‘O publicitário Duda Mendonça, que trabalhou na campanha presidencial de Lula e é um dos responsáveis pelo marketing oficial, afirmou ontem que o caso Larry Rohter ‘arranhou’ a imagem do governo federal, mas que não terá reflexo nas eleições municipais.
O marqueteiro frisou, no entanto, que ainda não possui pesquisas qualitativas que possam comprovar tal constatação.
‘O fato é que isso já passou. Mas arranha. Não é coisa relevante, o governo tem de trabalhar. Tem muita coisa para acontecer, e o julgamento vai ser lá na frente’, disse Duda ao chegar ontem à Conferência Nacional de Estratégia Eleitoral do PT, realizada desde quinta num hotel de São Paulo.
Minutos depois, questionado novamente pelos jornalistas sobre os eventuais prejuízos ao Planalto causados pela cassação do visto do jornalista do ‘New York Times’, Duda recuou em sua declaração. ‘Não disse isso. Não fiz pesquisa para saber’, afirmou.
Anteontem, o governo voltou atrás da decisão de cancelar o visto de Larry Rohter, após seus advogados terem encaminhado um pedido de reconsideração ao governo, que foi interpretado pelo Planalto como uma retratação. O ‘NYT’ negou, no entanto, que tenha se desculpado pela matéria na qual Rohter descreve suposto hábito de beber de Lula.
Para José Genoino, presidente nacional do PT, a declaração oficial do norte-americano foi, sim, um pedido de desculpas.
‘O que tínhamos dito era que valia um pedido de desculpas do jornal ou do jornalista. Isso [a carta do jornalista] para nós valeu. Ninguém pode assumir uma ofensa dizendo que determinado ato do presidente da República afeta questões presidenciais.’
O ministro da Educação, Tarso Genro, também vê a carta de Rohter como um pedido de desculpas. ‘É uma clara retratação.’
‘Isso demonstra mais uma vez a posição ambígua desse tipo de imprensa, que determina que o seu correspondente peça desculpas e depois se abriga na sua editoria dizendo que não houve pedido de retratação’, afirmou o ministro. ‘Foi um pedido de desculpas claro’, completou Tarso.
Da Espanha, onde participa do Fórum das Culturas Barcelona, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, declarou: ‘Não quero falar sobre isso. Todo mundo bebe. Quem não bebe? Eu bebo. Quem não bebe uísque bebe leite. E ambos podem fazer bem ou mal.’
Campanha disputada
Na avaliação de Duda Mendonça, a campanha eleitoral deste ano será ‘muito dura e disputada’. E, se a oposição tentar nacionalizar o debate, ‘vai falar sozinha’.
‘É natural que a oposição tente isso, mas é uma faca de dois legumes [sic]. Se puxarem para o terceiro turno, podem perder de novo’, disse Duda, que não quis comentar a pré-candidatura de José Serra (PSDB) à Prefeitura de São Paulo. ‘Ataques não ganham eleição’, disse o publicitário, que classificou a prefeita Marta Suplicy, pré-candidata à reeleição em São Paulo, de ‘maravilhosa’.
‘Num país machista como o nosso, uma mulher para ser prefeita de São Paulo tem de brigar. E isso ela faz’, disse o publicitário.
Genoino disse que os adversários, especificamente Serra, estão ‘muito sectários’. ‘Eles batem, e a gente faz campanha’, declarou.
Declarou também que cabe aos dirigentes municipais do PT discutirem uma aliança com o PMDB em São Paulo e defendeu a coligação com a legenda em várias cidades do país. Em entrevista à revista ‘IstoÉ’ desta semana, Lula disse ser a favor de que Marta se alie aos peemedebistas. Ela, entretanto, resiste em ceder a vice.’
Vinícius Queiroz Galvão
‘Gabeira vê caso Rohter como sinal de ‘regressão intelectual’ do PT’, copyright Folha de S. Paulo, 16/05/04
‘O deputado federal Fernando Gabeira (sem partido-RJ), 63, que, em outubro do ano passado saiu do PT por se opor à política ambiental de Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos transgênicos, disse na quinta-feira à Folha que o Partido dos Trabalhadores ‘transformou-se em seu contrário’ e que só vê dois desfechos para o governo: ‘uma tragédia ou um final melancólico’.
