Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rolf Kuntz

‘Até quando um presidente tão mal assessorado evitará que a economia perca o rumo? Como vão os fundamentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Os da economia brasileira estão em condição razoável e não justificam maior preocupação. Mas os fundamentos do presidente podem ser essenciais para a economia não andar em ziguezague e não levar um tombo. A decisão de cancelar o visto do repórter Larry Rohter, correspondente do New York Times, dá razão a quem ainda receia que os defensores do calote, da irresponsabilidade fiscal, da tolerância à inflação e do protecionismo venham a prevalecer. Só uma incompetência fora do comum transformaria uma reportagem sem novidades num problema de Estado e numa encrenca política de repercussão internacional. A inépcia é expansionista e pode contaminar as ilhas de inteligência que ainda resistem no governo.

O presidente Lula tem mostrado lucidez suficiente para resistir às pressões da turma do calote e do vamos-de-qualquer-jeito, mas insuficiente para se livrar dos assessores e ministros mais desastrados. Tem sido incapaz de perceber que o companheirismo não pode substituir a competência indispensável a um gabinete presidencial. Não é novidade que alguns interlocutores do presidente são pessoas autoritárias e despreparadas para aceitar críticas, perguntas incômodas e o exercício normal do jornalismo.

Incidentes em viagens ao exterior já comprovaram fartamente esse fato. Mas a cassação do visto do correspondente americano vai além do autoritarismo. É um despropósito que mancha a imagem do presidente e de seu governo e que justifica as piores dúvidas sobre como se tomam decisões no Planalto.

A mesma incompetência de quem aconselhou essa decisão infeliz ou dos que não resistiram à sua adoção tem exposto o presidente a situações lamentáveis e às vezes grotescas. Não se trata apenas das famosas gafes, que revelam, mais que o despreparo de Lula, a omissão e a deficiência dos que deveriam planejar suas viagens, contatos e aparições públicas. Mas alguém, nas vizinhanças de Lula, sabe que é preciso planejar e calcular os atos e palavras de um presidente da República?

Este é o dado assustador: o presidente brasileiro está cercado de amadores.

Foram esses amadores que deixaram o presidente, em Nova York, enfrentar um auditório de investidores com um discurso cheio de banalidades e sem o mínimo preparo para um diálogo relevante. Terá algum desses assessores procurado conhecer a opinião dos investidores que perderam tempo nesse encontro?

Faz muito tempo que a imagem do presidente Lula entrou em deterioração, porque até o que é engraçadinho e folclórico se torna cansativo. O que se cobra do presidente de um país com o tamanho do Brasil é muito mais que uma porção de banalidades politicamente corretas e bem-intencionadas. Alguém pode acreditar que o resto do mundo leve a sério aquelas bobagens sobre tributação do comércio de armas e de operações em paraísos fiscais?

Felizmente, para Lula e para o Brasil, seu senso de sobrevivência o impediu, até agora, de abandonar os compromissos fiscais e monetários que têm dado alguma credibilidade a seu governo. Mas até quando esse instinto salvador evitará que o presidente aceite o palpite errado e jogue tudo para o ar?

As dificuldades de Lula para arbitrar conflitos e para tomar decisões administrativas são notórias. Em menos de um ano e meio ele colecionou fracassos notáveis nos programas sociais, a começar pelo Fome Zero, e só conseguiu resultados em poucas áreas de seu governo. O presidente Lula ainda pode virar o jogo e levar o País a uma nova fase de crescimento e de reforma social, mas não o fará se continuar a depender da ajuda de sua turma. As limitações do presidente – Lula ou qualquer outro – são um dado incontornável. Mas é possível evitar as limitações de quem deve apoiá-lo em seu papel.

