Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dora Kramer

‘O artigo do jornalista Larry Rohter, correspondente do New York Times no Brasil, a respeito de presumida ‘preocupação nacional’ em torno da quantidade e da oportunidade do consumo de bebidas alcoólicas pelo presidente Luiz Inácio da Silva, carece de sustentação jornalística.

Este é o único problema real de um caso que desde sábado à noite mobiliza o Poder Executivo e ontem mobilizou o Legislativo o dia inteiro. Como se não houvesse nada mais a fazer no país, além da produção de veemências à deriva por causa de um artigo de jornal sustentado em depoimentos anônimos.

Faltaram as evidências – e aí faltou tudo no que concerne ao jornalismo – de que os hábitos de conduta pessoal do presidente da República tenham relação de causa e efeito com as impropriedades ditas em público, aqui e no exterior.

Rohter faz um relato a respeito de rumores que, nem de longe, figuram na lista das principais preocupações nacionais em relação ao governo Lula. Estas são de natureza muito mais consistentes e de veracidade comprovada.

Não há fatos – só boatos – naquilo que, se tanto, poderia ter sido um relatório interno do correspondente para seu editor em Nova York a respeito de falatórios anônimos, sem demonstração factual. E sem isso não há notícia, há, no máximo, ilação.

Nessa perspectiva de (des) importância é que teria sido conveniente o tratamento dado ao assunto pelo Palácio do Planalto e pelos líderes políticos de situação e oposição.

À carência de informações da publicação, correspondeu uma série de excessos: da reação do governo brasileiro às interpretações segundo as quais há questões de soberania em jogo.

A nota oficial divulgada pelo Planalto no domingo chega ao detalhe de dar satisfações sobre a jornada de trabalho do presidente – ‘amiúde se estende por mais de 12 horas’ – e de prestar contas sobre os hábitos sociais do chefe da nação que, segundo a nota, ‘em nada diferem da média do cidadão brasileiro’.

Uma posição defensiva, como se o Palácio do Planalto achasse que era mesmo devedor de explicações.

Quanto à teoria da conspiração americana contra o Brasil, a serviço da qual estaria o New York Times e o correspondente do jornal, francamente, chega a ser constrangedora.

Pode ser até boa para alimentar conversas como as que sustentam o tão rechaçado artigo. Mas, quando transposta para o cenário da realidade mundial, soa a arroubo de província.

O tamanho do alvoroço, com convocação do porta-voz e nota oficial em pleno domingo, não teve o mesmo efeito que a quase indiferença teria sobre a credibilidade do material publicado. Ao contrário, ao desmenti-lo com minúcias, trata o relato como verossímil.

Objetivamente, a história serviu ontem a dois propósitos. À oposição apresentou-se excelente oportunidade para uma estudada exibição de bom-mocismo, ideal à estratégica de mostrar-se diferente do PT no trato ao adversário.

À situação ocorreu – passado o susto que produziu a defensiva nota oficial – superdimensionar o episódio para angariar solidariedade e apoio nacional em momento de queda de popularidade que se avizinha ainda mais acentuada.

Ambos podem ter tido sucesso, mas é êxito efêmero.

Fosse o presidente americano – ou qualquer outro governante – objeto de artigo de um correspondente brasileiro baseado em boatos sem procedência, com certeza absoluta ninguém, muito menos a Casa Branca, perderia tempo com o assunto.

O exagero e a afoiteza, está comprovado, são péssimos conselheiros. Abastecem a veemência, mas desidratam o discernimento e reduzem a capacidade do ser humano de dar às coisas a dimensão que elas realmente têm.’



Milton Coelho da Graça

‘Teste: você é da imprensa marrom?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 10/05/04

‘Suponhamos, caro leitor, que você seja correspondente de um jornal brasileiro nos Estados Unidos.

Um colunista de jornal popular local dá uma nota dizendo que a história do presidente Bush ter se engasgado com um pretzel não era verdadeira; na verdade, ele caíra do sofá, naquela tarde solitária num fim-de-semana, por conta de um consumo exagerado de uísque. Você conversa sobre essa nova versão com um líder do Partido Democrata e este a confirma, recordando que, em tempos não tão distantes assim, o jovem Bush era chegado a uma 51 escocesa e até tivera de fazer tratamento contra o alcoolismo. Finalmente, um outro jornalista de primeiro time também confirma, de forma engraçada mas tentando ser convincente, que o presidente americano não está conseguindo parar na terceira dose. Aí, Bush, numa cerimônia pública, revela, que, ‘quando acorda invocado, telefona para o Lula’, o que deixa você pensativo sobre o significado da palavra ‘invocado’ na frase.