Contrariado com a decisão de Lula de cancelar o visto do jornalista americano Larry Rohter, do ‘New York Times’, Gabeira afirmou ainda que o partido sofreu uma ‘regressão intelectual’. Para ele, a imprensa brasileira é ‘muito bem comportada’. Na sexta, o Planalto anunciou o recuo da decisão de expulsar o jornalista, após os advogados de Rohter entregarem um pedido de reconsideração ao governo.
Gabeira foi um dos militantes do MR-8 que organizaram o seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969. O diplomata foi trocado por presos políticos do regime, entre eles, o ministro da Casa Civil, José Dirceu. Após a ação, Gabeira chegou a fazer treinamento de guerrilha em Cuba, de onde foi para o Chile e, depois, para a Europa, voltando do exílio em 1979, com a Anistia. Desde o seqüestro, ele é proibido de entrar nos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha – O presidente Lula errou ao cancelar o visto do correspondente americano?
Gabeira – É uma volta a práticas da ditadura militar, é censura à liberdade de imprensa, e nos deixa muito mal no mundo porque revela que nós somos governados por um grupo despreparado para entender a complexidade das relações entre imprensa e governo, entre imprensa internacional e governo nacional.
Folha – Como o sr. se sente como ex-petista diante dessa decisão?
Gabeira – A única maneira que eu me consolo por termos estado juntos em um determinado momento, é admitir que eles sofreram uma regressão intelectual. Eles eram intelectualmente mais avançado do que são hoje.
Folha – Que reflexos a medida do governo traz?
Gabeira – Terá reflexos no trabalho de outros correspondentes no Brasil e terá reflexos na imprensa brasileira. Isso deixa implícito que as reportagens que não forem de agrado do governo podem sofrer sanções. Por outro lado, pode ter reflexos libertários, pode estabelecer na imprensa brasileira um nível de irreverência muito maior do que ela tem. A imprensa brasileira, de um modo geral, é muito bem comportada, é muito temente à autoridade. São pessoas que têm muito medo de perder coisas, o emprego. Então, se houver esse choque, pode ser que ela se torne mais irreverente.
Folha – O sr. foi preso político e também é banido dos EUA…
Gabeira – Nós estamos acostumados a ver tudo o que é sólido se dissolver no ar. E dentro da própria lógica política daquele momento nós vimos que uma coisa pode se transformar no seu contrário. É perfeitamente possível. Eu acho até bastante freqüente. A minha reação não é de surpresa ou de perplexidade. A minha sensação é que as coisas se transformam em seu contrário, que correntes políticas se transformam em seu contrário.
Folha – O presidente disse que voltaria atrás se houvesse retratação do jornal ou do correspondente. Essa é a melhor solução?
Gabeira – O presidente deveria voltar atrás na sua decisão. A saída para o governo do PT nesses dois anos e meio que restam é uma tragédia, na expectativa dos pessimistas, ou um final melancólico, na esperança dos otimistas.’
Rafael Cariello
‘Lula é lento para gerir crise, diz americano’, copyright Folha de S. Paulo, 16/05/04
‘O ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Lincoln Gordon, 90, se diz ‘decepcionado’ com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje associado a um dos mais prestigiosos centros de estudos norte-americanos, o Instituto Brookings, Gordon -representante dos EUA no país à época do golpe de 64- afirma que o governo exagera no ‘empreguismo’ -distribuição de cargos- e que, em alguns aspectos, falta ao presidente Lula controle sobre o próprio ministério. ‘Lula foi lento para ter o domínio da situação em alguns aspectos.’
O ex-embaixador faz um balanço das últimas querelas internacionais do Brasil. Sobre o caso ‘New York Times’, aponta falta de serenidade e inteligência para lidar com ‘um artigo tolo’. ‘Ignorá-lo seria a solução correta.’
