globo’ atribui ao presidente:
‘Um dia, acordei invocado e telefonei para o Bush’. O relato do ‘Globo’ me pareceu mais completo e saboroso.
Cintas-largas
Pelo que entendi, a Folha voltou a cobrir os enfrentamentos entre índios e garimpeiros nas reservas dos cintas-largas em Rondônia à distância, de Manaus e de Brasília. Lembro que o episódio das matanças ainda não foi contado e que, conforme ressaltam as reportagens de hoje, ‘Operação da PF não parou garimpo dos cintas-largas’ e ‘Garimpeiro volta à reserva, dizem indígenas’. Vem mais guerra.
Exército no Rio
‘O Globo’ e ‘Estado’ (Dora Kramer) informam que o Exército voltará às ruas do Rio.
Aviso
Como estarei participando, a partir de domingo, da conferência anual da organização mundial de ombudsmans, nos Estados Unidos, não haverá crítica interna na semana que vem.
27/04/2004
A Folha mantém a compra da Embratel como assunto principal. Está certa. Tenho dúvidas, no entanto, em relação à manchete, ‘Polícia apura se teles formam cartel’. Tão ou mais importante que o inquérito aberto pela polícia, e que provavelmente se arrastará por anos sem conclusão efetiva, é o fato de o governo (Carlos Lessa e José Dirceu), mesmo diante das evidências da formação do cartel, continuar a defender o consórcio das teles com argumentos nacionalistas.
Acho que a chamada do ‘Globo’ é melhor porque coloca o governo no centro da discussão: ‘Teles: governo dá apoio e minimiza cartel’. A do ‘Estado’ foca apenas no Lessa: ‘BNDES reafirma interesse pela Embratel’.
É curioso como os três grandes noticiam na primeira página a ida de Lula a uma fábrica de São Bernardo, onde foi vaiado e onde prometeu corrigir a tabela do Imposto de Renda. A Folha só chamou para as vaias: ‘No ABC, Lula ouve vaias e queixas de metalúrgicos’. ‘O Globo’ (‘Lula avisa que tabela do IR terá mudança’) não fala em vaia, mas em ‘pressão’. E no ‘Estado’ (‘Lula acena com correção da tabela do Imposto de Renda’), nem vaia nem pressão. A Folha ainda reforça seu tom crítico com uma foto dos metalúrgicos com um cartaz que cobra a realização das promessas de campanha.
Lula
Lendo os outros jornais ficou a impressão que a Folha exagerou nas vaias a Lula. É verdade que ele foi cobrado, ‘e até pressionado’, na fábrica da Daimler-Chrysler (‘Metalúrgicos hostilizam Lula em visita a seu berço político’, Brasil, A4). Mas, no final, ‘acabou deixando o local aplaudido pelos funcionários [da fábrica]’. O que parece indicar que, apesar da hostilidade inicial, Lula foi compreendido por seus ex-companheiros.
Merecia, portanto, um registro na linha fina sobre o título, ou no pé da chamada da primeira página, para dar equilíbrio ao noticiário.
‘O Globo’ criou uma novidade, a quase-vaia: ‘Lula quase foi vaiado pelos metalúrgicos quando classificou de privilegiados os que pagam IR no Brasil’.
Febem
‘Estado’ e ‘Globo’ informam que o coral da Febem, vetado pela segurança do Lula na abertura da Bienal, como antecipara o Painel, tocou ontem, enfim, para o presidente.
Interesse nacional
Um dos documentos reproduzidos pela Folha no domingo mostrava que a Telefônica já contava com o apoio do governo na compra da Embratel desde que adotasse um discurso ‘pró-competição’. Quem fez este discurso ontem foi o ministro José Dirceu, que defendeu o que chamou de ‘interesse nacional’ (noticiário sobre a compra da Embratel, B3 e B4 de Dinheiro).
Acho que o jornal deveria dar mais destaque para as manifestações oficiais que apóiam o consórcio das teles e tentam minimizar os riscos de cartelização.
Ponto para a Folha por ter mostrado que a tarifa da Telmex é a mais alta da AL. Estava faltando algo sobre a mexicana.
Economês
Não entendi porque o jornal deu tão pouco destaque para o Palocci comentando, em N.York, a decisão do FMI de alterar o cálculo do superávit primário.
E a nossa reportagem (‘Palocci defende fortalecer quadro fiscal’, Dinheiro B4) é incompreensível. O que é ‘fortalecer quadro fiscal’, ‘dar mais qualidade ao nosso quadro fiscal’, ‘dar ao país mais força fiscal’? É bom ou ruim e para quem? O ‘Estado’ é direto: ‘Palocci: novo superávit não muda aperto fiscal’.
A medida do FMI precisa ser melhor explicada na Folha.