Diante disso tudo, você faria ou não uma matéria para seu jornal no Brasil?

Larry Rohter, correspondente do New York Times, está sob acusação de praticar imprensa marron por ter decidido que essa matéria – trocado apenas o principal personagem – valia a pena, merecia ser publicada como afirma o lema de seu jornal (All news fit to print).

Trata-se de uma coleção de insinuações jornalísticas cercando uma só afirmação com nome e qualificação da fonte: Lionel Brizola, ex-candidato a presidente da República, ex-governador de dois Estados e presidente de um partido político. Mas, com toda a certeza, se Rohter esteve nos corredores do poder em Brasília e conversou com parlamentares e jornalistas – e ele afirma isso -, sem dúvida nenhuma escutou rumores ou fofocas (escolham o termo que mais lhes pareça correto) sobre o que Brizola fala abertamente.

Acho que uma boa amostra de opiniões sobre essa matéria ajudaria a mostrar a Larry Rohter, a André Singer e aos muitos estudantes de jornalismo que lêem o nosso Comunique-se o que os profissionais brasileiros consideram ser imprensa marrom.



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘Cartas’, in Painel do Leitor, copyright Folha de S. Paulo, 10/05/04

‘Arrogância

‘Gostaria de saber em que dados reais o jornalista americano Larry Rother se baseou para escrever a matéria de alcoolismo sobre nosso presidente, no ‘New York Times’ (‘NYT diz que excesso de álcool afeta Lula’, Brasil, pág. A6, 9/5). Ou só se norteou, para escrever a mesma, no seu sentimento de superioridade, sentimento que cada vez mais faz com que a cultura americana seja menos aceita no mundo inteiro?’ Paulo Antonio C. B. Bannwart (Assis, SP)

Infâmia

‘A reportagem do ‘New York Times’ sobre os hábitos pessoais do presidente Lula é preconceituosa e infamante. A Folha torna-se porta-voz desse preconceito e dessa infâmia ao reproduzi-la acriticamente e com tanto destaque.’ Ivan Elliot (Rio de Janeiro, RJ)’



Folha de S. Paulo

‘Dirceu, vice e congressistas repudiam ‘NYT’’, copyright Folha de S. Paulo, 11/05/04

‘Após nota divulgada no final de semana pelo Palácio do Planalto, ontem foi a vez de o vice-presidente José Alencar (PL), de o ministro José Dirceu (Casa Civil), de aliados do governo e até de a oposição no Congresso defenderem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à reportagem publicada pelo jornal norte-americano ‘The New York Times’, anteontem, sobre supostos excessos alcoólicos do presidente.

A Advocacia Geral da União e o Ministério da Justiça se reuniram ontem para definir a reação jurídica do governo ao caso. A tendência era entrar com ação pedindo indenização por danos morais diretamente na Justiça dos EUA, caso o jornal não se retrate.

No domingo, o Planalto designou o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, para contatar o ‘NYT’ e tentar reparar os danos à imagem de Lula. Até o fechamento desta edição, a embaixada ainda estudava quais providências tomar. Segundo a assessoria de imprensa, Abdenur contatou a direção do jornal, e uma das opções seria enviar carta rebatendo as afirmações. Estuda-se também um pedido de direito de resposta, o que depende de análise da legislação americana.

‘Ignomínia’ e ‘ofensiva’ foram os termos usados por Alencar e Dirceu, respectivamente, para classificar a reportagem. ‘Quase não acredito que seja verdade que um jornal com a responsabilidade do ‘New York Times’ tenha publicado matéria ofensiva ao Brasil, à instituição da Presidência da República, ao presidente Lula, ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. É uma matéria grosseira’, disse Dirceu. ‘Respeito o direito à liberdade de imprensa, mas considero a matéria ofensiva ao país.’