De forma mais contundente, vê com preocupação a recusa do governo brasileiro a permitir inspeções indiscriminadas à fábrica de enriquecimento de urânio do país em Resende (RJ).
Para ele, a declaração do governo de que pretende utilizar o urânio fabricado para fins pacíficos ‘não convence’.
‘Essa sim foi uma concessão a um tipo ultrapassado de nacionalismo’, aponta.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha – O que o sr. achou da decisão tomada no início da semana de expulsar o jornalista do ‘New York Times’?
Lincoln Gordon – Foi muito pouco inteligente. É o tipo de coisa que acontece em países não-democráticos. Parece-me que a última coisa de que Lula gostaria é ser identificado com regimes ditatoriais. Talvez tenha sido uma decisão emocional, tomada apressadamente. Tratava-se de um artigo tolo [o feito pelo correspondente Larry Rohter]. Ignorá-lo seria a solução correta.
Folha – Há alguma relação entre esse tipo de reação e outro evento recente, o das inspeções nucleares que foram limitadas em Resende?
Gordon – Esse é um caso diferente, muito mais sério. Essa sim foi uma concessão a um tipo ultrapassado de nacionalismo.
Qualquer um que entende de armas nucleares vai entender esse gesto do governo como muito pouco perspicaz. Eu não vejo a possibilidade de alguém ameaçar o Brasil com armas nucleares, e construi-las não seria uma boa maneira de dissuadi-los.
Folha – Mas o governo diz que não está construindo armas, apenas usando o urânio enriquecido para gerar energia.
Gordon – Essa é uma declaração que não convence. Há excedente de combustível nuclear no mundo, não há perspectiva de o Brasil ter problemas para consegui-lo e fazer aquelas usinas de Angra funcionarem. Além do que, um monte de dinheiro foi jogado lá, elas [as usinas] são antieconômicas, e com o Brasil fazendo descobertas quase todo mês de novas reservas de petróleo, todo o movimento em favor da energia atômica para geração de energia elétrica parece ser prematuro.
Folha – Sua impressão geral sobre o governo do presidente Lula mudou desde a posse?
Gordon – Sim. Estou decepcionado. As indicações de [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] e [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda], do ponto de vista dos Estados Unidos e de vários países do Primeiro Mundo, foram bastante tranqüilizadoras e tiveram o efeito desejado no curto prazo dos mercados e no longo prazo da política. Não que eu fizesse tudo exatamente como eles. Mas aí vieram as indicações políticas. Fiquei desapontado com o que me parece um retorno a um antigo vício brasileiro, para o qual vocês têm uma boa palavra, o ‘empreguismo’. É claro que há uma aliança complicada no Congresso, e muitas dessas indicações foram para agradar os aliados. Isso em parte é culpa do excesso de partidos no Brasil.
Folha – Mesmo assim o senhor esperava que Lula agisse de maneira diferente?
Gordon – Algum empreguismo e algum fisiologismo são inevitáveis enquanto a estrutura política do país permanecer a mesma, mas me parece terem ido longe demais, e exageradamente. E, além disso, sem conseguirem manter a disciplina. Alguns membros do ministério de Lula fazem comentários, sobre política externa, por exemplo, que não fazem parte de sua área de atuação. Nos primeiros meses, é possível compreender alguma confusão, afinal, é a primeira vez que Lula e o PT chegam ao poder. Mas, aparentemente, Lula foi lento para ter o domínio da situação em alguns aspectos. O primeiro grande programa anunciado, o Fome Zero, como se fosse uma grande novidade, me pareceu bem estranho. Há alguma fome no Brasil, mas não é um problema central como é para alguns países africanos. E a idéia de subsidiar famílias para manter suas crianças na escola já era uma ótima parte da administração de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. Não achava que o Fome Zero acrescentasse muito. E não ouvi muito mais sobre o programa nos últimos seis meses. Parece ter desaparecido de cena. [Isso vindo] de um partido que lutou tanto tempo para chegar ao poder e teve um bom tempo entre outubro de 2002 e a posse.’
