O secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República Ricardo Kotscho esteve no programa Observatório da Imprensa na TV – nº 285, de 11/5/2004 –, cuja pauta centrou-se nas repercussões da matéria do New York Times, publicada no domingo anterior, sobre um suposto problema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva relacionado a bebidas alcoólicas; e, sobretudo, na decisão do governo brasileiro de cancelar o visto do repórter Larry Rohter, autor do texto publicado pelo NYT – o que, na prática, configura a expulsão do jornalista do país. O debate, mediado por Alberto Dines, teve a participação dos jornalistas Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de S.Paulo, Merval Pereira, colunista de O Globo, e José Coelho Sobrinho, chefe do Departamento de Jornalismo da ECA-USP. A seguir, a transcrição das intervenções de Kotscho no programa. A íntegra do programa está disponível em
pnm://200.184.43.75:7070/obstv/obstv285.rm É preciso ter o programa RealPlayer instalado.
‘Eu acho que foi uma decisão extremada do governo para um caso muito grave, uma ignomínia, como vocês todos falaram e as matérias falaram antes. A área jurídica do governo, que procurou várias formas de responder a isso, achou que essa era a única maneira de reparar o dano provocado pelo jornalista do New York Times. O embaixador brasileiro em Washington foi hoje [terça, 11/5] a Nova York conversar com a direção do New York Times para procurar uma outra saída e eles simplesmente tiveram uma atitude cínica: não recuaram um milímetro, não pediram desculpas, não se retrataram e também não poderia o governo brasileiro, diante de tal ofensa à honra nacional na figura do presidente da República, ficar sem fazer nada.
‘Como jornalista, eu acho essa atitude extrema. Não é a melhor solução, não é o que eu gostaria que acontecesse, mas alguma coisa teria que ser feita. Foi muito grave a ofensa cometida por esse jornalista [Larry Rohter] – e talvez mais grave do que o que o jornalista fez foi a atitude do jornal. A gente sabe que jornais erram, jornalistas erram, mas têm que reconhecer o erro e eles não aceitaram isso. Eu vou contar uma história que talvez nem todo mundo saiba. Há questão de um mês mais ou menos, o New York Times enviou ao Brasil um de seus melhores jornalistas, Barry Barak, que ganhou dois prêmios Pulitzer. Ele ficou um mês aqui, viajou pelo país, entrevistou muita gente, esteve com o presidente e até hoje a matéria dele não saiu. Essa é uma questão que eu gostaria de entender. O jornalista ficou um mês no Brasil, fez um trabalho sério, e esse correspondente [Rohter] que está no Brasil há alguns anos teve vários outros problemas, inclusive em governos anteriores, e continua fazendo isso. É um jornalismo irresponsável. Não sou eu quem estou dizendo isso – é uma coisa evidente pegando as matérias dele desde a época da campanha.
‘Então, acho que alguma medida teria que ser tomada e essa foi a medida encontrada pela área jurídica do governo. Eu não sou jurista, não sei se haveria uma outra maneira de reparar, mas é uma decisão do governo e eu, como membro do governo, não discuto decisão do governo. Posso até discutir antes, [mas] uma vez tomada a decisão do governo, assim como acontecia quando eu trabalhava no jornal, eu tenho de defender essa decisão, que é uma decisão do governo.’
Controles internos
‘Eu gostaria de fazer uma pergunta também. Que outra maneira encontrariam meus colegas jornalistas, que dariam uma bela redação, para responder a essa afronta? Uma vez esgotados os canais diplomáticos de se reparar isso? E deixar barato? Não acontecer nada? Eu acho que alguma forma de resposta teria que ser dada, e essa foi a forma encontrada pela área jurídica do governo, que estudou várias outras e encontrou essa. Eu acho que a gente também poderia discutir – eu não quero fugir da discussão, eu estou aqui para isso –, mas discutir um pouco a questão dos controles internos dos jornais. Não é a primeira vez que isso acontece, inclusive no New York Times. Ainda é muito recente o caso do Jayson Blair, que foi citado agora há pouco. A direção do jornal levou meses, até anos, para descobrir um repórter que contava mentiras ali. Isso não é um a coisa só do New York Times, mas, como é o maior jornal do mundo, chama mais atenção.
‘Gostaria de aproveitar a presença dos colegas jornalistas e discutir um pouco isso também, o papel na direção dos jornais, da responsabilidade dos jornalistas no controle interno da informação. Não estou falando de controle externo, é interno mesmo, para evitar que esse tipo de jornalismo continue, prossiga e atinja hoje muitos veículos, inclusive no nosso país.’
O valor da credibilidade
‘[José] Coelho [Sobrinho], você que foi meu colega da faculdade, a gente se conhece há muitos anos, eu concordo com você, é possível que aconteça isso mesmo, que dê mais combustível. Mas talvez se possa pegar alguma coisa boa dessa discussão toda para rever o funcionamento dos jornais, o papel da imprensa e a liberdade de imprensa que eu sempre defendi a vida inteira. Mas tem que ser uma liberdade a serviço de empresas ou de jornalistas. Eu gostaria, insisto nesse ponto, de discutir com vocês quais são as formas que nós temos hoje para que o jornalismo recupere a credibilidade, que o Dines falou no início do programa, e de que a sociedade tenha maneiras de se defender de maus jornalistas e maus jornais.’