Esse apoio não virá de um grupo despreparado para discutir a administração nacional e para entender as complexidades do mundo em que o Brasil precisa disputar seu espaço. Se alguma demonstração dessa incompetência ainda fosse necessária, bastaria ouvir o grotesco falatório sobre a reportagem do New York Times. Não tem sentido afirmar que essa reportagem tenha ofendido o povo, o Estado brasileiro ou a soberania nacional. Se o presidente virou personagem de piadas e objeto de insinuações – que não foram inventadas pelo correspondente americano -, é porque ele e seus assessores nunca entenderam que a sua pessoa é uma figura pública e é preciso preservá-la. Não se trata de andar de casaca e de falar difícil. Mas um presidente não pode expor-se como Lula se expõe. Presidente não é gente como a gente. Estadistas têm de conhecer essa diferença. Não precisam ser abstêmios.’



Gilberto de Mello Kujawski

‘Os drinques de Lula e as contas de Maluf’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/05/04

‘Adenúncia do jornal The New York Times sobre os excessos alcoólicos do presidente Lula caíram como uma bomba sobre o Palácio do Planalto e criaram situação terrivelmente delicada e constrangedora não somente para o governo como para a organização política do País e também para a imprensa. O caso não pode ser levado com leviandade, na chacota e na falta de responsabilidade, nem na negação pura e simples, como veiculada na nota da Presidência, divulgada pela voz hesitante e pouco convincente de um André Singer pálido e de olhos arregalados, quase gaguejante. Afinal, o respeito devido ao presidente da República é o mesmo respeito que deve ter por si mesmo o país que o elegeu e que ele representa. Aqui não valem nem a zombaria, os comentários maldosos, nem o contra-ataque desesperado, desqualificando a matéria de um dos jornais mais influentes do mundo como ‘jornalismo marrom’, segundo consta da nota presidencial.

O texto assinado pelo repórter Larry Rohter, correspondente do jornal no Brasil, dá conta de que os abusos etílicos de Lula já viraram ‘preocupação nacional’, versão negada pela nota como afirmação ‘ofensiva e preconceituosa, pinçada em fontes obscuras e de nenhuma confiabilidade’.

Nós, brasileiros, sabemos que não foi bem assim. é verdade que os rumores tiveram início há tempos, desde que a imprensa divulgou certo comentário de Leonel Brizola temendo pelos ‘neurônios’ de Lula que poderiam estar lesados pela bebida. Como Brizola já faz tempo que não é levado a sério, ninguém ligou muito. Recentemente, nova onda de rumores veio contribuir para alimentar a inquietação difusa ao redor do assunto. Desta vez a fonte residia em pessoa do Palácio, ligada estreitamente a Lula, como assessor de absoluta confiança, um petista histórico, insuspeito, revestido pelo hábito da fé. Estava preocupadíssimo, inclusive como amigo, com o entusiasmo do chefe pelo tabaco e ‘otras cositas más’. Tudo isso à boca pequena, em caráter de rumor surdo de bastidores.

Com toda a franqueza, não nos cabe aqui entrar no mérito da questão, investigar se os rumores procedem ou não, se os ‘hábitos sociais’ do presidente diferem ou não da média dos brasileiros, como diz a nota. Cabe, sim, avaliar até que ponto aquela denúncia resulta em dano para a imagem do chefe de Estado e, em conseqüência, para a imagem do País. Em minha opinião, o momento escolhido para a divulgação desse alardeado desvio de conduta não poderia ser pior. O presidente já está politicamente fragilizado e sua personalidade não conta com a robustez e a saúde que lhe permitiriam assimilar e resistir ao vírus da notícia infamante. Conta-se que durante a Guerra da Secessão o presidente Lincoln foi avisado de que o principal general da União, Ulysses Simpson Grant, era um beberrão contumaz. A resposta de Lincoln devastou a expectativa dos detratores: ‘Digam-me a marca do uísque preferido de Grant para eu recomendá-lo aos outros generais.’ Sim, a bebida não prejudicava a imagem do general Grant porque ele já era conhecido e provado como militar de primeira grandeza. Prejudicou-o tão pouco que o povo americano o elegeria mais tarde presidente da República.

