Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manuel Pinto

‘Com as mais recentes desenvolvimentos do caso Casa Pia, voltaram a surgir análises que sugerem que a comunicação social não tem tratado este assunto de forma equilibrada e que os arguidos podem estar a ser beneficiados. O ‘Jornal de Notícias’ é um dos órgãos de comunicação que tem, desde o início, seguido de perto o caso. Em termos gerais, como avalia o leitor a cobertura que tem sido feita? Os comentários podem ser enviados por carta, fax ou mail, para o endereço do provedor do leitor, publicado ao alto desta página.

Provedor de rádio à frente da ONO

Assim como há provedores do leitor, também há – embora poucos – provedores dos ouvintes de rádio e dos espectadores de televisão. Na semana que passou, o provedor da National Public Radio, Jeffrey A. Dvorkins, foi eleito presidente da associação que agrupa os provedores de todo o mundo, a Organization of News Ombudsmen (ONO). A respectiva conferência anual decorreu na Florida (EUA) e serviu para trocar experiências e debater os problemas éticos implicados no trabalho jornalístico.

Jornalistas acusados de enviesamento

José Pacheco Pereira meteu-se, uma vez mais, na última semana, com os jornalistas, acusando-os de serem, na sua maioria, ‘simpatizantes da causa palestiniana e hostis a Israel’ (cf. ‘Público’, 6/5). Ele não pôs em questão a legitimidade das opiniões dos profissionais da informação. Questionou, sim, a isenção no tratamento do conflito israelo-palestiniano, que considera ser enviesado e desequilibrado. Um exemplo: há precisamente oito dias, ocorreu, no sul da Faixa de Gaza, mais um atentado chocante que vitimou uma família de colonos israelitas: a mãe, que se encontrava grávida, e os seus quatro filhos de idades compreendidas entre os dois e os 11 anos. O atentado foi reivindicado pelos grupos Jihad Islâmica e Comités de Resistência Popular, ambos palestinianos. ‘Nenhum jornal português traria na capa e com o mesmo destaque do 'Daily Telegraph'’ as fotos chocantes deste acto terrorista – afirma Pacheco Pereira (recorrendo a um tempo verbal que sugere que nenhum jornal trouxe nem seria de esperar que trouxesse).

Parecem-me gratuitas afirmações do tipo ‘A maioria dos jornalistas é ou acha isto ou aquilo…’, quando não são apoiadas em estudos rigorosos. Mas isso não tira de vermos se as críticas são procedentes, nomeadamente quando um caso concreto é referenciado. Ao dizer o que diz, o colunista envolve a maioria dos jornalistas e dos jornais, incluindo o ‘Jornal de Notícias’.

Vejamos como tratou o JN este caso. Percorrendo a primeira página da edição de segunda-feira, dia 3, rapidamente se conclui que nada consta sobre a matéria nem, de resto, sobre qualquer outro assunto do panorama internacional. Outros valores mais altos se levantaram. É na página 21 e na secção Mundo que surge, a toda a largura da mancha impressa, o título ‘Likud rejeita plano de Ariel Sharon’, com o antetítulo ‘Palestinianos massacraram família de colonos em Gaza e condicionaram votação ao projecto de retirada’ (A propósito: ‘votação ao projecto’?). A ilustrar a peça vem uma descontextualizada foto a duas colunas, que tem Sharon como protagonista.

O editor da secção Mundo, Elmano Madaíl, refere ao provedor que este assunto preciso foi objecto de debate interno, tendo sido assumido que o assunto do dia relativamente ao conflito israelo-palestiniano era o referendo entre os militantes do Likud, tanto mais que, nos dias anteriores, se multiplicavam os sinais de que Sharon se arriscava a perder a cartada, como de facto veio a suceder. ‘Para a História, é o referendo que ficará registado e não o atentado, por terrível que tenha sido’, nota o editor.

Ainda assim, é discutível que o jornal tenha diluído na peça sobre os resultados do referendo a chacina de uma mãe e dos seus cinco filhos, incluindo um ainda por nascer. Na lógica mediática prevalecente, um caso destes é obrigatoriamente – digamos assim – objecto de notícia destacada. Ora isso não aconteceu. Nem sequer através de uma foto alusiva. Tanto mais que no próprio texto publicado se reconhece e afirma que um atentado com estas características condicionou o resultado do plebiscito. A informação estava lá mas os critérios do seu destaque parecem discutíveis.

Não é nem pode ser, porém, através de um único caso que se consegue aferir da pertinência da crítica genericamente formulada ao jornalismo por Pacheco Pereira. Mas não há dúvida de que, na cobertura deste caso, o JN poderia e, a meu ver, deveria ter actuado de outro modo. O editor salienta que, relativamente à questão das fotografias, o assunto chegou a ser ponderado, mas que o esquema gráfico pré-estabelecido para as páginas não deixa grande margem de manobra. (Esta questão do grafismo e da paginação há-de merecer futuramente abordagem nesta coluna).

É importante que o leitor saiba que, como refere Elmano Madail, este tipo de questões é objecto de debate interno, antes, durante e, às vezes, depois do processo de produção e difusão da informação. Como terá acontecido no caso em presença. Esse debate constitui uma dimensão do jornalismo na maioria dos casos invisíveis para os que, como todos nós, lemos o jornal, mas que pesa na escolha e no destaque das matérias, sobretudo daquelas mais polémicas, em que as opiniões e posicionamentos individuais mais afloram. É por isso fundamental que, no interior da Redacção, exista um cuidado especial com esse debate permanente e que ele seja cultivado e acarinhado, tanto ao nível de cada editoria como da coordenação geral da edição.

Essa vigilância crítica pode contribuir decisivamente para prevenir e combater os riscos permanentes de enviesamento e derrapagem, seja os da distorção ou omissão de factos, seja, com mais probabilidade, o recurso a enquadramentos e termos de referência eivados de ‘parti pris’. Mas tal atitude crítica só será completa quando da parte dos leitores ela existir e se manifestar também. A quota-parte dos leitores na qualidade da informação constitui um filão que ainda mal começou a ser explorado.

Imagens terríveis

As imagens terríveis têm regressado, nestes dias, às primeiras páginas dos serviços noticiosos da televisão e dos jornais. O JN foi um dos que trouxe, na primeira página, a imagem chocante de um prisioneiro iraquiano tratado por uma soldado norte-americana como se fosse um animal. São às centenas as imagens de actos de tortura e maus tratos que se diz existirem em circulação, graças às facilidades permitidas pela tecnologia digital. Um especial cuidado deve ser tido na verificação da autenticidade de tais imagens e no modo como são editadas para publicação, evitando o mau gosto e a sordidez. Salvaguardados os princípios éticos típicos destes casos, os media assumem, através da publicação, um papel fundamental de informação e de denúncia do intolerável.’