Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manchete forçada

Há uma manchete no site do Bom Dia Brasil com data de terça-feira (17/1) que diz o seguinte: “Governo argentino decreta que é crime divulgar inflação real do país“.

A maioria de leitores apressados dos dias de hoje passa os olhos por cima do texto, retendo a manchete como um resumo das informações. Depois, poderá se lembrar deste “resumo”, por exemplo, em uma roda de amigos no bar, em algum comentário no Facebook, em uma conversa com o vizinho que vai fazer turismo na Argentina etc. O leitor mais interessado, contudo, pode tentar descobrir mais informações sobre o tal decreto. Ao ler a matéria de seis parágrafos, descobre lá no meio do texto apenas uma única frase relacionada à manchete: “Ainda assim, o governo decretou que divulgar a inflação real é crime.”

Como assim? Onde? Quando? Como? Tem número do decreto? Em que condições ele foi aprovado? Qual a pena para quem descumprir o tal decreto? Os tribunais superiores da Argentina não foram acionados? Um jornalismo bem feito explicaria melhor essas questões, ou pelo menos mencionaria os detalhes básicos e apresentaria links para matérias anteriores. Para o leitor mais interessado, mas que não acompanha a política argentina, o tal decreto poderia ser verdade e poderia não ser. Mas se fosse verdade, uma notícia bem feita mencionaria mais detalhes, e não basearia toda a manchete em uma frase isolada e sem outras informações adicionais.

Exemplo de mau jornalismo

O que deve existir é manipulação dos índices oficiais de inflação da Argentina. Se esta era a intenção da manchete, seria mais correto e transparente apresentar os argumentos de forma mais clara, trazendo a opinião dos que questionam a validade dos índices, bem como a opinião dos que a defendem. Outros links recentes de economia, do próprio sistema Globo, mencionam o problema de inflação argentina, mas nenhum cita o suposto decreto.

Este é o famoso “padrão Globo de jornalismo”? Ou é apenas a manifestação da tendência de noticiar como “ruim” tudo o que vem de Argentina, Venezuela, Paraguai, Bolívia, enfim, todos os países latino-americanos que, à exceção da Colômbia, são umas republiquetas autoritárias e atrasadas, a caminho do caos e da barbárie? (Este parágrafo contém ironia; sempre é bom avisar, pois os leitores apressados são muitos.)

Eu não tenho diploma de jornalismo e nunca exerci esta profissão. Mas, para um leigo, isso parece um exemplo claro de mau jornalismo.

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[Rogério Camboim é servidor público federal, Porto Alegre, RS]