Já Alencar afirmou que ‘é uma ignomínia’. ‘O presidente é um homem de bem, jamais poderia ser acusado de uma coisa daquelas. Nós todos, brasileiros, temos que nos revoltar. É um desrespeito ao nosso presidente’, afirmou.

O ministro Guido Mantega (Planejamento) disse que há interesses econômicos no caso. Para ele, o ‘NYT’ não publicaria o texto na primeira página se não fosse para enfraquecer Lula. ‘O presidente passou a incomodar muita gente com a sua política externa mais autônoma’, disse, citando o fortalecimento do Mercosul.

O jornal, um dos principais dos EUA e mais influentes do mundo, publicou na edição de anteontem reportagem com o título ‘Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional’. O texto é de Larry Rohter, um dos correspondentes do ‘NYT’ no Brasil.

Uma das fontes que teriam dado declarações sobre Lula, citada pela reportagem, foi o ex-governador do Rio, Leonel Brizola. Sua assessoria informou que ele viajou ontem para o Uruguai.

A Folha tentou entrar em contato com Rohter, mas o escritório do jornal no Rio disse que ele está fora do Brasil. Rohter também não respondeu ao e-mail enviado.

A reportagem procurou o ‘NYT’ para falar sobre o texto, mas a única resposta que recebeu, da sua vice-presidente de comunicação corporativa, Catherine Mathis, foi esta: ‘Acreditamos que nossa reportagem é correta’.

Ontem, a embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak, disse que ‘o ‘New York Times’ não representa o ponto de vista do governo americano’.

Senado e Câmara

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), considerou a reportagem do ‘NYT’ ‘uma coisa preconceituosa, inverídica, que chega perto da difamação’. Ele defendeu ‘uma reação de natureza moral’ por parte do Brasil.

Já o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), fez um longo discurso, no qual considerou a reportagem ‘ofensiva à dignidade do país’ e uma ‘grosseria’, que merecem sua ‘repulsa’. Em nome do partido, prestou solidariedade a Lula.

O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), comparou o episódio ao caso Jayson Blair, escândalo por que passou o ‘NYT’ depois de descobrir que um de seus repórteres inventava matérias. ‘Pasmem, o jornal é pego em vexame internacional novamente, só que, dessa vez, por um irresponsável correspondente que mora em Ipanema [bairro da zona sul carioca].’

O líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), disse: ‘O paralelo que fez com o governo Jânio Quadros e as condições para o golpe militar são um delírio, parece que ele é que estava bêbado’. Colaboraram RAFAEL CARIELLO, de Nova York, FERNANDO CANZIAN, de Washington, e a Sucursal do Rio’

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‘‘NYT’ diz que excesso de álcool afeta Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 10/05/04

‘O jornal ‘The New York Times’, o principal dos EUA e um dos mais influentes do mundo, publica na página 6 da edição de hoje uma reportagem com o título ‘Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional’, na qual descreve supostos excessos alcoólicos de Luiz Inácio Lula da Silva. O texto é acompanhado por uma foto de Lula, do ano passado, bebendo cerveja na Oktoberfest (leia íntegra ao lado).

A Secretaria de Imprensa da Presidência afirmou ontem que o texto ‘não é jornalístico’, mas uma manifestação de ‘calúnia, difamação e preconceito’. O governo só deve se pronunciar sobre as medidas a respeito da reportagem do ‘NYT’ amanhã. A Folha apurou que o Palácio do Planalto deve acionar o jornal na Justiça.

O longo texto, escrito por um dos correspondentes do jornal no Brasil, Larry Rohter, compara o suposto hábito de ‘tomar bebidas fortes’ de Lula ao de Jânio Quadros (1917-1991) e afirma que a inesperada renúncia do então presidente em 1961 conduziu o país ao golpe militar de 1964.

O texto diz ainda que o presidente freqüentemente aparece em fotos com um copo na mão e com os olhos e as bochechas vermelhas, mas que poucas pessoas ousam expressar suas opiniões sobre esse assunto em público.

O jornal menciona também diversas gafes cometidas pelo presidente, entre as quais a declaração de que a capital da Namíbia era tão limpa que ‘não parecia fazer parte de um país africano’.