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‘‘NYT’ diz que defenderá direitos de repórter’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘O jornal ‘The New York Times’ informou ontem que vai tomar ‘as ações apropriadas para defender os direitos’ de seu correspondente no Brasil Larry Rohter, cujo visto foi cancelado anteontem à noite pelo governo brasileiro.
O jornalista está sendo expulso do país, segundo nota do Ministério da Justiça, ‘em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República’ e que traz ‘grave prejuízo à imagem do país no exterior’. A reportagem mencionada foi publicada na edição do último domingo do jornal e relata rumores sobre supostos abusos no consumo de álcool por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a vice-presidente de comunicações corporativas do ‘New York Times’, Catherine Mathis, o jornal consultou especialistas na legislação brasileira e ‘não vê base para a revogação do visto do sr. Rohter’. Questionada sobre que ações especificamente o ‘Times’ tomaria, quando elas aconteceriam e que especialistas foram consultados, a assessoria do jornal disse que não faria outros comentários.
Numa pequena notícia publicada no primeiro caderno de ontem, o jornal informa a decisão do governo brasileiro de expulsar o correspondente. O editor-executivo do diário, Bill Keller, afirma no mesmo texto que a medida ‘levanta sérias dúvidas sobre o professado compromisso do Brasil com a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão’.
Estava prevista para hoje a publicação de uma reportagem, maior, sobre as críticas que o governo sofreu no Brasil pela decisão. O texto estava na internet ontem à noite e é assinado por Warren Hoge, que já foi correspondente no Brasil e secretário-assistente de Redação do ‘Times’.
Na onda de reações internacionais à expulsão de Rohter, a organização Repórteres Sem Fronteiras informou ter enviado uma carta ao governo brasileiro dizendo que a decisão de Lula é ‘indigna de um governo democrático’.
‘Informações falsas devem ser resolvidas na Justiça’, continua a carta. ‘Esse tipo de medida autoritária não resolve nada.’
A organização também pediu ontem uma audiência com o embaixador brasileiro em Paris, onde fica sua sede.
Imagem no exterior
A carta enviada ao governo brasileiro também aborda o argumento de dano à imagem do país, alegado pelo Ministério da Justiça. ‘Existe o risco de que [a decisão de expulsar Rohter] vá prejudicar ainda mais sua imagem no exterior, mais do que o conteúdo da reportagem ofensiva.’
É o mesmo comentário de Carlos Lauría, membro do Comitê de Proteção a Jornalistas, organização americana pela liberdade de imprensa. ‘A decisão vai ferir a imagem do Brasil. Lula age mais como um rei do que como um presidente’, declarou. A organização emitiu um comunicado ontem à tarde condenando a expulsão de Rohter.
Tania Churchmuch, presidente do ramo canadense dos Repórteres Sem Fronteiras, disse, sobre a imagem do Brasil, que ‘agora piorou. Virou uma bola de neve’.
O presidente da Sociedade de Jornalistas Profissionais dos EUA, Gordon McKerral, também condenou a atitude do governo brasileiro, comparando-a à da Bolsa de Valores de Nova York, que, em 2003, baniu repórteres da rede de TV árabe Al Jazira, alegando que só permitiria a presença na bolsa de veículos ‘responsáveis’.’
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‘Entidades dos EUA criticam decisão’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04
‘A representante da organização Repórteres Sem Fronteiras nos Estados Unidos, Tala Dowlatshahi, classificou a decisão do governo brasileiro de suspender o visto do jornalista Larry Rohter como ‘um caso clássico de censura’, e o presidente da ONO (Organização dos Ombudsmans de Notícias), Jeffrey Dvorkin, afirmou que a atitude é ‘chocante’.
A vice-presidente de comunicação corporativa do ‘New York Times’, Catherine Mathis, afirmou que não podia comentar a expulsão de seu jornalista do Brasil porque, quando procurada pela reportagem da Folha, já havia terminado o ‘horário comercial’.
‘Isso é um mau sinal para qualquer outro repórter, de qualquer veículo, que queira apresentar idéias críticas’, declarou Dvorkin sobre o caso. Segundo ele, o tipo de decisão tomada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva é comum a países ‘como o Irã, ou o Iraque sob Saddam Hussein’.
