O noticiário atual está recheado de doenças e perigos sanitários. Em Santa Catarina, a situação não é muito diferente. O reaparecimento da chamada gripe aviária deixa em alerta as cidades da Ásia e movimenta a economia catarinense. Por outro lado, a febre aftosa faz o Brasil e SC tomarem diversas medidas enquanto as vendas de carne bovina estão ameaçadas. Será que só importa a saúde dos animais ligada à economia? Este MONITOR DE MÍDIA analisou os jornais A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina, no período de 30 de outubro a 10 de Novembro, e NÃO viu destaque para as doenças humanas.
Preocupação com a boiada
A Notícia acompanhou os casos das doenças que se alastram pelos rebanhos em diversas partes. Em todo o período analisado, todas as edições trouxeram informações sobre a febre aftosa. Chamadas de capa como ‘Exército deve combater aftosa semana que vem’ no dia 05/11 e ‘Exército reforça barreiras no Oeste’ em 09/11, indicam matérias que tratam de toda a mobilização para o combate à doença. O mal bovino também foi manchete. ‘SC inicia combate aéreo à aftosa’, saiu no dia 31, e ‘Exército quer R$ 10 mil por dia para o controle da aftosa’, no dia 4.
No dia 30/10, o jornal dedicou três páginas para as moléstias animais no caderno de Economia, a partir de ‘Os vírus que ameaçam um negócio bilionário’, que além da aftosa, tratou da gripe aviária e a repercussão na indústria da carne local. O jornal veio com diversas retrancas explicando a causa das doenças, os cuidados e medidas tomadas por produtores e frigoríficos no combate às enfermidades.
Já as doenças que afetam diretamente o ser humano foram deixadas de lado. Inexplicavelmente. A hantavirose foi citada somente em uma matéria, ‘Nova suspeita de Hantavirose’, no dia 03/11. A febre maculosa apareceu no dia 04/11, na matéria ‘Febre maculosa matou jornalista Roberto Moura’ no Rio de Janeiro, sem nada mencionar de oito casos que ocorreram em Blumenau, como fizeram outros jornais. A meningite também apareceu na matéria ‘Morte por meningite em Tubarão’ no dia 06/11. Nada sobre os casos de leishmaniose, que surgiram no litoral do Estado, foi noticiado.
Aftosa e maculosa
Das doze edições analisadas do Diário Catarinense, apenas uma não trouxe matéria a respeito da febre aftosa. Todo o acompanhamento da evolução da doença foi feito pelo jornal, que trouxe ainda em suas matérias e infográficos diversos dados e informações sobre o que é a doença, sua origem, a contaminação, as conseqüências para o estado e para o país. Manchetes como ‘SC rejeita vacinação contra a febre aftosa’ e ‘Aftosa dá prejuízo milionário à indústria’ assinalavam a atenção para os acontecimentos no estado e os fatores econômicos relacionados à doença. A gripe aviária também apareceu nas páginas do jornal, mas em matérias pequenas e algumas notas relacionadas ao setor econômico. A febre maculosa, doença transmitida por carrapato e que afeta diretamente o homem, e que atingiu SC na última semana, foi matéria em três edições. O jornal trouxe informações desde a suspeita e a confirmação da doença no Rio de Janeiro até seu aparecimento no estado. A chamada de capa do dia 8 alertava para os oito casos da febre na cidade de Blumenau. Sobre outras doenças como a hantavirose e a leishmaniose, que se manifestaram atualmente no estado, nada constava no jornal.
Quase nada
O Jornal de Santa Catarina, no período de 30/10 a 10/11, pouco tratou dessas doenças atuais. O mais estranho foi o jornal não publicar os casos de leishmaniose e hantavirose que assustaram a população do Vale do Itajaí e que continuam se espalhando. Já a febre aftosa apareceu em três edições do Santa. No dia 1º, a matéria ‘Começa a vacinação dos animais’ define todos os cuidados que Santa Catarina tomou em relação aos casos que poderiam atingir seus rebanhos. Nos dias 3 e 4, as matérias trataram do prejuízo que a aftosa tem causado e a ajuda do Exército no combate à doença. A matéria ‘Febre está em 5 bairros de Blumenau’, no dia 08/11, referente aos casos de febre maculosa, que como o próprio jornal citou, pode até matar, não apareceu na capa do diário de Blumenau. Uma página foi destinada para a notícia sobre a doença, com o mesmo material publicado no DC.