Acabou virando nome de uísque, dos mais fortes, por sinal. De Pedro, o Grande, o tremendo reformador e modernizador da Rússia, se conta que consumia litros e mais litros de cerveja, chegando a assustar as pessoas com a sede insaciável de seu temperamento fogoso. E Winston Churchill, como todos sabem, não se separava da garrafa de conhaque e do champanhe, dizendo que procurava essa bebida quando estava deprimido, e quando se sentia eufórico, por isso mesmo.

Homens de exuberante vitalidade e sólida imagem já consagrada na História, Grant, Pedro, o Grande, e Churchill estavam aptos a enfrentar todos os excessos, de trabalho, de tensão emocional, de luta com a oposição e de álcool, sem que fossem atingidos pelo desgaste físico ou político. Não é o caso de Lula. Sua robustez física está fora de dúvida (apesar da renitente bursite), mas sua personalidade política ainda não se completou, com a ossatura e a musculatura em fase de formação. Um ataque mais devastador à sua reputação pode esfrangalhar sua imagem e a imagem do País. Trata-se nem de tapar o sol com a peneira, nem de produzir catilinárias hipócritas. Sem negar o fato, nem magnificá-lo, o que se tem a fazer é reduzir sua repercussão até enquadrá-lo nas devidas proporções.

As opiniões devem cair nos extremos. Para muitos, o caso é irrelevante, ‘todo mundo bebe’. Já os Catões de plantão não transigem, ‘isso é imperdoável, jamais poderia ocorrer, o homem é uma vergonha’. Entre o sinal verde do liberou geral e o sinal vermelho da intolerância absoluta, acende-se, meio envergonhado, o sinal amarelo, convidando-nos a pensar duas vezes antes de opinar. Este sinal amarelo é a ética.

Já as contas de Paulo Maluf como ‘depositário’ de banco na Suíça fazem parte do rico folclore daquele político que enriqueceu o léxico brasileiro com o verbo ‘malufar’. Lula tem muito a preservar, em seu nome e em nome do País.

Maluf, muito pouco. Certo da impunidade, nega obstinadamente sua culpa e chega a oferecer a importância a quem a encontrar. Claro que ninguém vai localizar um depósito já ‘pulverizado’, como me observou um amigo.

Antigamente, o crime perfeito se limitava a apagar os vestígios de autoria.

Mas a pessoa física do autor continuava visível por aí, embora não identificada. Agora, o autor fica invisível, impossível de ser identificado, localizado e punido. Criou-se nova figura de direito penal: o crime sem o criminoso. Manobra de gênio, do gênio do colarinho branco, bem entendido.’



Argemiro Ferreira

‘O desonesto Larry Rohter e seu jornal desgovernado’, copyright Tribuna da Imprensa, 17/5/04

‘O que pode fazer o governo Bush (com trogloditas tipo Cheney-Rumsfeld-Wolfowitz) contra um país que se opõe claramente à sua vocação imperial, ousa contestá-lo na cena internacional, questiona seu unilateralismo doentio e ainda se atreve a articular-se com vizinhos do continente e gigantes como Índia, China e África do Sul, além dos árabes (e sua imensa riqueza petrolífera)?

A resposta é mais ou menos óbvia: mentir ao mundo que surgiu nova ameaça à paz – um país que pede inscrição no ‘eixo do mal’, busca armas de destruição em massa (ADM) e namora terroristas islâmicos. Mas a opinião pública já foi enganada uma vez com tais mentiras, na fraude usada para justificar a agressão ao Iraque. O império teve até de mudar o pretexto do ataque para ‘direitos humanos’ e ‘democracia’.

A nova ameaça pintada é o Brasil. Sem armas (tampouco existiam no Iraque), sem ligação com terrorismo (não havia no Iraque e não fez diferença), sem as ‘leis patrióticas’ de John Ashcroft a restringir as liberdades civis, sem as torturas de Guantánamo-Abu Ghraib. E mais: com direitos humanos respeitados e uma democracia que torna presidente quem tem mais votos, nada de chads, fraude e Flórida.

Má-fé, leviandade, incompetência

Como convencer os americanos e o mundo de que um presidente eleito com 70% dos votos, cuja biografia é exemplo de dignidade e respeito às regras democráticas, não passa de vilão e agente do mal, além de cúmplice do terrorismo de Osama bin Laden? Não tenho a resposta, mas uma coisa é certa. O papel crítico caberá à mídia, a grandes jornais como o ‘New York Times’.