‘Estou surpreso. Conheço o Brasil, é um país excelente, com grandes jornalistas, com instituições culturais sólidas. Estou realmente surpreso’, disse o presidente da associação internacional de ombudsmans.
Reclamação ao ombudsman
Segundo Dvorkin, se a reportagem realizada pelo correspondente do ‘New York Times’ no Brasil de fato era incorreta -Rohter terá que deixar o país por ter relatado na edição do último domingo do jornal rumores sobre um suposto abuso no consumo de álcool por parte do presidente Lula-, caberia ao governo brasileiro fazer uma reclamação ao ombudsman daquele jornal, e não expulsar o jornalista do país.
Para a representante dos Repórteres Sem Fronteiras, o cancelamento do visto do jornalista do ‘New York Times’ é mais um caso ‘de censura por um repórter escrever algo que não agrada a um governo’. Dowlatshahi afirma, no entanto, que o governo brasileiro teria o direito de realizar algum tipo de censura contra o repórter ‘se a reportagem em questão fosse totalmente inventada’. O que, na sua opinião, ‘claramente não é o caso’.
Repercussão no mundo
Contactado pela Folha ontem à noite, o diretor de liberdade de imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa, Ricardo Trotti, disse não conhecer a decisão, mas afirmou que ‘o caso vai gerar repercussão no mundo todo, várias organizações vão protestar’.
‘Nosso comitê de liberdade de imprensa vai analisar o caso. Se houver problemas, só podemos protestar, procurar as autoridades brasileiras e fazer pressão internacional’, declarou.’
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‘Jornal se diz ‘satisfeito’ com decisão’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04
‘O jornal ‘The New York Times’ se disse ‘satisfeito’ ontem com a decisão do Superior Tribunal de Justiça de conceder liminar permitindo que o seu correspondente no Brasil, o jornalista Larry Rohter, permaneça no país até o julgamento do mérito da questão.
Em nota divulgada pela vice-presidente de comunicação corporativa do jornal, Catherine Mathis, o ‘New York Times’ esclarece que o responsável pelo pedido de habeas corpus foi ‘um senador brasileiro’, sem mencionar o nome de Sérgio Cabral (PMDB-RJ).
O jornal se diz ainda ‘esperançoso’ de que o direito do repórter ao visto de permanência no Brasil seja mantido.
‘Esperamos ter essa questão resolvida rapidamente por meio dos canais institucionais adequados’, diz a nota.
O ‘New York Times’ já havia declarado ontem, sem dar detalhes maiores, que pretendia defender os direitos de Rohter. Segundo a mesma assessora, o jornal havia procurado consultores legais no Brasil e acreditava não haver base legal para a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de cancelar o visto e expulsar o repórter do ‘NYT’.
A Folha procurou a responsável pela comunicação corporativa do jornal para questioná-la sobre a possibilidade de o governo brasileiro rever a suspensão do visto de Larry Rohter caso o ‘New York Times’ se retratasse.
Questionada se o diário iria se retratar publicamente ou se essa oferta havia sido feita diretamente pelo governo brasileiro ao diário, Catherine Mathis declarou que o jornal iria ‘declinar, nesse momento, de responder as perguntas’.’
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‘Jornal se diz satisfeito com recuo de Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 17/05/04
‘O ‘New York Times’, na edição de sábado, noticiou o recuo do governo brasileiro na suspensão do visto do jornalista Larry Rohter no Brasil, mas omitiu o último parágrafo da nota que o próprio jornal divulgara na sexta.
No trecho, o diário mais importante dos EUA declarava que a carta enviada por Rohter ao governo -motivo apresentado pelo ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) para rever a medida- não continha nenhum pedido de desculpas ou de retratação -como o governo divulgou, o que teria tornado a carta suficiente para Thomaz Bastos vir a público e anunciar que o visto do correspondente do ‘Times’ não mais seria cancelado.