Exageros
É exagero dizer que ‘chefs vêem exagero em regra para alimentos’ (capa de Cotidiano da Ed. SP). Foram entrevistados apenas três chefs, sendo que um elogiou as novas medidas.
Emasculados
Estranho a Folha escrever na reportagem ‘Mecânico diz ter matado 12 meninos no Pará’ (C5 na Ed. Nac. e C7 na Ed. SP) que ‘a informação foi divulgada ontem pelo gerente de Segurança do Maranhão, Raimundo Cutrim’. A informação já tinha sido divulgada, tanto que o ‘Estado’ de domingo trouxe uma página sobre o caso (‘A confissão deste homem: 32 garotos mutilados e mortos’).
Conjuntivite
‘O Globo’ noticia um surto de conjuntivite na cidade. Já teriam sido registrados 16.500 casos.
Aviso
A crítica interna não circulará amanhã e quinta-feira. Amanhã estarei no Centro Universitário Alcântara Machado (UniFiam-Faam), em São Paulo, no ciclo de palestras da Cátedra de Jornalismo Octavio Frias de Oliveira. E na quinta, participo, no Rio, do seminário sobre cobertura das eleições municipais, organizado pelo Ibase e pela Abraji.
26/04/2004
A Folha trouxe a manchete de maior repercussão deste fim-de-semana: ‘Teles negociam compra da Embratel para subir preços’. Os documentos encontrados pela polícia na Telemar e revelados pela Folha mostram que acordos secretos entre as três concessionárias de telefonia fixa para a compra da Embratel prevêem o aumento das tarifas assim que for liquidada a concorrência. ‘O Estado’ deu manchete para transportes no domingo (‘Sem investimentos, País vive a ameaça do apagão no transporte’) e, hoje, para a reunião dos governadores (‘Governadores ameaçam ir à Justiça contra a União’). ‘O Globo’ deu manchete para adulteração de gasolina no domingo (‘Fraude em combustíveis no RJ envolve 30 distribuidoras’) e para o FMI hoje (‘FMI testará no Brasil nova regra para contas públicas’). A manchete de domingo da Embratel tem repercussão hoje nos dois concorrentes, embora só o ‘Globo’ cite a Folha. As revistas tratam do consumo de drogas (IstoÉ), da corrupção nas prefeituras (Veja) e a doce vida de FHC (Época).
Improviso
Está evidente que a repercussão de hoje da manchete de domingo sobre a compra da Embratel foi improvisada. Isso acontece com a Folha com alguma freqüência. O jornal faz um esforço enorme para ter um bom material no domingo e se esquece de continuá-lo na edição de segunda. A importância do assunto exigia o planejamento da edição de hoje. A repercussão ficou sujeita ao acaso: foi ouvido quem a Redação conseguiu catar num domingo. Por isso, a própria manchete é fraca e meio óbvia: ‘SDE vai usar documentos da Telefônica em apuração’. . Faltou ouvir os Estados Unidos (MCI, tendência da corte de falência, especialistas) e o México (Telemex). . Faltaram mais reportagens produzidas a partir do material apreendido pela polícia e que está com o jornal (são mais de 80 quilos de documentos). É de se imaginar que tenha ainda muitas informações importantes não divulgadas. O jornal deveria ter saído hoje com mais documentos. . Faltaram bastidores das duas outras teles que devem estar irritadíssimas com os descuidos da Telefônica. . E faltou análise, um texto que mostrasse como este episódio escandaloso é apenas mais um capítulo na guerra pelo domínio do mercado brasileiro de telefonia.
Arte
Mais uma evidência da improvisação: a arte de hoje (‘Entenda a venda da Embratel’) é praticamente a mesma de ontem.
Projeto Carnaval
A apreensão pela polícia dos papéis da Telemar possibilitou três revelações importantes destacadas pela Folha na edição de domingo: a compra da Embratel pelas três teles que hoje dominam o mercado brasileiro eliminará o que resta de concorrência e possibilitará que nivelem as tarifas telefônicas ‘pelo teto’; elas pretendem diluir os custos de aquisição da Geodex, uma das empresas que participa da engenharia montada para o negócio, com os acionistas minoritários da Embratel, o que contraria os interesses destes acionistas; e elas têm acordos secretos que mostram que dominarão de fato a empresa compradora da Embratel, apesar de não poderem fazê-lo porque já são concessionárias. Para o consumidor, o que interessa de fato é o primeiro ponto e, portanto, a Folha agiu certo em destacá-lo. Os dois outros pontos, no entanto, também são importantíssimos, embora de mais difícil compreensão para os que não dominam a complexidade do jogo empresarial. Por isso, acho que esta parte deveria ter merecido mais esforço didático. Senti falta de uma arte que mostrasse a engenharia montada pelas três teles com a Geodex. As quatro montaram um consórcio que forma uma holding, (Gavle) que controla uma empresa (Calais) que controlará a Embratel. Só entendendo esta engenharia é possível se perceber as artimanhas descritas nos papéis confiscados. E, acho, a melhor forma de entender a estratégia é através de uma arte.