As perguntas me ocorrem desde o texto desonesto do jornalista Larry Rohter sobre o presidente Lula no ‘Times’. Antes, ele já era cobrado com irritação aqui nos EUA (por críticos de mídia como Cynthia Cotts, do ‘Village Voice’) pelo tom faccioso do que escreve sobre o Brasil, da mesma forma como foi apontado como ponta-de-lança da agressiva política externa dos EUA na Venezuela e na Colômbia.

Não vou me referir hoje a isso, ou aos hinos de Rohter à submissão do governo FHC e nem a seus textos claramente encomendados sobre o programa nuclear do Brasil (apresentado como violador do TNT, tratado de não-proliferação, na linha do troglodita John Bolton), e nem à linha torpe com que relatou as divergências dentro do PT. Volto depois às outras trapalhadas, inclusive o que fez no golpe da Venezuela.

As regras do mau jornalismo

Desta vez quero me ater ao texto sobre Lula. Mesmo depois dos escândalos de Jayson Blair e Rick Bragg, que deixaram sem rumo a velha dama cinzenta, ainda havia esperança de que o ‘Times’ fizesse seus profissionais respeitarem um mínimo de regras. Rohter encarregou-se de provar que isso já se tornou impossível. O Brasil não é o ‘rogue state’ que ele sugere, mas o ‘Times’ virou um ‘rogue newspaper’.

As regras mandavam ouvir os dois lados. Rohter dedica a maior parte de seu texto a declarações de três adversários públicos e notórios de Lula. Pessoalmente, acho que os três têm o direito de dizer a besteira que quiserem, mas ao ‘Times’ cabia: 1 – equilibrar as declarações (até a rede Fox News às vezes faz isso) e não basta um par de linhas do Planalto; 2 – dizer a seus leitores que credibilidade têm aquelas fontes.

O texto se apoiou em declarações de Diego Mainardi, Claúdio Humberto e Leonel Brizola. Mainardi é fonte para qualquer tipo de ataque gratuito a Lula e ao Brasil. Cláudio Humberto, ex-secretário de imprensa do corrupto que derrotou Lula (com a edição fraudulenta de um debate que a Justiça eleitoral criminosamente permitiu), já tem pelo menos 15 anos de dedicação a intrigas torpes contra o atual presidente.

Brizola é caso à parte. Com má-fé, o desonesto Rohter o identifica como ‘ex-vice de Lula’, dedicado a dar conselho paternal ao ‘velho amigo’. Se o ‘Times’ não estivesse tão à deriva, diria mais. Acrescentaria que Brizola aceitou ser vice de Lula em 94 por falta de opção, era o fim de sua carreira de candidato presidencial e agarrava-se em desespero à chapa de Lula, para retomar o ódio mais tarde.

O mapa falso e a proposta real

Rohter tinha de informar o leitor, principalmente, sobre o histórico ódio político de Brizola. Ao voltar do exílio, via Lula como usurpador da liderança que julgava dele. Chamou-o ‘sapo barbudo’ e insinuou que fora inventado pela CIA. Depois Lula e o país exigiram a saída do corrupto, Brizola não – ficou com ele. Como também o ‘Times’, talvez por ser o então editor internacional casado com a ex-cunhada de Collor.

Suspeito que Rohter me considera parte da paranóia que grassa no Brasil contra os EUA, tema de outro texto desonesto dele, analisado aqui em agosto de 2002. Como fez com Lula, ao atribuir até gafes habituais à bebida, no texto anterior oferecera um samba do crioulo doido: a lambança juntava o mapa falso da Amazônia na Internet à suposta fantasia de que a Universidade de Harvard trama dividir o Brasil.