Comunicação do governo
‘Merval [Pereira], eu acho que esse controle feito pelo leitor realmente existe e o que me preocupa como jornalista, que vivi e vivo disso a vida inteira, é que a circulação de todos os jornais vêm caindo, não só aqui no Brasil, mas no mundo – inclusive do próprio New York Times. Eu já ouvi muita cobrança de colegas de que o presidente deveria conversar mais com a imprensa, mais entrevistas e tudo, inclusive está presente aqui no estúdio um colega jornalista, Luiz Roberto Serrano, da revista Imprensa, que está fazendo uma matéria sobre a comunicação de governo. No último número da revista ele disse exatamente o que você falou, que precisava ter uma relação maior do presidente com o jornalistas. Eu fiz um levantamento e entreguei a ele: desde a posse até hoje, incluindo hoje, o presidente já deu cinqüenta e duas entrevistas coletivas e exclusivas. Eu acho que é um número bastante grande e duvido que outro presidente brasileiro nesse período de quinze meses tenha tido mais contatos com a imprensa do que o presidente Lula.
‘Mas, mesmo assim, minha batalha diária é que a nossa comunicação e o nosso relacionamento com a imprensa seja maior e melhor. Para isso que acordo todo dia e trabalho doze, catorze horas por dia: para melhorar esse trabalho e fazer o possível dentro da minha área para que os jornalistas, que são a ponte entre o governo e a sociedade, tenham o maior acesso possível às informações.’
O dia seguinte
‘Eu sei que vai ser mais um dia pesado. Você [Alberto Dines] sabe que no governo, um ano e cinco meses que eu estou aqui, cada dia só agonia, você tem que acordar cedo, ir para o trabalho e enfrentar cada problema a cada hora – não dá para sofrer antes. Eu sei que não vai ser fácil, não, como jornalistas, como colegas de vocês, eu sei que vai ser um dia muito difícil. Eu tenho certeza que nenhum de vocês gostaria de estar na minha pele. Mas eu não me queixo não. Eu acho que estou no lugar certo, tenho orgulho do que faço e em muitos casos eu não gostaria de estar no lugar de colegas meus. É cada um com seu destino e cada dia com a sua agonia. Vamos ver o dia de amanhã.’
O ministro da Justiça
‘Eu estava em São Paulo, [era] Dia das Mães, eu vim para cá [Brasília] no domingo à noite, essa discussão começou no próprio domingo com colegas do governo. Foi o tema ontem [segunda, 10/5] de várias discussões também e prosseguiu pelo dia de hoje. Foram ouvidos ministros, principalmente a área jurídica, para ver o que era possível fazer. Eu diria que até ontem se procurou uma solução diplomática. Como ela não foi possível, o caso passou para o campo jurídico. Aí no final do dia hoje houve essa decisão [de cancelar o visto do repórter Larry Rohter].
‘Não sei te dizer a posição dele [do ministro da Justiça]. Foram ouvidos vários ministros, o Márcio [Thomaz Bastos] no final da tarde não estava em Brasília, pelo menos não participou da reunião.’
Liberdade de imprensa
‘Até onde eu sei há precedentes no New York Times de pedir desculpas e se retratar quando acontecem casos graves como esse – inclusive o caso mais famoso, do Jayson Blair. Não seria a primeira vez e eu acho que não seria demérito para ninguém. Eu acho que quando o jornalista ou o jornal erram, têm que reconhecer o erro, é a melhor maneira. [É] isso que eu defendo, que eu batalhei, mas não foi possível. Não foi um erro só do repórter. Isso passou por várias mãos e foi uma decisão do jornal, dos editores do jornal. Qualquer um de nós que pega essa matéria na mão – eu conheço todos vocês – não vai publicar essa matéria no jornal – e se publicar eu acho que tem que se retratar.
‘Eu, como todos, também acho que a liberdade de imprensa é uma coisa sagrada. Eu batalhei por isso a vida inteira. Agora, nós não podemos confundir liberdade da imprensa com impunidade da imprensa. Eu me lembro de uma entrevista que eu dei este ano, puxaram isso para o título. Eu sempre achei que o jornalista é um cidadão como qualquer outro, que não tem mais nem menos direitos do que qualquer outro cidadão brasileiro e não pode se achar impune. Eu acho que o jornalista não pode tudo, eu sempre tive muita consciência disso, e gostaria muito, de voltar aqui com essa mesma equipe e discutir jornalismo, que é do que realmente entendo e gosto – num dia mais tranqüilo, de preferência. De qualquer forma agradeço muito a vocês a forma gentil como nós conversamos e trocamos idéias aqui hoje. Muito obrigado.’