Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vinicius Torres Freire

‘Lula da Silva bebe demais? O que é ‘demais’? Não é tão fácil definir e é difícil encontrar evidências de que seu hábito de beber estorva o governo, caso em que tal informação teria interesse público.

Um repórter do ‘New York Times’ ouviu fontes de segunda e terceira mão, citou gente inimputável, recolheu fofocas e relatou ontem em seu jornal que a bebedeira de Lula é ‘preocupação nacional’.

A reportagem é um lixo. Mas um jornalista americano de quinta categoria se sente à vontade para escrever o quer sobre um governo de terceira de um país de segunda classe. Afinal, nós somos uma espécie de Sudistão e o ‘Times’ parece demitir apenas os Jayson Blair que trabalham nos EUA -os demais são enviados como correspondentes para países obscuros (Blair, como se sabe, era o repórter cascateiro-mor do ‘Times’).

De resto, a preocupação nacional por ora não são os tragos no governo, mas o fato de que a administração Lula é intragável de tão inepta. Se o governo deixasse de ser tão disparatado, faríamos um brinde. Tim-tim.

Lula bebe e fuma (este jornalista também). Aparece em público com canecas de cerveja, copos de uísque e se congratula por isso. Há rumores de que fica alcoolizado em festas. Mas os jornalistas da Folha não sabemos se o presidente sofre de alcoolismo ou se o álcool que bebe afeta sua capacidade de trabalhar (se tivéssemos evidências factuais, teríamos publicado).

Beber é problema? Há gente que bebe, fuma maconha, toma cocaína e é capaz de trabalhar, dirigir empresas, ministérios, escrever em jornal. Há gente que bebe, cheira e arruina a sua vida, quando não a dos outros. É aleatório, uma roleta russa, e drogas fazem mal mesmo (assim como pregar magreza anoréxica, comer gordura demais, respirar poluição).

Não é bom mostrar consumo de drogas diante de crianças, por exemplo. Como Lula é a pessoa mais fotografada e filmada do país, associações que combatem o alcoolismo pediram ao presidente que procure não dar mau exemplo. Resolve?

O mais significativo dessa história de bebida é que o governo, de tão fraco, começa a perder o respeito. Caiu na boca do povo.’



Carlos Heitor Cony

‘Água vem do ribeirão’, copyright Folha de S. Paulo, 10/05/04

‘Deu no ‘New York Times’, ‘NYT’ para os íntimos, que os brasileiros estão preocupados com ‘o presidente Da Silva’, Lula para nós outros. O motivo da preocupação nada tem a ver com a taxa do desemprego, o fracasso do Fome Zero, a concentração de renda que Da Silva prometeu combater e que continua aumentando de forma considerada obscena pelos entendidos.

O principal jornal dos Estados Unidos garante que Da Silva tem tido problemas e que vem apelando para ‘bebidas fortes’, aquelas que são destiladas em alambiques de boa procedência e que não podem ser confundidas com a água que todos bebemos. Segundo uma marchinha de Carnaval antiga, a água vem do ribeirão das Lajes. Do alambique vem outra beberagem.

O ‘NYT’ cita Leonel Brizola, companheiro de antigas jornadas de Da Silva. Com a rudeza típica de gaúcho, que prefere chimarrão a bebidas destiladas ou não, o ex-governador do Rio teme que os neurônios de Da Silva comecem a ficar arruinados, o que no fundo é um elogio ao presidente, que é freqüentemente acusado de não ter neurônio algum para ser arruinado.

O jornal nova-iorquino lembra que o Brasil já teve um precedente, não faz tanto tempo assim, por coincidência também um senhor Da Silva, pois seu nome completo era Jânio da Silva Quadros. Também cultivava sagrado horror ao líquido que vinha do ribeirão e que os jornais antigos chamavam de ‘precioso’. Jânio não apreciava os alambiques nacionais, preferia os da Escócia, que lhe alertaram contra as forças terríveis que o fizeram renunciar.

Da Silva é um nacionalista convicto, tem o gosto, o gesto e o cheiro do homem comum brasileiro. O outro Da Silva era metido a inglês, falava difícil e gastou horas de seu mandato regulamentando brigas de galo, corridas de cavalo e concurso de misses.