Coluna que escrevi não dizia isso. Mas contava que o professor Juan Enriquez-Cabot, cadeira Rockefeller de América Latina, propôs em artigo na revista ‘Foreign Policy’, das mais importantes do país, a subdivisão dos países grandes da América Latina. Paranóia? O professor existe, falei com ele, continua firme em Harvard. O mapa é falso, a proposta real. O professor até promete publicá-la em livro.’


***


"O desonesto Larry Rother e seu jornal desgovernado", copyright Tribuna da Imprensa, 17/05/04


"O que pode fazer o governo Bush (com trogloditas tipo Cheney-Rumsfeld-Wolfowitz) contra um país que se opõe claramente à sua vocação imperial, ousa contestá-lo na cena internacional, questiona seu unilateralismo doentio e ainda se atreve a articular-se com vizinhos do continente e gigantes como índia, China e áfrica do Sul, além dos árabes (e sua imensa riqueza petrolífera)?


A resposta é mais ou menos óbvia: mentir ao mundo que surgiu nova ameaça à paz – um país que pede inscrição no ‘eixo do mal’, busca armas de destruição em massa (ADM) e namora terroristas islâmicos. Mas a opinião pública já foi enganada uma vez com tais mentiras, na fraude usada para justificar a agressão ao Iraque. O império teve até de mudar o pretexto do ataque para ‘direitos humanos’ e ‘democracia’.


A nova ameaça pintada é o Brasil. Sem armas (tampouco existiam no Iraque), sem ligação com terrorismo (não havia no Iraque e não fez diferença), sem as ‘leis patrióticas’ de John Ashcroft a restringir as liberdades civis, sem as torturas de Guantánamo-Abu Ghraib. E mais: com direitos humanos respeitados e uma democracia que torna presidente quem tem mais votos, nada de chads, fraude e Flórida.


Má-fé, leviandade, incompetência


Como convencer os americanos e o mundo de que um presidente eleito com 70% dos votos, cuja biografia é exemplo de dignidade e respeito às regras democráticas, não passa de vilão e agente do mal, além de cúmplice do terrorismo de Osama bin Laden? Não tenho a resposta, mas uma coisa é certa. O papel crítico caberá à mídia, a grandes jornais como o ‘New York Times’.


As perguntas me ocorrem desde o texto desonesto do jornalista Larry Rohter sobre o presidente Lula no ‘Times’. Antes, ele já era cobrado com irritação aqui nos EUA (por críticos de mídia como Cynthia Cotts, do ‘Village Voice’) pelo tom faccioso do que escreve sobre o Brasil, da mesma forma como foi apontado como ponta-de-lança da agressiva política externa dos EUA na Venezuela e na Colômbia.


Não vou me referir hoje a isso, ou aos hinos de Rohter à submissão do governo FHC e nem a seus textos claramente encomendados sobre o programa nuclear do Brasil (apresentado como violador do TNT, tratado de não-proliferação, na linha do troglodita John Bolton), e nem à linha torpe com que relatou as divergências dentro do PT. Volto depois às outras trapalhadas, inclusive o que fez no golpe da Venezuela.


As regras do mau jornalismo


Desta vez quero me ater ao texto sobre Lula. Mesmo depois dos escândalos de Jayson Blair e Rick Bragg, que deixaram sem rumo a velha dama cinzenta, ainda havia esperança de que o ‘Times’ fizesse seus profissionais respeitarem um mínimo de regras. Rohter encarregou-se de provar que isso já se tornou impossível. O Brasil não é o ‘rogue state’ que ele sugere, mas o ‘Times’ virou um ‘rogue newspaper’.


As regras mandavam ouvir os dois lados. Rohter dedica a maior parte de seu texto a declarações de três adversários públicos e notórios de Lula. Pessoalmente, acho que os três têm o direito de dizer a besteira que quiserem, mas ao ‘Times’ cabia: 1 – equilibrar as declarações (até a rede Fox News às vezes faz isso) e não basta um par de linhas do Planalto; 2 – dizer a seus leitores que credibilidade têm aquelas fontes.