Pouca atenção com as cúpulas
A Notícia acompanhou a movimentação na 4ª Cúpula das Américas. Nas matérias, deu destaque para os levantes, como em ‘Problemas para a Cúpula das Américas’ no dia 04/11 e ‘Protestos e fortes divergências’ no dia 05/11. O foco das matérias foi a visita do presidente dos Estados Unidos à América Latina.
Todas as matérias também tinham ligação direta com a segurança e os protestos contra Bush. Desde o dia 03/11, com chamadas como ‘Brasília prepara recepção a Bush’, ‘Argentina prevê um megaprotesto contra Bush hoje’ no dia 04/11, ‘Protestos aguardam Bush no Brasil’ no dia 06 e ‘Protestos em Brasília’ no dia 07/11. Os motivos principais da visita, a realização e os debates da 4ª Cúpula foram mencionados nas entrelinhas das matérias citadas anteriormente ou em uma nota, ‘Discussão Inoportuna’, no dia 06. De forma geral, o encontro foi abordado rapida e superficialmente. Um evento paralelo foi citado somente na matéria ‘Bush une a esquerda latino-americana’ no dia 04. Dita como uma manifestação, a ‘‘Anticúpula’, como está sendo denominada a Terceira Cúpula dos Povos’, foi explicada rapidamente na retranca ‘Anticúpula’ acompanhando a matéria principal.
Tumultos ganham destaque
O Diário Catarinense deu relevância aos protestos ligados à vinda do presidente Bush. Desde o dia 03/11 nas matérias ‘Segurança máxima para Bush’ e ‘À Espera de Bush’ no dia 04/11, o foco foi o roteiro e as ações do presidente dos Estados Unidos. Na matéria ‘Visita de Bush lembra as trapalhadas do Pai’, no dia 06/11, foi apresentado o quadro da popularidade Bush e outras visitas de estadunidenses.
No dia 04, a matéria ‘Começa Cúpula das Américas na Argentina’ detalha o que esteve em discussão e a agenda do encontro. Os manifestos ligados ao evento ganharam destaque. ‘O show de Maradona e Chávez’, no dia 05/11, dedicou três páginas para todos os levantes, desde a Argentina até Brasília.
Os resultados da 4ª Cúpula foram apresentados na nota ‘Adiado o acordo sobre a Alca’ no dia 07/11. No mesmo dia ainda, a matéria ‘Uma relação franca’, em duas páginas, tratou dos acordos entre os presidentes Bush e Lula em relações comerciais. Nada sobre a 3ª Cúpula dos Povos foi abordado.
Relatos em tom burocrático
O Jornal de Santa Catarina começou a acompanhar a 4ª Cúpula das Américas em ‘Segurança reforçada para a visita de Bush no Brasil’, no dia 03. Na matéria, em que Bush e Condolezza Rice ‘participarão da Cúpula das Américas’, foi mostrado o cuidadoso esquema de segurança e na vinda do presidente norte-americano. Na sub-retranca ‘No cardápio do almoço, churrasco e caipirinha’, o cardápio pareceu ser mais importante que as próprias tratativas bilaterais.
Na edição conjunta de 05-06/11, os levantes – tanto na Argentina, liderados por Maradona e Chávez, como no Brasil, por diversas frentes políticas – foram tema principal em ’40 mil marcham contra Bush’. Ao final da matéria, uma pequena nota ‘Divergências devem enterrar de vez a Alca’, fez referência à 4ª Cúpula e ao motivo principal da vinda de Bush.
A pouca atenção dos jornais catarinenses frente ao principal encontro dos governos americanos levanta duas hipóteses: Ou a imprensa local não deu a devida atenção ou já estava previamente descrente de seus resultados.
Gêmeos, mórbida semelhança
A partir do dia 1º de novembro, o Diário Catarinense passou a publicar suas edições com um novo projeto gráfico. O DC adotou as mesmas linhas da Zero Hora, principal jornal do grupo no Rio Grande do Sul. Alguns cadernos ganharam o mesmo nome, inclusive. Nas páginas internas, o DC se aproximou mais ainda do Santa, seu co-irmão no Vale do Itajaí. O conglomerado explica que o propósito foi ‘alinhar os jornais do Grupo RBS com as principais tendências mundiais em mídia impressa’. Não seria mal se as semelhanças se restringissem ao visual. O aproveitamento de material pelos veículos tem se tornado cada vez maior. Além dos ‘resumos’ de materiais usados pra ambos, aparecem freqüentemente matérias e infográficos completos iguais nos jornais do grupo. As duas páginas sobre a descoberta da origem da aftosa, na edição de 06/11, por exemplo, foram as mesmas no DC, de Santa Catarina, e na Zero Hora, do estado vizinho. ‘Sinergia’ é o nome dado pela empresa para a maciça utilização do mesmo material em diversos produtos a pretexto da padronização que a Agência RBS possibilita.