O Da Silva atual passou uma noite discutindo com os ministros o fechamento dos bingos. A água que vem do ribeirão nada tem a ver com isso.’



Hélio Fernandes

‘New Iorque Times, vergonha do jornalismo’, copyright Tribuna da Imprensa, 10/05/04

‘A palavra correta para definir a matéria do New Iorque Times sobre o presidente Lula é esta: I-G-N-O-M-I-N-I-O-S-A. Invadindo a vida particular do presidente do Brasil, recolheu e endossou conceitos impublicáveis se fossem verdadeiros, inacreditáveis por serem rigorosamente mentirosos. Assim como se dizia lá mesmo nos EUA, no auge da corrupção (principalmente em Chicago e Nova Iorque), ‘Al Capone é a vergonha de uma nação’, o New Iorque Times é a vergonha do jornalismo.

Não sei a razão do jornal ser tido e havido como o maior do mundo, se na sua história não se inscrevem as maiores batalhas pela coletividade, pela comunidade, pela credibilidade. Nessa terrível batalha pela exaltação da moralidade pública, o New Iorque Times sempre atuou de forma oblíqua, ambígua.

O Planalto e a Presidência da República não podiam deixar de responder a esse atentado ao presidente brasileiro. A nota oficial dirigida diretamente ao jornal dos EUA e ao povo brasileiro foi bem redigida, mas não é tão dura quanto o New Iorque Times merecia e precisava.

Não podiam ter dito que o jornal dos EUA pratica a ‘pior espécie de jornalismo marrom’. Isso já está ultrapassado há muito tempo. Antigamente, ‘o jornalismo marrom’ era sempre contra, atacava em nome da reciprocidade, ganhava tanto por cada adjetivo despejado em cima dos poderosos. Depois, negociavam, voltavam a silenciar, já saciados e os ‘inimigos’ tranqüilizados.

Hoje o jornalismo marrom é o jornalismo a favor, ou o que eu rotulei como amestrado, pré-pago ou outras definições iguais ou parecidas. Agora, com a evidente evolução (ou retrocesso) da vida pública, quase todos estão sequiosos por elogios, recebem e pagam esses elogios deliciosos e generosos com a mesma volúpia como pagavam antigamente para eliminarem as palavras ameaçadoras ou intranqüilizadoras.

Robert Kennedy, já senador, escreveu e repetiu: ‘A Imprensa dos Estados Unidos só é livre porque nunca diz nada’. Era verdade. Temos que ressaltar que isso foi dito antes do Watergate. Neste episódio, no qual o New Iorque Times não teve a menor participação, o destaque foi para o Washington Post. Mas assim mesmo por causa da obstinação de dois jornalistas iniciantes, ‘dois focas’ (na linguagem interna), que acabaram movimentando a questão.

O New Iorque Times não praticou ‘jornalismo marrom’ e sim arrogante e de autodefesa. Arrogante porque acredita e admite que pode tudo, que o mundo inteiro se move e se identifica com a diretriz do jornal. E a autodefesa vem por causa da situação interna dos EUA. Há mais de 1 ano soterrado pela autocensura conseqüente do 11 de setembro de 2001, o New Iorque Times se arrojou aos pés do presidente Bush e aceitou esse pacto não escrito para não acusá-lo de nada, de defendê-lo de tudo, em nome de um ‘patriotismo’ inteiramente deformado.

Um dos fatos mais clamorosos do nosso tempo é a chamada GUERRA PREVENTIVA, imposta ao mundo por Bush e sua quadrilha. O New Iorque Times não deu uma palavra sobre o fato mais perigoso do nosso tempo. Teve medo de enfrentar a Casa Branca, de contrariar o establishment, de hostilizar o que erroneamente consideram como o Poder constituído.

O New Iorque Times, arrogante e pretensioso, se curvou de forma humilhante, rastejando aos pés dos poderosos do momento. Os EUA são justamente orgulhosos da sua Constituição, da defesa intransigente do direito de todos, daquilo que os 8 sábios da Filadélfia (Washington, Jefferson, Jay, Benjamin Franklin) colocaram na belíssima Constituição de 1787. Agora se assustam com a derrubada de todos esses direitos. E o New Iorque Times sem dar uma palavra, sem registrar um protesto, sem se colocar na linha da defesa desse direito fundamental, ataca covardemente o presidente do Brasil.