O texto se apoiou em declarações de Diego Mainardi, Claúdio Humberto e Leonel Brizola. Mainardi é fonte para qualquer tipo de ataque gratuito a Lula e ao Brasil. Cláudio Humberto, ex-secretário de imprensa do corrupto que derrotou Lula (com a edição fraudulenta de um debate que a Justiça eleitoral criminosamente permitiu), já tem pelo menos 15 anos de dedicação a intrigas torpes contra o atual presidente.


Brizola é caso à parte. Com má-fé, o desonesto Rohter o identifica como ‘ex-vice de Lula’, dedicado a dar conselho paternal ao ‘velho amigo’. Se o ‘Times’ não estivesse tão à deriva, diria mais. Acrescentaria que Brizola aceitou ser vice de Lula em 94 por falta de opção, era o fim de sua carreira de candidato presidencial e agarrava-se em desespero à chapa de Lula, para retomar o ódio mais tarde.


O mapa falso e a proposta real


Rohter tinha de informar o leitor, principalmente, sobre o histórico ódio político de Brizola. Ao voltar do exílio, via Lula como usurpador da liderança que julgava dele. Chamou-o ‘sapo barbudo’ e insinuou que fora inventado pela CIA. Depois Lula e o país exigiram a saída do corrupto, Brizola não – ficou com ele. Como também o ‘Times’, talvez por ser o então editor internacional casado com a ex-cunhada de Collor.


Suspeito que Rohter me considera parte da paranóia que grassa no Brasil contra os EUA, tema de outro texto desonesto dele, analisado aqui em agosto de 2002. Como fez com Lula, ao atribuir até gafes habituais à bebida, no texto anterior oferecera um samba do crioulo doido: a lambança juntava o mapa falso da Amazônia na Internet à suposta fantasia de que a Universidade de Harvard trama dividir o Brasil.


Coluna que escrevi não dizia isso. Mas contava que o professor Juan Enriquez-Cabot, cadeira Rockefeller de América Latina, propôs em artigo na revista ‘Foreign Policy’, das mais importantes do país, a subdivisão dos países grandes da América Latina. Paranóia? O professor existe, falei com ele, continua firme em Harvard. O mapa é falso, a proposta real. O professor até promete publicá-la em livro."



Janio de Freitas

‘A ressaca compartilhada’, copyright Folha de S. Paulo, 16/05/04

‘Poucas histórias terminam assim, com todas as partes perdendo. Apesar disso, foi a melhor solução para a embrulhada, não por falta de vitorioso, mas pelo surgimento da sensatez onde as partes mostravam que, acima do confronto, confraternizavam na mesma combinação de desequilíbrio e prepotência.

Lula e o governo não se livrarão, ao menos por bastante tempo, das marcas pessoais e políticas que o episódio lhes apôs. É evidente que a percepção lúcida do ministro Márcio Thomaz Bastos convenceu Lula e sua infantaria a ver um pedido de desculpas na carta em que o correspondente Larry Rohter não o fez. Embora de validade apenas temporária, a manifestação inicial do Judiciário já fora bastante sugestiva da improbabilidade de concordância dos tribunais com a cassação do visto de Rohter. A derrota tendia a ser ainda maior.

Larry Rohter, por sua vez, não deixou de ser mentiroso, por ter recebido salvo-conduto preliminar do Judiciário, nem pelo recuo do governo na cassação de seu visto. A afirmação de que a bebida de Lula mobiliza a ‘consciência popular’ e é hoje uma ‘preocupação nacional’ não decorreu da falta de fontes de informação precisas. Constatar a existência ou não de tamanha preocupação dependeria só de observação pessoal. Rohter mora no Brasil e não viu tal ‘preocupação nacional’, porque a bebida não está entre as tantas preocupações de amplitude nacional provocadas por Lula. Aquela Rohter inventou, para dar alguma motivação ‘objetiva’ e ‘factual’ à elaboração do seu texto difamante.