O jornal publicou apenas o primeiro parágrafo da nota, em que se diz satisfeito com a decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva de rever a medida anunciada no início da semana, e afirma que tanto o Brasil como o diário se beneficiam de ter um correspondente ‘nesse importante país’.
A reportagem de sábado, porém, faz menção a outro trecho -sem reproduzi-lo- , informando aos leitores que a nota reafirmou a ‘crença’ do jornal na honestidade do artigo de Rohter que gerou toda a querela.
No início da reportagem de sábado, o jornal norte-americano afirma que a carta dos ‘advogados brasileiros do sr. Rohter’ ao governo assegura que o repórter não pretendeu ofender o presidente e lamentava qualquer ‘constrangimento’ que o texto original pudesse ter causado.
No tal texto, publicado no domingo, dia 9 de maio, Rohter afirmava haver uma preocupação nacional no Brasil com o ‘hábito de bebericar’ do presidente Lula. Relacionava ainda as gafes do presidente a um suposto consumo excessivo de álcool.
O governo reagiu acusando Rohter de praticar um jornalismo ‘marrom’ e, em seguida, cassando o visto do correspondente. A decisão provocou reação internacional, com várias entidades acusando o governo Lula de desrespeitar a liberdade de imprensa e de agir de forma antidemocrática.
Na matéria de sábado, o ‘New York Times’ mostra como a história se desenrolou ao longo da semana. O jornal ressalta a mudança da opinião pública e da imprensa brasileira: favorável ao presidente no momento da publicação da reportagem e contrária a Lula, após a decisão de suspender o visto de Rohter.’
Josias de Souza
‘Alcoolismo marca três gerações dos Silva’, copyright Folha de S. Paulo, 16/05/04
‘A notória ‘reportagem’ do ‘New York Times’ fez rosnar as vozes interiores de Lula. O texto revolveu porões recônditos da alma do presidente. Ali se esconde, soterrado por densas camadas de reminiscências, um cemitério de garrafas.
Aristides Inácio da Silva é, entre os espectros que vagueiam pelos subterrâneos da memória de Lula, o mais vivo. Teve fim melancólico. Foi abandonado pela família. Sobrou-lhe a solitária companhia do copo. Foi à cova como indigente.
Lula e os irmãos souberam da morte do pai por carta. A notícia chegou com atraso de 12 dias. Um coveiro se dispôs a desenterrar o morto, para que fosse chorado retroativamente. Lula não quis. O irmão Genival Inácio da Silva recorda-lhe a frase: ‘Não adianta, já morreu. Deixa como está’.
‘Meu pai bebia sempre’, diz Vavá, como Genival é chamado na intimidade familiar. ‘Tomava pinga. Depois passou para o conhaque, que era melhor. Depois passou para a cerveja, que era melhor. Se pudesse beber 50 pingas, ele bebia.’
José Ferreira de Melo, o Frei Chico, irmão que seduziu Lula para o sindicalismo, lembra: ‘Deram uma facada nele, uma vez. Foi por causa de cachaça […]. O cara cortou a barriga dele. Ele quase foi para o espaço. Teve que tirar um rim fora. […] Meu pai era um homem razoavelmente forte. O que acabou com ele foi a cachaça’.
Aristides não deixou saudades. Em vida, fora um genitor cruel. Um episódio marcou o presidente. ‘Com a maior ignorância do mundo’, conta Lula, ‘[Aristides] pegou uma mangueira, pegou o Frei Chico -o coitadinho estava trocado para ir para a escola-, deu-lhe uma surra! O coitado urinava nas calças de tanto que apanhava.’
Lula prossegue: ‘Quando terminou de bater nele, veio bater em mim. Minha mãe não deixou. Aí ele deu uma mangueirada na cabeça dela e isso foi o começo do processo de separação da minha mãe e do meu pai’.
Jaime Inácio da Silva, mais velho dos sete irmãos do presidente, não teve a mesma sorte. ‘Eu apanhei como cachorro’, conta. Marceneiro aposentado, Jaime herdou, por assim dizer, a vocação etílica de Aristides. Nas palavras de Lula, ele ‘está doente de cachaça’. Segundo Frei Chico, ‘está bebendo como o diabo’.