Ganha o grupo na economia, perde o leitor na diversidade.
Tempestade em copo d’água
Depois de Malu Mader, por motivos bem mais graves, foi a vez de Ana Paula Arósio aparecer na capa dos jornais catarinenses com alarde. No dia 3 de novembro, a atriz estava nas chamadas de capa por ‘passar mal’ no Santa, ‘internada’ no DC e ‘liberada após uma hora’ no AN. O motivo foi uma ‘fraqueza’ ocorrida durante as filmagens de ‘Garibaldi in America’. Todos os jornais – num arroubo de provincianismo – deram um destaque exagerado ao mal estar da atriz que sequer ficou uma hora no atendimento de emergência.
Manchete vira anúncio
O Jornal de Santa Catarina, na edição de 5 e 6 de novembro, apresentou a manchete ‘Quer trabalhar no Natal? Saiba como’. Na linha de apoio, mais de mil vagas de trabalho temporário disponíveis até o fim do ano. Somente nas páginas internas, foi explicado que as vagas eram restritas a Blumenau, e das 1,1 mil oferecidas, 800 já estavam preenchidas.
A matéria serviu como prestação de serviço. Mas pela manchete, o jornal trata o assunto dos empregos como algo simples e fácil. Atraente e chamativa, a manchete acabou criando a ilusão de um número irreal de vagas.
Trocadilho na manchete
Na edição de 8 de novembro, o Jornal de Santa Catarina anuncia ‘Blumenau campeã…’. Embora até pareça, a manchete não faz referência à liderança da cidade nos Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc), mas o assunto é explicado na linha de apoio. A cidade é campeã em ‘equipamentos do tipo para controlar a velocidade urbana’.
Embora o assunto seja dos mais importantes, a ironia na manchete pode fazer com que ele não seja encarado de forma tão séria. Além disso, o destaque não fez referência ao fato mais novo no setor: a instalação de mais 22 equipamentos no trânsito. Detalhe: na edição conjunta de 05-06/11, o mesmo assunto já havia sido abordado em ‘Mais 22 lombadas vão vigiar o trânsito’, de forma mais superficial.
Título ‘merreca’
A Notícia trouxe no dia 5/11, na editoria de Esporte, a matéria ‘Surfe de gigantes nas merrecas da vila’. Têm sido comuns títulos mais ‘soltos’ nesta seção do jornal e até gírias das modalidades são utilizadas, com parcimônia. A expressão ‘merreca’, mesmo com uma pequena explicação, deveria ser destacada dentro do título, vindo entre aspas ou em itálico. A falta de uma indicação pode causar um problema de interpretação, já que ‘merreca’ popularmente, fora do universo do surfe, indica desprezo ou aversão.
Deslize bilionário
Na edição de 5 de novembro, um erro de atenção ou digitação em A Notícia fez encolher o PIB catarinense a uma milésima parte. A matéria de capa informou que o Produto Interno Bruto do estado era de R$ 62,2 milhões. O deslize se percebe no infográfico que acompanha a reportagem, que indica a cifra em bilhões. Parece pouco, mas não é. Principalmente na editoria de Economia que precisa estar atenta a esses detalhes…
Novo Conselho
O Jornal de Santa Catarina apresentou nos dias 29 e 30 de outubro a segunda turma de membros do Conselho de Leitor. Na edição conjunta, o jornal trouxe na capa – em cima do logotipo – fotinhos com nomes e profissões dos novos integrantes, e a chamada: ‘Eles serão os fiscais do jornal que você lê’. Na matéria da p. 22, o diário explica o funcionamento do conselho que avalia a qualidade do noticiário veiculado e ainda detalha o perfil dos nove integrantes. Ao renovar o quadro de ‘fiscais’ e ao fazê-lo com transparência, o Santa mostra que aposta na iniciativa do conselho e que tem disposição de ouvir o leitor. O mandato do novo conselho vai até outubro de 2006.
Café requentado
O Anexo, do jornal A Notícia, publicou entrevista com o escritor e tradutor Rodrigo Garcia Lopes no dia 10 de novembro. Acontece que a mesma entrevista saiu no Estado de S.Paulo quatro dias antes, no Caderno 2.
******