Ao ‘NYT’, o Palácio do Planalto afirmou que não daria uma resposta formal ‘a acusações sem fundamento’. Segundo a versão oficial, a história de que Lula bebe em excesso ‘é um misto de preconceito, desinformação e má fé’.’

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‘Imprensa argentina registra episódio’, copyright Folha de S. Paulo, 11/05/04

‘Os dois principais jornais argentinos -’La Nación’ e ‘Clarín’- registraram nas suas edições de ontem a reação do governo brasileiro ao texto do diário americano ‘The New York Times’ segundo o qual o consumo de álcool do presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria uma ‘preocupação nacional’.

O ‘La Nación’ começa sua reportagem afirmando que o governo brasileiro estuda a possibilidade de iniciar ações legais contra o diário americano. O texto, intitulado ‘Lula, furioso com The New York Times’, lembra o encontro que o presidente teve com o cantor e compositor Zeca Pagodinho, ‘um sambista famoso por sua apologia constante ao consumo de cerveja e de cachaça’.

Em janeiro deste ano, às vésperas de anunciar a reforma ministerial, Lula convidou todos os seus ministros e o sambista para um jantar na Granja do Torto, onde, segundo o ‘La Nación’, ‘abundam as bebidas alcoólicas’.

O jornal argentino informa que o texto ‘provocou indignação no governo’, que o qualificou de ‘não-jornalístico’.

O ‘Clarín’ afirma, depois de descrever a reportagem do ‘Times’, que o jornal nova-iorquino menciona o presidente do PDT, Leonel Brizola, ‘como única fonte que confirmaria as suspeitas’.

‘O governo brasileiro se declarou ‘indignado’ com o artigo’, afirma o ‘Clarín’, na reportagem ‘Imprensa dos Estados Unidos trata Lula como alcoólatra’. A reportagem informa que o texto do ‘Times’ foi publicado na íntegra pela Folha. Os textos dos diários argentinos foram publicados sem grande destaque.

Washington Post

Além do ‘Times’, os principais jornais americanos não deram destaque ao assunto. Só o ‘Washington Post’ publicou, em sua página na internet, um texto da agência de notícias Reuters sobre a reação do governo brasileiro.’

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‘Para aliados, reportagem é infame; oposição faz censuras moderadas’, copyright Folha de S. Paulo, 10/05/04

‘A reação de políticos governistas à reportagem do jornal norte-americano não diferiu da do Palácio do Planalto. Adjetivos como ‘caluniosa’ e ‘infâmia’ foram repetidos por congressistas aliados. A oposição adotou um tom moderado, mas alguns censuraram atos que associariam a imagem do presidente à bebida.

‘A reportagem não tem credibilidade, arranha mais a imagem do jornal do que a do presidente’, afirmou o deputado Arlindo Chinaglia (SP), líder do PT na Câmara. ‘A rigor, o texto se ampara em críticos, em pessoas com conhecida posição ácida em relação ao governo’, disse.

O governador do Acre, Jorge Viana (PT), propôs um ‘sentimento de união’ entre base aliada e oposição para defender a figura do presidente da República e a imagem do país. ‘É uma calúnia com um presidente que tem a responsabilidade de governar o país. Pela convivência que tenho com o Lula há pelo menos 20 anos, posso dizer que se trata de algo criminoso. O presidente Lula não merece uma agressão como essa.’

‘Isso criou um clima de indignação e chateação. Se não bastassem os problemas, temos de lidar com isso’, reagiu o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

‘Tenho a impressão que houve um exagero muito grande do jornal americano. Há tempo que vemos o presidente Lula bebendo socialmente. Só isso. Se existe algo diferente, só quem é íntimo do presidente poderia dizer. Mas não creio que atrapalhe a sua administração’, disse o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).

‘Acho que temos de dar um voto de confiança e deixar o governo responder’, afirmou o deputado Custódio Mattos (MG), líder do PSDB na Câmara.

O deputado José Carlos Aleluia (BA), líder da bancada de deputados federais do PFL, foi um dos mais críticos: ‘Acho que o presidente não compreendeu ainda que é o chefe da nação, que seus gestos e atos são observados pela sociedade’, disse o pefelista. ‘Algumas declarações dele, sobretudo de improviso, são inadequadas; agora, seria imprudente dizer que isso é efeito de bebida.’’