Rohter diz, na carta considerada aceitável por ‘The New York Times’ – sem pedido de desculpas-, ‘jamais ter tido a intenção de ofender a honra’ de Lula. Aí está a questão mais importante e, no entanto, relegada: a intenção da ‘reportagem’ tão grosseiramente desmoralizante. Invenções são freqüentes na mídia norte-americana, como se viu em recente escândalo no próprio NYT, e o são especialmente quando se trata de política e instituições latino-americanas. Não são exclusividade de lá. A reportagem política em Brasília e a de assuntos policiais no Rio inclui vários especialistas no gênero. É um problema do jornalismo em toda parte.

Nem assim é imaginável que um repórter decida, gratuitamente, produzir difamações tão graves, leve mesmo um mês elaborando-as, e um editor do NYT as publique sem verificação alguma. Ainda mais no jornal que há tão pouco, sob o abalo da descoberta de reportagens mentirosas, demitiu seu diretor de redação e comunicou a adoção de novas e rígidas regras para repórteres e editores (no fundo, são as regras de sempre, que estavam, ou estão, desprezadas).

Há muito mais do que preconceito, no texto que o NYT publicou com grande destaque. Preconceito em relação a Lula há muito por aqui mesmo. Exemplo recente gerou até uma situação rara: divergência pública entre integrantes do ‘Globo’.

Em dia bem apropriado para considerações sobre um presidente-operário, o Dia do Trabalho, dizia um artigo no jornal: ‘O presidente fala demais. De forma irrefletida. Diariamente, os jornais relatam suas impropriedades, escorregões e gafes. No jantar da bancada do PTB, ele fez algo mais perigoso: misturou uma dose de uísque com o improviso’. E seguia-se o resultado da ‘mistura perigosa’, apenas um punhado de louvações de Lula a si mesmo.

A clara afirmação de influência da bebida no comportamento presidencial foi mais surpreendente pela autoria, uma entusiasta da política econômica de Lula, do que pela presunção de uma obra do álcool. O também jornalista Ali Kamel observou a propósito, no artigo ‘FH e Lula’, que não houve críticas a outros presidentes por suas óbvias bebericagens. O título explicitara a referência, e a conclusão era direta: ‘Isso cheira a preconceito’. Míriam Leitão replicou, como Lula faria, com menção aos elogios recebidos (não só nesse caso, Míriam Leitão é, de fato, muito apreciada no mercado financeiro e no grupo de Palocci), e considerou a observação de Kamel ‘ofensiva e injuriosa à coluna’. Como Rohter, não considerou assim o seu próprio texto e, ótimo, também Lula e Luiz Gushiken não o consideraram. Ou consideraram, mas, TV Globo, essas coisas, bem, deixa pra lá.

Larry Rohter não ficou no preconceito. Fez um artigo político. O que estava indicado desde o começo do caso com a inserção, logo na abertura do segundo parágrafo, da qualificação do governo Lula como ‘esquerdista’. Pelas políticas internas, o governo é notoriamente conservador, para não dizer direitista, com os ônus descarregados sobre aposentadorias, salário mínimo, investimentos governamentais, e favorecimentos recordistas ao mercado financeiro. ‘Esquerdista’, então, só se na política externa de conotação independente. Razão bastante e tradicional para que a chamada grande imprensa norte-americana tire das gavetas o cartaz ‘Tio Sam precisa de você’.

Larry Rohter respondeu. E o governo Lula colaborou com seu propósito, dando expansão mundial ao assunto.’

***

‘A cassação’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘De todas as vezes em que a índole democrática do governo foi posta à prova, o que se exibiu foi autoritarismo, freqüentemente agravado por arrogância.

A adesão às políticas repelidas pelo eleitorado, a cassação dos leais ao programa petista, as propostas ilegais (e derrubadas) da ‘reforma’ previdenciária, a violência contra os aposentados idosos, a atual proposta de isolamento das aposentadorias, e o mais que se sabe, são antecedentes que explicam a lógica da cassação aplicada ao correspondente do ‘New York Times’.

A esse primeiro aspecto da reação ao texto desatinado de Larry Rohter juntou-se outro absurdo desalentador. Também não é novidade: é a falta de inteligência de uma decisão tomada ao fim de três dias de apreciações, da noite de sábado ao fim da tarde de terça, quando foi retirado o visto de trabalho do correspondente.

