Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Carlos Abrantes

‘Se esta coluna existe é porque houve um ‘homem’ que veio do frio. Seu nome: ombudsman. Sua origem: Suécia. Data de 1713 a indigitação por Carlos XII, rei sueco, do primeiro ombudsman, palavra que significa ‘um que representa outros’. Esta palavra ainda hoje é usada, mesmo fora dos países escandinavos. A organização dos provedores da imprensa chama-se ONO, ou seja, Organization of News Ombudsmen. As designações para o provedor são diferenciadas, segundo os países, havendo alguns que mantêm o termo sueco, outros que adoptaram o termo mediador (França), defensor dos leitores (Espanha), ou provedor dos leitores, como Portugal. No nosso caso, a escolha do nome tem certamente a ver com o provedor de Justiça, consignado na Constituição da República, em 1976. No Estatuto do Provedor (ver abaixo) diz-se que este pode também ser designado por ombudsman ou defensor do leitor. Foi nesta perspectiva (a de um que representa outros, os leitores) que, depois de reflexão, após inesperado convite, considerei poder exercer a função de provedor. Sei que paira sobre mim pesada responsabilidade, pois os meus antecessores no Diário de Notícias (Mário Mesquita, Diogo Pires Aurélio e Estrela Serrano), como também os que exerceram nos outros jornais, deixaram a fasquia bem alta no exercício do seu mandato.

Se na vida civil e política, pelo menos na Suécia, a função já é centenária, nos media é mais recente, já que o ombudsman na imprensa apenas se instalou no século XX. Até há pouco a ONO considerava que o primeiro provedor dos leitores tinha sido criado simultaneamente nos jornais americanos Courier Journal e Louisville Times, do mesmo grupo, no ano de 1967. Um antigo editor foi designado como ombudsman de ambos os jornais e exerceu essa actividade durante 12 anos, sendo a sua principal função responder directamente às queixas dos leitores. Desde então, muitos jornais, algumas rádios e televisões instituíram essa mediação, existindo este cargo, por exemplo, na Folha de São Paulo, no Le Monde, no Washington Post ou no El País, na Radio Québec ou na France Télévision. Não deixa de ser curioso que um texto recente (1999) tenha lançado alguma polémica sobre se, afinal, o ombudsman não teria já sido criado em 1922 nos jornais japoneses, onde já não um, mas equipas de ombudsmen trabalham com o propósito de melhorar a qualidade do jornal. Para simplificar: a americana Lynda Raymond, ombudsman do jornal americano fundador, escreveu um artigo, Estávamos errados, reconhecendo que o cargo tinha sido de criação nipónica. Mais tarde, um membro de um comité de ombudsmen do jornal japonês Yomuri Shimbun veio negar a legimitade de se considerar a actividade no Japão como digna do qualificativo de ombudsman, pois não existiria, na tradição de funcionamento dos colegas orientais, a independência necessária para análise crítica das narrativas e dos conteúdos jornalísticos.

Esta polémica deixa o terreno aberto para interrogar a actividade do provedor dos leitores. Julgo que a função nos jornais europeus pode equilibrar o pendor crítico, independente, de análise da narrativa jornalística com a constatação simples, também evidente, de que o trabalho do provedor (como qualquer outro na empresa) existe, também, para melhorar a qualidade do jornal. Basta olhar para o Estatuto do Provedor, abaixo publicado, e olhar para o n.º 2, em cujo articulado se definem as competências deste. Se estas forem bem exercidas, haverá pelo menos uma qualidade mais ‘trabalhada’ nos jornais: a de estes não viverem de costas viradas para os leitores que lhes dão vida, que pagam o jornal, tornando-o viável.
Terei que explicar melhor nas próximas crónicas: Roma e Pavia não se fizeram num dia.

Estatuto do Provedor dos Leitores ‘Diário de Notícias’

O Estatuto do Provedor dos Leitores do ‘Diário de Notícias’, aprovado por unanimidade pelo Conselho de Redacção, tem o seguinte teor:

PREÂMBULO – O Conselho de Administração e a Direcção do Diário de Notícias decidiram institucionalizar o cargo de provedor dos leitores por entenderem que, perante a complexidade dos problemas éticos e deontológicos do jornalismo, as empresas mediáticas têm o dever de promover formas de diálogo institucionalizado com os leitores. O provedor dos leitores – também designado por ombudsman ou defensor dos leitores – constitui uma forma de auto-regulação e uma instância de crítica regular com provas dadas, na imprensa americana e europeia, ao longo de mais de 30 anos.

A principal missão do provedor dos leitores consiste em atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e em proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações. O provedor exercerá, simultaneamente, de uma forma genérica, a crítica do funcionamento e do discurso dos media.

A intervenção do provedor dos leitores processa-se sempre a posteriori, pelo que este não integra qualquer órgão da empresa ou do jornal com funções executivas, nem participa em reuniões que se destinem a planificar edições ou iniciativas do jornal. O presente estatuto visa garantir a independência do provedor perante a Administração, a Direcção e a Redacção do jornal, indispensável ao bom exercício da sua missão.

À semelhança do que sucede em experiências análogas, a impossibilidade de renovação do contrato e a circunstância de não pertencer ao quadro de pessoal da empresa proprietária do Diário de Notícias destinam-se a garantir a autonomia do provedor dos leitores.

ESTATUTO – 1. O provedor dos leitores do Diário de Notícias (adiante designado apenas por provedor) é uma entidade independente que tem por missão assegurar a defesa dos direitos dos leitores.

2. Compete ao provedor dos leitores:

2.1. Analisar as reclamações, dúvidas e sugestões formuladas por escrito pelos leitores.

2.2. Analisar e criticar aspectos do funcionamento e do discurso dos media que se possam repercutir nas reclamações com os respectivos destinatários.

3. O provedor dos leitores exerce a sua função crítica através da secção semanal que publica no Diário de Notícias, da inserção pontual de textos (sempre que a importância do assunto o justifique) e de recomendações internas dirigidas à Direcção e ao Conselho de Redacção.

4. No exercício das suas funções, o provedor dos leitores pode solicitar à Administração, à Direcção, aos editores, aos jornalistas e ao Conselho de Redacção esclarecimentos sobre questões com incidência ética e deontológica, os quais devem ser prestados, por escrito, no prazo de 72 horas.

4.1. As tomadas de posição do provedor dos leitores sobre textos assinados por jornalistas devem ser precedidas de esclarecimento prévio do respectivo autor ou, na ausência deste, do editor da secção.

5. O director do Diário de Notícias indigitará e nomeará provedor dos leitores uma personalidade de reconhecido prestígio, credibilidade e honestidade.

5.1. A nomeação depende de parecer favorável do Conselho de Redacção, que deve pronunciar-se sobre a personalidade indigitada, através de parecer fundamentado, no prazo máximo de dez dias, sob pena de aceitação.

6. A nomeação do provedor dos leitores vigora por um período de 3 (três) anos, não prorrogáveis.

6.1. As funções do provedor dos leitores cessam:

6.1.1. Por iniciativa do próprio provedor dos leitores.

6.1.2. Pelo não exercício do cargo durante um período superior a dois meses em cada ano.

7. Será celebrado um contrato entre o titular do cargo de provedor dos leitores e a empresa jornalística proprietária do Diário de Notícias, com vista a garantir o cumprimento deste estatuto e especificar as condições de exercício do cargo.

8. O Código Deontológico do Jornalista, o Estatuto Editorial e o Livro de Estilo do Diário de Notícias, do qual este estatuto constitui parte integrante, são referências obrigatórias do provedor dos leitores.’