O presidente Lula não precisa ficar preocupado. A humilhação do jornalão de Nova Iorque foi premeditada, deliberada e projetada com total consciência, ou melhor, inconsciência. E a reação está surgindo (e vai aumentar bem mais) do mundo inteiro. É um tipo de execração jornalística que só atinge aos que o praticam.

Tendo respondido, o presidente Lula terá mais um ponto para sustentar a sua luta pela emancipação do Brasil. E tem que se convencer: o que o New Iorque Times publicou é mais intimidação do que ultraje. Esses ataques do jornalão se juntam aos elogios do FMI. Representam a mesma coisa.

PS – Mais nenhuma atenção ao New Iorque Times. Este cumpriu o papel de guarda pretoriano e defensor da GUERRA PREVENTIVA. Lá mesmo nos EUA, essa GUERRA PREVENTIVA é considerada uma chaga na História dos EUA. O New Iorque Times não tem história, tem histeria.’



Denise Madueño, Fabíola Salvador e Edson Luiz

‘Planalto reage indignado a reportagem do ‘NYT’’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/05/04

‘O governo brasileiro reagiu formalmente ontem condenando a reportagem publicada pelo jornal americano The New York Times na qual afirma que um suposto uso excessivo de bebidas alcoólicas tem prejudicado o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Informado na noite de sábado sobre a matéria, Lula aconselhou moderação: ‘A gente não reage contra esse tipo de coisa com precipitação, com o fígado’, disse a seu secretário particular, Gilberto Carvalho.

No artigo intitulado ‘Hábito de beber do líder brasileiro torna-se preocupação nacional’, o NYT afirma que Lula ‘nunca escondeu sua predileção por uma copo de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, um gole de cachaça, a forte bebida brasileira feita com cana de açúcar’. Ontem o artigo era a 17.ª notícia de maior repercussão no site do jornal, considerando a quantidade de e-mails recebidos a respeito.

Além da nota de ontem, uma reunião do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com o advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro, define hoje as medidas judiciais que o governo vai adotar contra o jornal. ‘O artigo é agressivo e, de jornalismo, não tem nada’, disse Bastos. ‘É algo feito como se fosse para demolir a imagem de uma pessoa.’

Bastos conversou ontem sobre o assunto com o ministro da Casa Civil, José Dirceu, que também considerou a reportagem ‘um insulto feito para ferir e não para informar’. Desde sábado à noite, os assessores e os ministros mais ligados a Lula se falaram por telefone para definir a linha de ação no episódio. O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, também foi acionado e, dizendo-se indignado, deverá encaminhar um protesto formal ao jornal americano hoje.

O ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação, afirmou que ‘indiretamente o artigo pode estar a serviço de posturas de governos centrais que desprezam a soberania alheia, buscam interferir em questões internas e tentam impor visão unilateral sobre questões que, num mundo cada vez mais complexo, exige outra ótica de solução para os conflitos’.

Digitais – O presidente do PT, José Genoino, também viu interesse político por trás da publicação, que classificou de ‘maldosa e preconceituosa’. Segundo ele, a publicação significa ‘a retomada da política de preconceito e de maldade de um veículo de porte internacional’.

O líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia, também suspeitou de ‘sinais de digitais norte-americanas no artigo’. Ele enfatizou que ‘quem apurou a matéria só ouviu fontes que têm ódio figadal do presidente Lula’.

O líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), considerou que o artigo foi uma ofensa ao presidente. ‘Fez o jogo fácil de tentar desqualificar o presidente, que tem trabalhado de forma incansável, o que demonstra todo o seu vigor físico e intelectual’, disse.

Oposição – Na oposição, a reação foi equilibrada.

O vice-líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que a vida pessoal do presidente da República é problema dele. ‘Nenhum jornal do Brasil, muito menos de outro país, deve se meter nesse tipo de problema.

Acho que eles (os americanos) têm problemas demais, para ficar se metendo em problemas dos outros’, disse.

O líder do PSDB na Câmara, deputado Custódio Mattos (MG), cobrou do governo ‘uma resposta cabal’ ao artigo do New York Times. ‘O governo precisa convencer a opinião pública de que a informação não é verdadeira’, disse.’