Até aquele momento, quem estava mal, com o texto caracterizando Lula como bêbedo, eram Rohter e ‘The New York Times’, associados em mais uma demonstração de que o escândalo das reportagens falsas, feitas por Jayson Blair, não eram tão anormais no jornal. Até aquele momento, Lula e o governo brasileiro eram as vítimas. A partir do momento em que decidiu pela expulsão do correspondente, o governo fez a inversão: Rohter e o ‘NYT’ tornaram-se, perante a opinião pública internacional, as vítimas de uma decisão que adotou a prepotência, quando não deveria ultrapassar o legítimo recurso à Justiça.

Não houve fato que justificasse a afirmação feita por Larry Rohter, e encampada pelo jornal sem verificação, de que o álcool excessivo está comprometendo a atividade presidencial de Lula. Para encobrir a gratuidade indicadora de um motivo não-jornalístico para o seu texto, Rohter precisou inventar uma ‘preocupação nacional’ no Brasil, uma agitação da ‘consciência popular’, com os excessos alcoólicos a que se refere. A expulsão, porém, não desmoraliza essa desonestidade profissional do correspondente nem a leviandade do jornal. Um processo nos tribunais, sim, poderia levar a tais efeitos reparadores.

Há, ainda, um fruto final da desinteligência decisória: além de se voltar contra Lula e o governo, a repercussão internacional do caso, que já não tinha do que se alimentar passado o pasmo inicial, conta agora com assunto de debate e com uma sucessão de etapas que lhe asseguram continuidade extensa.

Se Lula, Luiz Gushiken, José Dirceu e Luiz Dulci estivessem bêbedos quando decidiram pela expulsão de Rohter, seria um consolo saber que não estavam no melhor uso de sua capacidade. Mas estavam, sem dúvida.’



Vinicius Torres Freire

‘Caudilho cordial e neopopulismo’, copyright Folha de S. Paulo, 17/05/04

‘Foi uma semana de vexames e reveses para o lulismo-petismo. O núcleo cabeça-dura de Lula, provinciano e autoritário, surfou em uma casca de banana durante dias. O caudilho cordial, Lula, ratificou mais alguns de seus repentes salvacionistas, tais como o Primeiro Emprego, que tenderá a subsidiar a demissão de gente de mais de 30 anos. Mas dois dos melhores quadros do PT, Tarso Genro e Fernando Haddad, vieram com um projeto pensado para o ensino superior.

O projeto Genro-Haddad reserva 50% das vagas das universidades federais para quem estudou em escola pública. Cerca de 42% dos estudantes da federais já vêm de escolas públicas. Mas estão nos cursos menos concorridos. A reforma Genro-Haddad teria impacto apenas em cursos como medicina, direito etc.

Além do alcance restrito, tal reforma teria de prever dinheiro para a compra de material escolar, roupa e comida dos mais pobres (por que não usar a verba em bolsa-escola?). De resto, estudantes de escola pública que tomariam as vagas ‘sociais’ seriam ainda de classe média (o desempenho dos alunos de escola pública é determinado pela renda). Ainda assim, o nível das escolas cairia, como indica estudo da USP.

Outra idéia de Genro-Haddad é obrigar as faculdades particulares que não pagam tributos a reservar 20% de suas vagas para pobres, que não pagariam mensalidade.

Hoje tais escolas não pagam impostos e não dão nada em troca. Se tivessem de pagar, fariam ‘planejamento tributário’ e jogariam parte do custo nos alunos. Mas, antes de tocar o projeto, é preciso auditar os imaginativos esquemas empresariais que donos de escolas inventam para travestir o lucro em pilantropia. E, de novo: quem pagaria os outros custos dos alunos pobres? Enfim, tais vagas-grátis não iriam para os já inadimplentes, não havendo aumento real do número de universitários pobres nas escolas?

O efeito de tais medidas tende a ser marginal na distribuição de renda e na composição social da elite do país. Beneficiaria, no máximo, a classe média baixa, em parte uma freguesia petista. E os miseráveis?’