Certa vez, o alcoolismo levou Jaime ao hospital. Ele próprio resume assim a estadia hospitalar de 12 dias: ‘Até hoje eu não sei por que estive internado. Não sei se foi por causa de cachaça demais. Vai ver que a verdade é essa’.
Eurípedes Ferreira de Melo, a dona Lindu, mãe de Lula, desabou de Caetés (PE) para Santos (SP) movida pela esperança de recompor a família. Ao chegar, descobriu que teria de dividir o marido com uma prima. Valdomira, apelido Mocinha. Em segredo, Aristides a trouxera para São Paulo. Lindu fugiu de casa com os filhos.
A mulher postiça tampouco aturou Aristides. ‘A dona Mocinha também não agüentou ele. Meu pai bebia. Agüentar bêbado é difícil’, diz Marinete Leite Cerqueira, irmã do presidente. ‘Meu pai era um verdadeiro cavalo’, acrescenta Maria da Silva, a Maria Baixinha, outra irmã de Lula. ‘Não era um ser humano. O Vavá foi um que apanhou muito dele.’
Estamos folheando o livro ‘Lula -o Filho do Brasil’. Não é obra de nenhum ‘americano irresponsável’. Escreveu-o a jornalista Denise Paraná. Foi impresso, em dezembro de 2002, pela editora Fundação Perseu Abramo, do PT. É a mais completa biografia do ex-sindicalista. Coisa minuciosa. Reproduz depoimentos gravados de Lula, de seus irmãos e amigos. O presidente posou para a foto da capa.
A conjuntura encaminha nossa ênfase para o teor alcoólico dos testemunhos que recheiam o livro. O tema foi injetado na ordem do dia pela ‘reportagem’ de Larry Rohter. Acolhido pelo ‘New York Times’, o texto levantou a suspeita de que a Presidência de Lula é movida a álcool.
Como peça jornalística, o trabalho de Rohter é precário. Baseou-se em mexericos anônimos e em fontes temerárias. Ganhou imerecida sobrevida graças à reação amalucada do Planalto.
Embriagado pelo poder, como que determinado a aprimorar as próprias deficiências, Lula expôs seus pendores imperiais. Mandou cassar o visto de trabalho de Rohter, expulsando-o do Brasil. A decisão ficou de pé por menos de 24 horas. Derrubou-a, em decisão liminar, o STJ.
Sem querer, o texto de Rohter buliu nos traumas interiores de Lula. São dores psicológicas que, recuando na genealogia, alcançam um outro fruto que pende da árvore dos Silva. Chama-se Otília. É a avó materna do presidente.
‘Minha vó, coitada, bebia uma cachaça!’, lamenta Lula. ‘Quantas vezes meus irmãos tiveram que pegar ela dormindo no meio do mato, na estrada, na beira do asfalto. […] Ela bebia muito, muito.’
‘Tomava muito a velhinha’, ressoa Vavá. ‘Era uma costureira de primeira qualidade. Mas tomava uma cachaça! Caía no barreiro e ficava gritando para a gente ir acudir ela. Morreu de idade e um pouco de pinga também.’
E quanto a Lula? Difícil caracterizá-lo como alcoólatra. Fácil, porém, constatar que não é avesso ao copo. Bebe desde a mocidade. Quem conta é o melhor amigo do presidente, Jacinto Ribeiro dos Santos, o Lambari.
‘Adoro o Lula. Ele para mim é que nem um irmão […] A gente ia comprar uma pinga e bebia meio a meio, a gente não tinha dinheiro. Cigarro também era meio a meio.’
Por mais que a exposição do hábito irrite o presidente, a condição de político legitima a curiosidade jornalística. E, a julgar pelo depoimento que deu a Denise Paraná, a política é a cachaça de Lula.
O presidente disse: ‘A verdade é o seguinte: política é como uma boa cachaça. Você toma a primeira dose e não tem mais como parar, só quando termina a garrafa’. Tintim.’