Bastidores do negócio
Senti falta, no material das teles de domingo, de mais informações sobre a operação policial e dos bastidores que estão por trás desta disputa (‘Papéis expõem bastidores do negócio’).
‘Valor’
O jornal antecipa o parecer da MCI que recomenda ao tribunal de falências de NY que a Embratel seja vendida à Telmex. Reportagem de São Paulo.
Transparência
A informação de que a entrevista com Iasser Arafat foi feita por um repórter que viajou a convite da representação diplomática da Autoridade Nacional Palestina em Brasília deveria estar registrada já na capa do caderno Mundo de domingo e não no pé de uma sub (A22, a reportagem com brasileiros na Palestina). A informação na capa, além de garantir a transparência recomendada no Manual, ajudaria o leitor a entender a cautela do jornalista em suas perguntas. A que abre a seqüência da entrevista, na página A22, não é uma pergunta, mas uma deixa para Arafat. Como o objetivo aparente da entrevista era dar voz a Arafat e aos palestinos, não há contestações às respostas do líder. O Manual recomenda perguntas diretas e ousadas (pág. 40). Não vi isso. Até entendo a dificuldade de se fazer uma entrevista desta nas circunstâncias de uma viagem a convite, em uma região de extrema tensão e com um personagem prisioneiro. Por isso mesmo, teria sido melhor outro formato para o material que não o tradicional pingue-pongue que implica em objeções e na identificação de contradições.
Corruptos da América Latina
A tradução da reportagem da Reuters em Miami (‘Flórida caça corruptos latino-americanos’, Mundo, A25 de domingo) poderia ter vindo acompanhada de um material próprio da editoria com a nova comissão anti-corrupção com questões relativas ao Brasil. Eles já estão investigando os nossos corruptos?
FMI
Olhando para trás, fico com a impressão que ‘O Globo’ estava mais bem informado do que a Folha em relação às chances de mudanças imediatas nos cálculos de superávit primário, como foi anunciado ontem em Washington. Na edição de quinta, o jornal do Rio foi o único que deu destaque para o estudo que o Fundo fazia: ‘Tensões sociais na mira do FMI; Fundo estuda orçamentos de alguns países latinos para liberações na área social’. A Folha escreveu então que o FMI admitia ‘preocupação’ com as chamadas tensões sociais na América latina, mas seu economista-chefe não via solução no curto prazo. ‘O Globo’ se baseou na mesma autoridade para bancar uma informação diferente. É possível que tenha sido uma aposta do ‘Globo’. Mas, pelo noticiário de hoje (‘FMI vai relaxar restrição a investimentos’), estava certo.
Cintas-largas
A Folha continua devendo uma grande reportagem que reconstitua e explique o que houve no garimpo de Roosevelt, onde os índios cintas-largas mataram dia 7 pelo menos 29 garimpeiros. A reportagem principal de ontem (‘Índios alugam monomotor para negociar os diamantes’) acrescenta novos elementos ao caso graças ao conhecimento que o Hudson Corrêa vem acumulando sobre o assunto desde a reportagem de 1º de janeiro. Mas a cobertura continua fragmentada. Falta nexo. Se os índios negociam com contrabandistas, se parte deles permitia a entrada selecionada de garimpeiros, se eles são os primeiros interessados no garimpo ilegal, por que a explosão de fúria e os assassinatos? A antropóloga Carmen Junqueira (pág. 6), que conhece bem o grupo, mas está longe há muito tempo, acha que os assassinatos foram uma resposta a ‘coisas muito graves que aconteceram na área e que não sabemos’
Pode ter haver com humilhações ou desacatos aos índios por parte dos garimpeiros, segundo ela. Enfim, o ponto é que ainda devemos a grande reportagem sobre este que é o maior massacre perpetrado por índios recentemente.
Sem-teto
Fez bem a Folha em enviar repórter para Nova Iguaçu para a cobertura da reunião dos sem-teto (‘Sem-teto critica Lula e promete invasões’, capa de Cotidiano). Este é um movimento que tende a crescer e o jornal está bem informado, como demonstrou nas invasões em São Paulo e agora nesta cobertura.
Skol beats
Não consigo entender porque o jornal envia cinco repórteres para fazer uma cobertura que resulta num texto meramente descritivo de problemas, sem qualquer charme ou diferencial criativo. Pareceu um desperdício. Amanhã deve sair um vasto material em Ilustrada, possivelmente charmoso e criativo. Ou seja: os problemas ficam em Cotidiano num dia, a cobertura musical em Ilustrada no outro e o leitor que junte as coisas.’